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O que nos une?

Não queremos inventar a roda mas ampliar os círculos. Vamos construir as bases para uma esquerda radical e de massas no Brasil?

Para a construção de uma identidade coletiva a favor da confluência entre as/os que lutam por um mundo verdadeiramente livre, um mundo para quem o constrói

 

Nosso novo coletivo anticapitalista não nasceu do nada. É resultado da persistência na luta de um grupo de militantes que recusa o fechamento de horizontes, o sufocamento das esperanças, o conformismo e a fragmentação das/os experiências de luta. Pretendemos que este seja um momento dos caminhos múltiplos, difíceis, mas necessários, que precisarão nos levar – exploradas/dos e oprimidas/dos – a reconstruir um projeto político e social vigoroso vinculado às nossas necessidades e aos nossos sonhos: uma liberdade tão concreta quanto qualquer coisa boa que se possa tomar com as mãos, uma igualdade multiplicada pelas possibilidades e pelo colorido das diferenças e uma solidariedade tão sólida que nunca mais seja possível sequer imaginar deixar pessoas de fora do barco da humanidade. A serviço disso não reivindicamos a exclusividade na defesa de nenhum dos elementos ou princípios que seguem abaixo, mas é a partir desta identificação inicial que nos colocamos à disposição e em marcha:

Um coletivo anticapitalista. O capitalismo tem produzido níveis extremos de desigualdade, destruição da natureza, exploração, infelicidade para enormes parcelas da humanidade. Trata-se de um fracasso gigantesco do ponto de vista da imensa maioria. Opôr-se aos seus pilares fundamentais e às medidas de seu aprofundamento é uma tarefa indispensável para nós como para amplos setores: o lucro como critério determinante das escolhas e da dinâmica econômica, a mercantilização dos bens necessários à vida, a exigência de se ter parcelas de riqueza para se ter acesso ao que existe e ao que é produzido, a criação permanente de necessidades e a espoliação da natureza são algumas das expressões de funcionamento do modo de produção cujas consequências são nefastas e contrárias às maiorias. Colocar a vida, a vida digna, acima do lucro e dos interesses sobretudo dos grandes conglomerados capitalistas e sua dinâmica de produção de mercadorias, de morte e de infelicidade é urgente.

Um coletivo socialista. Reivindicamos o projeto histórico de uma sociedade socialista. Consideramos que a superação do capitalismo – e o próprio combate aos seus efeitos agudos e drásticos a cada dia – exige, além da sua negação, a construção de uma outra forma de organizar a vida, a sociedade e a relação entre a humanidade e a natureza. Até hoje o projeto mais avançado de organização pós-capitalista já produzida pela classe trabalhadora e pelos setores subalternos foi o socialismo, uma sociedade em que os meios de produção, antes monopolizados por uma pequena elite burguesa, passam agora a pertencer a todas/os, sendo o poder político  dividido igualmente de forma que todas/os possam decidir sobre as questões fundamentais da vida coletiva. Reivindicamos e reconhecemos as milhões de trabalhadoras/es que, desde a Comuna de Paris e ao longo dos últimos séculos, deram suas vidas para a construção desta nova sociedade. A “capacidade de serviço” de quem derrotou o nazifascismo, impôs limites e derrotas ao imperialismo na África e na América Latina (a exemplo da resistência cubana) vai se propagar pelos séculos que virão e nunca poderemos agradecer à altura, a não ser completando e corrigindo os caminhos seguidos. No entanto, “nosso” socialismo não é o que assim se chamou nas etapas e expressões burocratizadas, não democráticas, não autônomas, nos países do Leste e em outras partes. Nosso projeto é, ao contrário, a possibilidade de explosão dos potenciais humanos: uma sociedade em que nenhuma ditadura (pelo Estado, do Capital, do Patriarcado ou qualquer outra) vá impedir o desenvolvimento – individual e coletivo – das possibilidades nos campos artístico, científico, político, filosófico, sexual para que os seres humanos busquem se realizar e serem felizes. “Nosso” socialismo é portanto a elevação exponencial da liberdade e a concretização da solidariedade, termos que na sociedade capitalista não podem ser efetivados além de um uso muito superficial ou ilusório. A igualdade no socialismo não é compatível com privilégios burocráticos e tampouco se confunde com o sufocamento das diferenças, das particularidades, dos gostos e dos desejos. No passado, negligenciou-se a dimensão da autonomia individual e as inúmeras possibilidades de formas de associação e vida coletiva nos projetos de sociedade socialista e este erro não poderá ser repetido. Também a exigência de que uma sociedade socialista precisa ser radicalmente mais democrática do que a atual foi negligenciada. A democratização – com o sentido de socialização revolucionária e permanente do poder – é algo tão estratégico que precisa estar refletido no interior das próprias correntes que buscam construir esta nova realidade. O socialismo não é uma receita fechada de funcionamento social: é um projeto e uma necessidade concreta de equacionar as demandas coletivas com a necessidade de emancipação do ser social, de forma que os bens da vida, as possibilidades do mundo, sejam distribuídos e que as próprias decisões sobre como fazer isso também o sejam, levando em conta de que a humanidade deve coexistir com os ciclos da natureza. Sem amarras, sem burocracias, sem patrões.

Um coletivo revolucionário. A estrutura atual de funcionamento da sociedade e da política tem beneficiários. Há um grupo de pessoas que se beneficia objetivamente da atual dinâmica produtora de barbáries. Embora um ou outro destes indivíduos possa ter “crises de consciência” e até “ações sociais” (que em geral não só não mudam como legitimam o sistema) e até mesmo possam haver defecções (indivíduos nascidos na burguesia que assumam uma “visão de mundo” correspondente aos interesses dos de baixo, das e dos trabalhadoras/es) estes são absolutamente excepcionais. A classe dominante como tal ao longo da história não abre mão de sua posição voluntariamente e tem instrumentos de força para tentar mantê-las. Isso significa que a alteração da ordem hierarquizada e injusta depende de ação concreta e suficientemente ampla para produzir efeitos estruturais e duradouros. Revolução é esta alteração profunda nas relações de poder e nas formas de organização social que deixa marcas históricas. Não se confunde com um único evento – embora algum ou alguns possam ser muito importantes. Não corresponde a uma fórmula pré-definida. Podemos e devemos aprender com as experiências históricas, refletir sobre as alterações nas condições que também exigirão alterações nas formas, meios e caminhos para a revolução. No entanto, não abrimos mão de algumas convicções: a revolução é necessária (as conquistas pequenas, parciais, são importantes, mas se perdem depois se não houver estas mudanças de fundo); a revolução passa pela conquista do poder político (inclusive do Estado, para colocarmos este mesmo em processo de destruição); a revolução contraria interesses e terá a oposição dos dominantes; a revolução socializa poder e recursos; a revolução será protagonizada pelos que têm sido subalternizados; a revolução se completa a escala internacional, embora tenha momentos nacionais e regionais importantes; a revolução não tem data marcada e é certo que não parece iminente hoje, mas é um erro tratá-la como utópica ou como mera “ideia inspiradora”, isso seria um presente para o “outro lado”: a revolução é necessária e possível, apostamos nela nossas existências, não temos certeza de que a testemunharemos, mas também não podemos estar despreparados para a possibilidade de a vivermos. Entendemos que a revolução envolverá milhões de pessoas e sabemos que precisamos pensar as suas especificidades no Brasil. Que venham as revoluções do século XXI: apostamos, precisamos e queremos fazer parte delas.

Um coletivo ecossocialista. O capitalismo produziu uma tamanha espoliação da natureza que alterou em sentido gravemente negativo às possibilidades da própria vida humana no planeta. Diversas regiões já vão se tornando inabitáveis ou tendo sua possibilidade de vida digna muito diminuída, como por exemplo os países insulares e vastas regiões de países periféricos. O mais dramático e agudo é que os efeitos das alterações ambientais e das mudanças climáticas em particular não recaem especialmente sobre seus causadores – as grandes corporações e seus proprietários – mas sobre as populações mais vulnerabilizadas do globo, forjando um quadro de profunda injustiça ambiental. Sãs as/os trabalhadoras/es, as/os negros/as e indígenas, as/os habitantes das regiões mais pobres do planeta que pagam os preços mais elevados pela relação predatória, humanamente irresponsável que se estabelece nos processos de produção de mercadorias contemporâneo. Vale dizer que a percepção da impossibilidade de manutenção do ritmo atual ou pelo menos da retórica sobre a relação com a natureza é tão acentuada que aparecem diversos “discursos” ou projetos sobre a questão ambiental. Muitos destes são tentativas de apresentar o desenvolvimento do capitalismo como sustentável com um suposto equilíbrio ambiental. É assim que surge um grande leque de correntes de pensamento sobre a questão. Nós consideramos que a superação do capitalismo é uma necessidade incontornável à reversão do desastre climático ambiental global – e das inúmeros catástrofes que assumem proporções regionais e locais – que a atual ordem produz. Consideramos também que a sociedade socialista a ser construída não fará sentido e não terá futuro se não tiver como uma característica fundante o revolucionamento completo da relação entre humanidade e natureza. Os países que experimentaram outras formas de produção (na antiga URSS, por exemplo) não conseguiram romper com a lógica produtivista e desenvolvimentista na relação com a natureza e bens comuns. Sem dúvidas são experiências importantes, que nos inspiram, mas que precisam ser devidamente atualizadas e superadas. O ecossocialismo é portanto um projeto mais radical, profundo e revolucionário de socialismo, uma vez que incorpora a historicamente subestimada questão da socialização do acesso aos bens comuns e as inúmeras experiências vigorosas de resistência histórica das chamadas comunidades tradicionais ao avanço da mercantilização da vida, exemplo disso é a incessante resistência dos povos indígenas, caiçaras, quilombolas, pescadores, ribeirinhos, caboclos a se curvarem à dominação capitalista, a ponto destes povos cumprirem um papel fundamental nas lutas anticapitalistas e ecológicas da atualidade. Assim como o acúmulo dos comunistas é pela destruição do estado, pois não há forma possível para ele fora da sociedade de classes, o mesmo vale para a economia capitalista, não basta tomar o controle dos seus centros decisórios, ela é em si uma máquina de produzir desigualdades, é necessário implodi-la. Recusamos qualquer deturpação – por desconhecimento ou má intenção – que procure identificar a reivindicação do ecossocialismo a uma menor atribuição de centralidade à classe e ao conjunto dos oprimidos. Ao contrário: o ecossocialismo que defendemos é o aprofundamento e a ampliação deste protagonismo. Não podemos deixar à sanha do sistema de lucros, mercantilização e desigualdade o destino do metabolismo ecológico do planeta e de seus 7 bilhões de habitantes humanos. Que o futuro do planeta, dos bens comuns e dos povos originários estejam nas mãos das maiorias, através de planejamento democrático coletivo, este é o sentido do ecossocialismo.

Um coletivo Feminista. Ao longo de sua história o capitalismo foi capaz de se apropriar e de se beneficiar de outras hierarquizações sociais, inclusive pré-existentes a ele próprio. A mais importante dentre estas foi a ordem de gênero.

As mulheres, principalmente as brancas, foi atribuído o trabalho doméstico e sua condição restrita ao ambiente familiar, de forma subalternizada. O controle dos corpos femininos e essa inferiorização construída pelo mundo ocidental,  exerceu um papel crucial na viabilização da moderna organização da produção. A subalternização ainda maior das trabalhadoras em comparação com os trabalhadores dividiu a classe e permitiu aos dominantes um nível de exploração ainda mais elevado em relação a este segmento. A negação de direitos políticos e civis e do próprio corpo, bem como a construção de uma cultura discriminatória, corresponderam a obstáculos suplementares na organização desta parte enorme da classe trabalhadora composta por mulheres, para evidente benefício da burguesia. O machismo tem sido um componente ideológico estruturante do comportamento da sociedade em geral, incluindo seus segmentos dominados. Os homens – beneficiados objetivamente pela ordem hierárquica de gênero e ou convencidos ideologicamente do caráter natural da distribuição desigual de direitos e recursos – acabam por atuar em sua ampla maioria para conservar esta hierarquização. O patriarcado constitui um sistema que se manifesta através de um leque de expressões: a violência contra a mulher, a reprodução cultural do machismo tanto nos espaços públicos quanto privados, as diferenças na ocupação de espaços sociais e políticos, entre outras. Uma das grandes marcas do último século é a emergência de movimentos de mulheres de extraordinária capacidade de contestação à ordem patriarcal e ao machismo. As mulheres têm protagonizado uma parte muito grande das resistências ao capitalismo e ao patriarcado (articulados evidentemente) mundo afora. Formalmente, muitas das discriminações legais foram sendo abandonadas em consequência da força destas lutas. No entanto, as diferenciações materias permanecem muito severas. A desigualdade nas distribuições tanto de rendimentos quanto de responsabilidades pelo cuidado da família fazem com que haja uma dramática “feminização” da pobreza. A superação da ordem do capital é uma condição necessária à completa emancipação das mulheres, mas qualquer revolução social que não tenha como característica fundante a superação do patriarcado não será possível, não seria a nossa revolução e não serviria à emancipação humana.

Um coletivo Antirracista. O racismo é uma das expressões mais abomináveis da ideologia dominante e não pode ser tolerado, naturalizado ou secundarizado em qualquer espaço ou projeto de transformação social. Ao contrário do pensamento oficial dominante de matriz liberal que formalmente rejeita o racismo como se fosse um mero desvio vindo “do nada” nós o tratamos como um fenômeno histórico. Negras e negros, afrodescendentes em geral foram sequestrados e violentamente colocados em situações extremas de opressão e exploração no desenvolvimento do capitalismo. As questões étnicas e, em especial, a condição de negras e negros não recebeu historicamente a atenção devida por parte do pensamento socialista. Num país como o Brasil e em grande parte do mundo, em que os segmentos mais explorados, oprimidos e espoliados pelo capital tem como característica predominante serem negras e negros ignorar o componente racista (sistêmico, institucional, cultural) do funcionamento da ordem atual é perder a capacidade de organizar sua superação. As inúmeras e vigorosas formas de resistência das populações negras atuais e passadas, visíveis ou nem tanto, são uma parte fundamental do processo histórico que há de desembocar na emancipação humana. Ao hierarquizar e dividir a classe, ao intimidar, inclusive com a morte, as populações negras a ordem do capital beneficia os seus donos, mas ao enfrentar as diversas formas de racismo, inclusive as mais disfarçadas e ao apostar na autonomia e no respeito às especificidades dos movimentos e também na integração de projetos entre os movimentos de lutas de negras e negros e demais, apostamos na sua emancipação e que o nosso socialismo terá que ser também a superação do racismo. A história do Brasil é exemplo da escravização que os povos negros foram submetidos mas também do poder da resistência da negritude. Nos referenciamos nos revoltosos da Balaiada do Maranhão, na luta anti-racista e pelo direito à expressão espiritual dos negros muçulmanos da revolta dos malês, nos insurgentes da greve negra da Bahia de 1857, no poder de Zumbi e Dandara e dos milhares de Palmares para tecer um projeto de revolução preta como parte fundamental da revolução no Brasil.

Entendemos que as inúmeras violências sofridas pelos povos originários mundo afora – e pelos indígenas brasileiros em particular – são alguns dos mais agudos sintomas do tipo de “projeto civilizatório” levado a cabo. Entendemos a resistência e a solidariedade orgânica destes povos como parte de nosso projeto e do sentido de nossa existência.

Um coletivo de combate à LGBTfobia. A família nuclear tradicional heteronormativa tem sido uma célula muito útil à reprodução – ideológica e material – do capitalismo. A mera existência das LGBTs perfaz uma ameaça a esta forma tradicional de reprodução (criação de filhos, desejados futuros trabalhadores disciplinados). Ao longo de séculos as LGBTs foram relegadas à marginalização, submetidas a formas, inclusive extremas, de violência e discriminação, tem tido negado o acesso inclusive aos direitos elementares conquistados – alguns desde as revoluções burguesas – pelos setores subalternos em geral. Trata-se de uma parte da humanidade que se mantém alheia até mesmo da igualdade formal, característica do capitalismo moderno, em grande parte do planeta. Graças à forte mobilização e capacidade de luta nas últimas décadas alguma conscientização sobre a situação e alguns direitos têm sido reconhecidos em alguns países. No entanto, é forçoso reconhecer que há uma forte tentativa de, uma vez constatado inevitável algum grau de reconhecimento, “absorver” e neutralizar o potencial subversivo dos movimentos LGBTs em enquadramentos menos agressivos possíveis à ordem. Apostamos num desenvolvimento revolucionário das lutas de LGBTs, já que o capitalismo, apesar de algumas conquistas de direitos civis, continua a oferecer péssimas condições de trabalho, discriminações gravíssimas no acesso aos serviços públicos de saúde e educação, uma expectativa de vida menor em comparação com a população em geral e uma cultura dominante que contém diferentes graus de ódio: da hierarquização negativa à morte violenta. Nossa revolução e nosso socialismo terão também o significado de emancipar LGBTs e com isso tornar mais possível a felicidade de todas e de todos.

Um coletivo que aposta na independência de classe, das e dos setores subalternizados. Os caminhos políticos e as escolhas estratégicas que poderão levar nossa classe e nosso conjunto de segmentos historicamente subalternizados à emancipação são e serão sempre merecedores de muito debate e muita dedicação, já que nada indica que serão simples. Mas neles nos guiamos por alguns princípios e referências. Um deles é o da “independência de classe” e, devemos acrescentar “dos setores subalternizados de forma geral”. Diz respeito ao reconhecimento de que estrategicamente – ou seja, no grande movimento de fundo que poderá levar ao poder político e às grandes transformações – o “nosso bloco” não poderá contar com alianças com a classe dominante. São projetos antagônicos, que não vão se compatibilizar. Por isso é um erro pensar que podemos estar junto com setores burgueses neste caminho de fundo. Isso não quer dizer que não possamos concordar com setores burgueses sobre este ou aquele ponto geral numa determinada conjuntura (contra uma invasão estrangeira, pelo fim de uma ditadura ou de que a Terra gira em torno do sol). Este princípio tem implicações práticas muito concretas: por exemplo, é impossível imaginar que uma organização que vá cumprir um papel estratégico não vá ser financiada pelo nosso próprio bloco. A burguesia e seus instrumentos não vão financiar os instrumentos que irão destruir o seu poder e sua posição, exceto se na verdade estiverem “comprando” ou “amaciando” estas organizações. O respeito às formas de autoorganização de setores e movimentos, sua autonomia, assumem para nós um caráter indispensável.

Um coletivo em defesa das crianças, das/os idosas/os, das/os jovens, das pessoas com deficiência e de todas as pessoas que possam ser especialmente  vulnerabilizadas por suas características ou condições . Ao longo do último século de lutas a classe trabalhadora conseguiu conquistar uma série de direitos de proteção aos segmentos sociais mais vulneráveis. Nas últimas décadas um dos sintomas da crise do capital tem sido o ataque ao fundo público, com a privatização, corte ou diminuição das políticas sociais. Os direitos (os Direitos Humanos, inclusive) – como conquistas parciais de pequenos espaços, proteções ou possibilidades num mundo que deveria ser todo nosso (dos subalternizados) – estão longe de serem nossos objetivos finais, embora possam ter um valor importante como conquista parcial e impulso para novos avanços. E precisamos ter a cautela de não confundirmos suas conquistas, sempre reversíveis, com isso. No entanto, a proteção de todos os segmentos que apresentam vulnerabilidades específicas – além daquelas que a ordem do capital já impõe ao conjunto da classe e dos setores subalternos – deve ser um princípio norteador de nossa atuação. Tanto impedir os retrocessos neste terreno quanto projetar que uma sociedade emancipada não poderá prescindir de todos os reconhecimentos e estruturações que a proteção a estes setores exigir. Concretamente, um mundo socialista terá que ser um mundo mais amigável e generoso para com as crianças, as/os idosas/os, adolescentes e jovens, pessoas com problemas de saúde de forma geral. E terá que ser um mundo plenamente acessível: para que as pessoas com deficiência não tenham apenas acesso aos bens da vida, mas para que todas/os tenhamos acesso uns aos outros. Do contrário, não seremos plenamente humanidade.

Um coletivo em defesa da diversidade cultural e dos direitos culturais dos grupos subalternos e que assuma a democratização da comunicação como objetivo fundamental. A ordem do capital busca enquadrar, mercantilizar, padronizar todas as expressões estéticas da vida humana, suas manifestações culturais, suas formas de busca por alegria ou entretenimento ou mesmo transcendência e religiosidade. Este processo se dá tanto pelo esmagamento das referências e atividades culturais dos setores subordinados quanto pela sua assimilação em formatos mercantis, docilizados. Violência e cooptação caminham juntos na dinâmica de uma produção estética a serviço da conservação. No entanto, tem sido impossível ao capitalismo destruir uma rede gigantesca de referências, crenças e práticas coletivas que fogem à sua lógica. Reconhecemos que historicamente o movimento socialista subvalorizou os aspectos referentes à afirmação das culturas populares e suas possíveis articulações com os projetos emancipatórios. Nas suas piores expressões as burocracias auto-intituladas socialistas chegaram a se opôr e a perseguir artistas, grupos e manifestações filosóficas ou religiosas. Queremos seguir o caminho oposto: um projeto socialista em que a diversidade cultural, a tolerância religiosa, a liberdade de crença, a proteção aos direitos culturais especialmente dos grupos minoritários e historicamente subordinados seja uma sua parte fundamental. Um socialismo em que a liberdade artística e cultural faça explodir a criatividade humana a níveis impossíveis de conceber sob o capitalismo.

A democratização dos meios de comunição, para que todas as expressões humanas, políticas e artísticas possam se desenvolver e para que todas os possam ter acesso a estas sem passar pelo filtro interessado e perverso do Capital é um valor para nós estratégico: uma reivindicação fundamental para a resistência hoje e para a construção de uma nova sociedade.

Um coletivo antipunitivista e antiproibicionista. Todos os aparatos estatais vinculados ao controle, à atuação repressiva e punitiva do Estado, incluindo as estruturas judiciais e policiais, são expressão de seu caráter de classe. A própria definição do que é um “crime” corresponde a um instrumento das classes dominantes, ideologicamente naturalizada. A imensa maioria da população carcerária, crescente no mundo capitalista, é parte da classe trabalhadora. No Brasil é, sobretudo, negra. O encarceramento e a violência policial (e paraestatal) faz parte da estratégia burguesa de dominação. É um erro apostar de forma geral no incremento geral do poder punitivo como saída para os nossos problemas, ainda que as soluções concretas e formas de transição sobre esse aspecto ainda exijam acúmulo e reflexão para os socialistas. Ocorre que o recrudescimento do caráter punitivo do Estado se dá de forma combinada à recusa de seu papel em promover alguma justiça social, ou melhor, definir algum limite às injustiças nos marcos do capitalismo. O incremento das estratégias de coerção e vigilância do Estado é a outra face do neoliberalismo, que em suas muitas vertentes, representa modos variados de renúncia a políticas sociais como educação, saúde e seguridade. Não à toda a sociedade é levada a substituir suas reivindicações por segurança social, em termos de políticas públicas, pela garantia da mera segurança pessoal, supostamente viabilizada pelo sistema criminal, apesar de sabermos que na verdade  este esteja programado para (re)produzir desigualdades. Merece destaque o reconhecimento de que a guerra às drogas tem sido na realidade uma verdadeira guerra aos pobres, sobretudo pretexto para o extermínio de jovens negros. Lutamos por uma outra abordagem: de reconhecimento pleno da humanidade dos acusados de delitos, em geral parte de nossa classe; de exigência de respeito aos direitos humanos e de criação de um projeto que supere estruturalmente a ordem pública como ordem burguesa.

As diferentes lutas não são por nós tratadas de forma hierarquizada, estanque, fragmentada nem como meras justaposições. Devemos contribuir para que  se integram, aprendam umas com as outras, interajam, sem ocultações artificiais de diferenças, com o máximo esforço para as especificidades não sejam capturadas por artimanhas das forças dominantes e sim ganhem o sentido revolucionário exigido por todas.

Um coletivo em defesa da Liberdade, das liberdades. Liberdade é uma das palavras mais repetidas no quadro do pensamento dominante oficial dos Estados capitalistas ocidentais. Em abstrato, encarna um valor contra o qual poucos se opõem no espectro político dominante destes países (até mesmo a extrema direita, de forma hipócrita, a utiliza eventualmente). Acontece que a “liberdade” do discurso dominante liberal é a possibilidade de escolhas limitada às possibilidades econômicas de cada um, ou seja, é a liberdade de mercado. Omite o dado fundamental de que no capitalismo o espaço de escolhas pode ser infinitamente maior para um bilionário em comparação a um trabalhador pobre. Esconde ainda que se trata de um conjunto de escolhas sobre opções pré-determinadas pela ordem do capital. É, sobretudo, a “liberdade” de escolher que modelo, cor, características secundárias de mercadoria comprar num mundo em que ter certas mercadorias é mais impositivo que obedecer a certas leis. A “nossa” liberdade é a liberdade de governar o mundo, de decidir o que, como, quando e de que forma algo será produzido. É a liberdade das horas liberadas pela redução radical da jornada de trabalho (e depois do fim da noção de “jornada de trabalho”), é o fim do modelo de cidade em que a circulação privilegia o transporte individual que leva um pedaço grande da vida de milhões em engarrafamentos, é a liberdade de poder fazer arte, sexo, política, filosofia sem depender de uma condição econômica tal ou qual pra isso. A nossa Liberdade é muitas vezes maior que a liberdade liberal. A Liberdade Socialista diz respeito a muito mais gente e a muito mais áreas da vida. Quando reinar, talvez lembremos da liberdade liberal como um pequeno simulacro que tentou durante um tempo esconder o que poderia ser mesmo a Liberdade humana. Apostamos numa sociedade plena de liberdade, o comunismo, que assim como o velho Marx propunha, vai fazer a história passada ser considerada a pré-história da verdadeira humanidade. A sociedade que defendemos não implica em nenhum direito a menos para as maiorias sociais (os únicos direitos que desaparecem são os estruturantes dos privilégios dos “de cima”): as liberdades políticas, inclusive, devem se ampliar. Ao contrário, a sociedade que defendemos significa a concretização exponencialmente maior e mais profunda de muitas das possibilidades que na sociedade atual são promessas incompletas ou enganosas.

Um coletivo Internacionalista. As fronteiras entre Estados são produtos do mesmo processo histórico que erigiu o capitalismo como sistema mundial dominante. Os Estados e as divisões entre eles são parte da expressão desta ordem do capital que combatemos. Nossa solidariedade é antes – e muito antes – com as/os trabalhadoras/es e subalternos de outras fronteiras que à construção ideológica que tem sido tão útil aos nossos inimigos de classe: a de Nação. No entanto, não podemos desconhecer o fato, nem deixar de pensar mediações pra ele, de que o poder político, que precisamos tomar para começar os processos de transformação, continua bastante concentrado nos Estados. Nem podemos ignorar a enorme capacidade de mobilização que os sentimentos nacionais continuam a possuir. O internacionalismo não significa nem um desconhecimento nem um desrespeito das estruturas de poder realmente existentes e nem um desrespeito aos valores partilhados pelas massas. É preciso dialogar, mediar, construir. A luta por uma outra ordem no plano mundial provavelmente passará por mobilizações nacionais antiimperialistas também, bem como por alianças regionais e um complexo processo de rearranjo de forças. É impossível que um militante que se considere socialista não se indigne com as ações violentas e explícitas dos estados imperialistas contra povos oprimidos (As intervenções estadunidenses; as inominável violência do Estado de Israel contra palestinos são exemplos agudos). Mas o nosso internacionalismo não é uma mera solidariedade abstrata com as lutas de outras partes do mundo, muito menos uma caricata busca de diferenciações a partir da tomada de posições sobre realidades pouco conhecidas. Buscamos nos comunicar, trocar experiências, estudar respeitosamente para aprendermos uns com os outros, ouvir companheiras/os que tem tido ou tiveram experiências em outras partes do mundo. A própria América do Sul é marcada por uma enorme rede de lutas e coletivos e reflexões que queremos tomar em conta todo o tempo.  Os processos de articulação de organizações socialistas no plano internacional tem sido muito desafiadores, mas reconhecemos que há diversas experiências significativas. Até pela trajetória de muitas/os das/militantes que formam inicialmente este coletivo reconhecemos a contribuição que tem sido dada pela IV Internacional no esforço de refletir e organizar esta solidariedade revolucionária. A “IV” não significa para nós uma marca identitária, mas uma referência concreta para muitos assuntos: a necessidade de renovação permanente da esquerda, a recusa à acomodação da social-democracia, a aposta na juventude, a abertura para uma estética e para formas de luta em permanente processo de revolucionamento, um sujeito revolucionário multifacetado tendo como elemento unificador a resistência ao capital, e a crítica à catástrofe civilizatória e ecológica que o capital empurra a humanidade e a natureza. Não significa um fechamento em uma única vertente da ampla torrente de resistências anticapitalistas, mas a abertura para diálogos, alianças, convergências, insurreições.

Um coletivo para a convergência com muitos outros. Nosso coletivo não é um fim em si mesmo. Não temos a fórmula do caminho certo para a mudança do mundo, não somos infalíveis, não temos alcance no momento para alterar o quadro sócio-político. Nosso coletivo se coloca à disposição para a convergência (desde logo entre os que temos as proximidades programáticas acima expressas; temos certeza de que há outras correntes e militantes que subscrevem estas referências e outros com os quais poderíamos avançar no diálogo entre as formulações); para a convergência também na atuação política e social com outras forças em luta; para a atuação conjunta É preciso dialogar, mediar, construir.

Que venham as revoluções do século XXI: emancipatórias, ecossocialistas, feministas, antirracistas, antilgbtfóbicas, internacionalistas, culturalmente plurais!

18/03/17

5 comentários em O que nos une?

  1. Na barra cinza larga, lá em cima, onde estão as nossas causas e lutas está faltando LGBTP+

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  2. Olá Amig@s. No sentido de contribuir. No parágrafo – Um coletivo Feminista. Consta a expressão ” principalmente as brancas” é desta forma mesmo? Pois fiquei esperando por uma justificativa para a expressão, mas não encontrei. Tanto Silvia Federici como Ângela Davis e principalmente todas da terceira onda do feminismo demostram nitidamente que a opressão das mulheres negras sempre existiu, inclusive no trabalho doméstico. Ângela Davis destaca que na escravidão, além do trabalho no campo junto com os homens, elas também tinham o trabalho doméstico. Não entendi por que o destaque. A sugestão para o texto seria retirar esse aposto. Ou entendi equivocadamente a expressão?? Um abraço. ótimo o texto.

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    • Eu entendi que o texto faz referência às mulheres brancas terem historicamente sido exploradas no âmbito do lar, enquanto mulheres negras e indígenas eram exploradas enquanto força de trabalho para fora do lar (na casa de seus senhores) ou a partir de outras formas de exploração que não apenas a doméstica.

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  3. Gostei de muitas ideias aqui, gosto muito do bem viver, contudo confesso que não acho bom tratar de financiamentos pelo próprio bloco, acho que incluir capital nessa luta não combina. Por exemplo, uma emancipação pela própria produção e consumo faz mais sentido, do que qualquer financiamento para alguém (isso lembra de mais nosso sistema).

    Sobre o protagonismo, também acho que não deveria de ter, visto que essa forma de viver é um direito de todos. Não podemos vangloriar ninguém, nem nós, possíveis transformadores.

    Estou aberto a ouvir ok, mas é que sou novo aqui, e estou gostando bastante do bem viver.

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