Entrevista | Alberto Acosta fala sobre realidade equatoriana e as últimas eleições
Subverta.org entrevistou esta semana Alberto Acosta, economista equatoriano, um dos idealizadores do movimento pela Revolución Ciudadana, que elegeu Rafael Correa em 2006. Acosta foi Ministro de Minas e Energia do Governo Correa, e em sua gestão propôs a não exploração das reservas petrolíferas do território Yasuni. Em seguida presidiu a Assembleia Nacional Constituinte do Equador que formulou uma das peças constitucionais mais plural, democrática e ecológica da história.
Subverta: Antes de mais nada agradecemos a sua disponibilidade de conceder a entrevista para o subverta.org. Gostaríamos de saber como se deu a sua aproximação com a política e quais as influências você teve ao longo da vida?
Acosta: Estou na política desde muito jovem. José María Velasco Ibarra, meu tio avô, foi cinco vezes presidente da república. E desde então tive grande sensibilidade pela política.
Contudo, apesar de eu vir de uma família conservadora, sempre tive um espírito rebelde e libertário. Não sei se é algo genético que aflorou em mim particularmente.
Desde muito pequeno mantinha posições contestadoras. Recordo que desde pequeno eu gritava: “Viva Alfaro”. Um grande lutador liberal (1842-1912), líder da única revolução que foi produzida até hoje no Equador. Algo inédito em uma família tão conservadora e católica como a minha. E com esse pseudônimo “Eloy Alfaro” ganhei um prêmio em um concurso anual sobre a vida do Marechal Antonio José de Sucre, no 5º ano da Escola Borja II, uma escola católica. Muitos na família devem ter feito “Plop como Condirito” (expressão idiomática referência um HQ chileno muito popular na América Latina de língua castelhana e quer dizer “cair para trás!”), quando foi anunciado publicamente Eloy Alfaro, quer dizer eu, um menino de 10 anos. Desde então, a política flui pelas minhas veias e isso sem nenhuma ambição de poder.
Subverta: A história política do Equador é marcada desde a independência por grande instabilidade. A construção da Alianza País ocorreu na contraposição ao que Rafael Correa sintetizou como a chamada “Longa noite neoliberal”. Para uma familiarização dos leitores brasileiros, como se encontrava o Equador às vésperas da vitória de Correa.
Acosta: No ano de 2006, o Equador havia começado a superar uma das maiores crises econômicas de sua história. O país sofreu, em 1999, o retrocesso econômico mais severo na América Latina desde então. A queda real do PIB para 1999 foi de 7, 3%. O PIB medido em dólares caiu em 31% entre 1998 e 2000. Essa foi a maior redução do PIB em todo o século XX. O PIB por habitante se reduziu em 33% entre 1998 e 2000.
O país, segundo a Unicef, experimentou o empobrecimento mais acelerado na história da América Latina, ao menos até a crise de conversibilidade argentina no ano de 2001. Entre o ano de 1995 e o ano 2000, o número de pobres passou de 3,9 para 9,1 milhões, em termos percentuais cresceu de 34 para 71%. A pobreza extrema também dobrou seu tamanho de 2,1 para 4,5 milhões de pessoas. Em termos percentuais o salto foi de 12% para 35%. A porcentagem de crianças vivendo em abrigos pobres aumentou de 37 para 75%. O gasto social per capita diminuiu 22% em educação e 26% em saúde.
Nesses anos de virada de século se produziu uma massiva migração de equatorianos, processo que incidiu profundamente na vida econômica social e política do país.
A concentração da riqueza não se viu afetada. Pelo contrário, nos anos de 1998-2000, 6 mil pessoas controlavam 90% das empresas mercantis sujeitas a Vigilância da Superintendência de Companhias. Não mais que 200 pessoas dominavam o sistema bancário privado no qual 5 bancos concentravam a metade das operações ativas e passivas.
Uma das principais explicações, porém não a única, das ditas crises que tem a ver com o ajuste estrutural e as políticas de estabilização própria da “longa noite liberal” título do livro publicado no ano de 1993, pelo Instituto Sindical de Estudios e Icaria em Barcelona.
Tudo isso veio acompanhado, como era óbvio, com uma grave crise política.
Subverta: Sobre a Alianza País, quais foram as bases sociais e políticas que a compuseram? Do ponto de vista do programa de governo quais eram considerados os pontos fundamentais das políticas apresentadas nas eleições de 2006?
Acosta: Nessas condições de uma profunda crise econômicas social e política a sociedade equatoriana buscava alternativas. Exigia participação direta. Rejeitava a constitucionalidade existente. Combatia o neoliberalismo… se vivia um ambiente de profunda frustração e indignação.
Igualmente havia começado a cristalizar-se em uma série de propostas formuladas desde os setores populares, particularmente desde o movimento indígena: o estado plurinacional, os direitos coletivos, o bem viver ou sumak kawsay…
É interessante notar que nessa época o movimento operário retrocedia (por diversas razões), tomou força o movimento indígena que se transformaria num ator importante da vida nacional desde os anos 90. Neste contexto, de busca de transformações profundas aderiram setores médios urbanos, camponeses, pequenos empresários, operários, trabalhadores informais e até imigrantes jovens, homens e mulheres em todo o país.
Subverta: Apesar de não ter vencido o primeiro turno e ter alcançado 56,7% no segundo turno das eleições em 2006, meses depois da posse no Plebiscito sobre a convocação da Assembleia Nacional Constituinte conquistou-se mais de 80% dos votos a favor da instalação do processo constituinte, a que elementos você credita essa esmagadora maioria e em que medida eles representavam um aumento massivo do apoio ao programa do recém instalado governo?
Acosta: Alianza País teve a capacidade de emocionar e motivar a população. Em meio das crises as propostas de mudanças apresentadas foram um vigoroso catalisador de lutas múltiplas e diversas para sonhar que é possível construir outro futuro, outro país, outro mundo. Dali emergiu a força da revolução cidadã em estreita sintonia com as forças que propunham alternativas à realidade imperante.
Nesse sentido, não há uma só luta. Nem uma só orientação, nem uma só direção. Por outro lado, foi frustrante que Rafael Correa assumisse como presidente na qualidade de “relámpago em cielo despejado” (“relâmpago em céu claro!”). As nuvens das quais emergiu seu governo já estavam carregadas destas lutas. A maioria dos governantes progressistas lamentavelmente não entenderam esta realidade.
Subverta: Pode nos contar um pouco sobre como foi a tua participação nesses primeiros meses de governo? E sobre a experiência de presidir o processo de elaboração deste que é sem dúvida um importante documento histórico tanto do ponto de vista da luta anticolonial como do ponto de vista ecossocialista?
Acosta: Eu estava entre as primeiras pessoas que começaram a trabalhar para levar adiante este processo de mudança. Minha vinculação com as lutas populares tinha uma trajetória de décadas. Eu cri que era o momento de buscar uma opção diferente à margem das estruturas tradicionais das esquerdas. Fui candidato à assembleia constituinte de 1998 pelo partido de origem indígena o Pachakutik sem êxito nas eleições por sinal. Buscávamos uma mudança profunda, contando com a liderança de Rafael Correa que havia tido uma postura diferenciada em seus 104 dias de Ministro das Finanças do governo anterior.
Rafael Correa conclui sua função no ministério em agosto de 2005. E só desde então começamos a trabalhar no processo de configuração do que seria logo a “Revolución Ciudadana”, que lançamos com força nos anos de 2006.
Recordo, como uma anedota, que a princípio nos reuníamos na minha casa. Éramos um grupo muito reduzido de pessoas. Às vezes não ocupávamos as 6 cadeiras da sala de jantar. Com frequência nos reuníamos em três, quatro, ao máximo 5 pessoas, se havia 7 ou 8 presentes, só homens devo reconhecer, tínhamos que trazer um par de banquinhos da cozinha.
Então começamos a pensar como tornar realidade um sonho desejado por amplos setores da sociedade. Lamentável é que não houve um real movimento político nem um partido político por trás desse projeto. Isso nos cobraria a fatura no futuro, ao terminar de consolidar uma operação caudilhesca, tão própria da realidade equatoriana, algo que havíamos proposto a superar.
Depois da vitória de 2006, em uma campanha centrada exclusivamente na figura do candidato presidencial Rafael Correa, posto que não apresentamos candidatura alguma ao parlamento nacional, começamos a preparar o que seria a tarefa da gestão governamental. E assim, seguimos aprofundando um governo cada vez mais personalista e individualista.
A mim foi encomendado dirigir a área de energia e minas. Havia dedicado muitos anos de estudo, reflexão e trabalho à questão energética; desde quando comecei a estudar economia da energia na universidade na década de setenta. Fui funcionário da empresa Estatal de petróleo, chegando a ser o Marketing Manager. Também trabalhei na Organización Latinoamericana de la Energía, assim como consultor em temas energéticos dentro e fora do Equador.
Assumi o ministério de minas e energia no primeiro dia da gestão do governo de Correa. Logo depois de uma intensa, porém curta gestão de cinco meses renunciei para liderar as lutas da assembleia constituinte. De todas as maneiras pus em marcha uma série de iniciativas como deixar sob o chão o petróleo de Yasuní uma proposta que havia surgido anos atrás na sociedade civil.
O amplo respaldo popular para conformar a maioria de parlamentares constituintes da Alianza País se explica pela força que havia adquirido já na gestão governamental a proposta de mudança formulada pela Alianza País e que foi elaborada no plano de governo 2001-2007, construída com ampla participação social em 2006.
Este plano seria a ferramenta fundamental de orientação do governo e da assembleia constituinte. O plano, nisso devemos insistir, que surgiu da acumulação histórica das lutas de resistência que em anos anteriores se concretizaram contra o neoliberalismo do Tratado de Livre Comércio. Da entrega da base de Manta aos yankees por exemplo. Esse plano se nutriu também das lutas de construção de amplos segmentos da sociedade.
Os protestos, recordemos, vinham acompanhados cada vez mais de propostas. Não foi uma improvisação do momento, assim como tampouco uma obra de um grupo de iluminados.
Cumprindo com sua palavra o governo convocou uma Assembleia Constituinte e três meses depois que Correa assumiu a presidência da república se realizou uma consulta popular em 15 de abril para convocar a data da Assembleia. Nas urnas o povo se pronunciou em 82% a favor da convocatória de uma assembleia constituinte. Com essa contundente vitória se abriu a porta para acelerar a mudança. Assim obtivemos 80 dos 130 postos da Assembleia Constituinte em 30 de setembro de 2007.
Subverta: A nós que vemos de longe aquele processo que permitiu emergir muitos Equadores, eles estavam de fato ali representados, tinham força social e política ou vieram mais como fruto de uma percepção pluralista que não podia deixar ninguém de fora pelos setores que hegemonizaram o processo? E se estavam, como foi que o “Correísmo” conseguiu diluí-los nesse caldo geral e mais ou menos desorganizado?
Acosta: No processo constituinte confluíram todas as lutas de resistência e de construção de alternativas. Foi um espaço de enfrentar o passado que queríamos superar assim como criar um novo futuro. Foi um espaço para sonhar em outro mundo e para criá-lo pelo menos figurativamente falando.
Não havia acontecido na história constitucional equatoriana – um país com 21 constituições desde 1830 – um processo tão democrático e profundo. É a constituição mais equatoriana de todos os tempos. É uma constituição de vanguarda no mundo, pensemos nos direitos da natureza para mencionar apenas um ponto. É uma constituição revolucionária, é como uma caixa de ferramentas para construir a democracia, recordando que o socialismo é um processo de democracia sem fim e que a tarefa tem que ser simultaneamente ecologista, feminista, anti-colonial.
O grande aprendizado de todo esse rico processo de lutas de resistência e construção de alternativas sintetiza-se na necessidade de construir democraticamente uma sociedade democrática. Não há outro caminho. Sem democracia não há revolução e sem revolução não há democracia.
Não há outro caminho. Sem democracia não há revolução e sem revolução não há democracia.
Subverta: Chegamos a um ponto crucial, qual foram os primeiros sinais de que o governo poderia frustrar ou se voltar contra o projeto emancipatório expresso, por exemplo, na Constituição? Você poderia nos apresentar alguns casos nos quais há um descumprimento flagrante da Constituição?
Acosta: Agora passados 10 anos me parece que o erro fundamental foi organizar um processo de mudanças estruturais, diríamos até revolucionário, confiando na capacidade de uma liderança individual. Desde que resolvemos concentrar todo nosso esforço em uma só pessoa sem construir em paralelo um partido político eminentemente democrático e participativo semeamos o gérmen de um regime autoritário e caudilhesco. Foi interrompido nosso sonho e nossa proposta de levar adiante como dissemos solenemente citando o plano de 2006 “nossos próprios processos de organização e desenhar nossos próprios programas de vida sem nos ater a mensagens e normas emanadas de alguém que pretender assumir o papel de iluminado; não cremos em lideranças individuais. Que conduzam a constituição de estruturas verticais e caudilhescas, sim em lideranças coletivas sustentadas na autocrítica, na tomada coletiva de decisões, no respeito a outras opiniões e na humildade. Temos capacidade para fazer e para sonhar em um mundo de igualdade e liberdade para todos e todas que começará a ser viável desde o próximo governo. Temos que compreender que esse sonho coletivo será possível com a ação coletiva e unitária de todas e devemos ter em mente de que quem luta separado será derrotado junto. É hora de resgatar a herança de sonhos de nossos forjadores valorosos e suas lutas cristalizadas“. Definitivamente o tiro nos saiu pela culatra.
Subverta: Qual é a atual base social do Correísmo? Como opera a burocracia estatal?
Acosta: Com o passar dos anos a Alianza País se tornou um partido “guarda-chuva colorido” Ali se abrigam setores populares sobretudo não organizados ou controlados clientelarmente pelo governo. Se encontram por igual amplos setores da classe media, sobretudo vinculadas diretamente ao incrementado aparato estatal, assim como os beneficiários da obra pública. Não faltam representantes dos velhos partidos políticos e de inclusive dos maiores grupos de poder econômico, incluindo a banca, que foi um dos maiores beneficiários da agora mal chamada “revolução cidadã”.
O que interessa ter presente é que o Estado fortalecido serviu ao presidente Correa para impor sua autoridade, sua disciplina e sua ordem em nome da pátria. Na prática, o partido de Correa se mimetizou no governo e vice versa. No concreto se diluiu toda aquela força social diversa e comprometida com grandes transformações. Tudo com o objetivo de modernizar o capitalismo. Em síntese, Correa enterrou rápido as propostas de mudanças iniciais e se transformou em caudillo do século 21.
E quais são os processos e movimentos emancipatórios com maior vitalidade fora do Correísmo?
Acosta: Os grupos mais atacados pelo correísmo foram perversamente aqueles que viabilizaram o triunfo eleitoral de Correa no ano de 2006 e que são os principais protagonistas das propostas de mudanças. A frente deste muito complexo processo de resistência ao correísmo se somam trabalhadores, indígenas, assim como grupo de mulheres, de ecologistas, estudantes e de educadores.
A vitalidade e criatividade já não estão dentro das filas do correísmo. Pelo contrário, ali estão presentes as forças da direita do século 21, que impulsiona seu próprio esquema de restauração conservadora. Como exemplo pontual, o presidente Correa impôs sanções a um parlamentar de seu partido por atrever-se a propor a discussão da questão do aborto por estupro dentro do parlamento.
Subverta: E as direitas equatorianas que crescem com a fragilização do Correísmo, em linhas gerais, quais são seus perfis e sua base social?
Acosta: Entendamos que a eleição de 2 de abril foi entre duas opções da direita. A direita do século 20 liderada por um banqueiro, o banqueiro Guilhermo Lasso e a direita liderada por Rafael Correa que tem um de seus fantoches como candidato presidencial, o licenciado Lenin Moreno, trata-se de uma espécie de capítulo andino de Game of Thrones.
Nesse sentido lamentavelmente não se pode esperar que o novo governo impulsione mudanças estruturais e menos ainda que se reencontrem com os ideais de transformação radical dos primeiros momentos desta agora mal falada “revolução cidadã”, que não tem absolutamente nada de revolução, nem tampouco de cidadã.
Para os setores populares é evidente que continua a luta, desde as ruas, pela democracia e a participação, a justiça social, a justiça ecológica, a igualdade e a liberdade.
Alberto Acosta com Michel Löwy na Escola Nacional Florestan Fernandes – Brasil
Subverta: É inevitável fazer um nexo entre a crise do Correísmo e a queda dos preços das commodities. Uma de suas críticas é justamente essa, que o Equador perdeu uma grande oportunidade para se diversificar economicamente por conta da aposta neo-extrativismo. Sabemos que as opções de aprofundamento do modelo extrativo não são apenas ideológicas, mas sustentadas por importantes grupos de interesse econômicos e políticos, qual a dimensão da influência desses grupos no governo Correia?
Acosta: A queda no preço do petróleo e outras matéria primas somada ao fato de a economia equatoriana ser dolarizada e com o aumento do dólar complicou gravemente a situação econômica. O que deve ficar absolutamente claro é que os problemas econômicos já estavam em desenvolvimento anteriormente. Ao não haver impulsionado a transformação da matriz produtiva, as condições estruturais se agudizaram em meio à prosperidade provocada sobretudo pelos elevados preços do petróleo.
Tanto é assim que no ano de 2014 quando o preço do pretróleo se aproximava dos 100 dólares por barril o governo Correa começou um processo de endividamento público interno e externo extremamente agressivo e sem transparência, sob condições cada vez mais onerosas: taxas de juros elevadas e prazos curtos. Isto inclui a entrega de mais da metade da reserva de ouro ao Goldman Sachs. Correia retornou às rédeas do FMI para conseguir seu beneplácito com o fim de obter bônus no mercado financeiro internacional.
Em todos esses anos, sobretudo desde de 2009, o governo, que regressou com práticas neoliberais, forçou os extrativismos como nenhum outro governo havia feito na história nacional.
Subverta A exploração de petróleo no Equador historicamente tem levado a dezenas de problemas, tais como conflitos com as comunidades indígenas, poluição de rios, etc. Além disso, o agravamento da crise climática impõe restrições cada vez maiores a exploração de combustíveis fósseis. Você poderia comentar sobre a política do Governo Correa neste sentido, especialmente em relação ao Parque Nacional Yasuni?
Acosta: Rafael Correa se transformou no maior promotor dos extrativismos. Basta ver os seguintes pontos:
- Imposição da mineração em grande escala. Tendo como referência os casos de Kimsacocha, Íntag ou Mirador; o que consegue é através de várias formas de violência, perseguição, criminalização, inclusive assassinato dos dirigentes anti mineração.
- Apoio a monocultura e obtenção de agrocombustíveis sem pensar uma verdadeira proposta de recuperação agrícola nem de fomento à soberania alimentar. Ao ponto do presidente Correa ter chegado a mencionar “ a pequena propriedade rural vai contra a eficiência produtiva e redução da pobreza, repartir uma propriedade grande em muitas pequenas é repartir a pobreza” em 1 de outubro de 2011.
- Entrega de campos de petróleo maduros para empresas estrangeira sem licitação.
- Ampliação da área de exploração de petróleo no centro sul da Amazônia, permitindo inclusive a exploração no ITT Yasuni.
Destaquemos que em 15 de agosto de 2013 o presidente Rafael Correa deu por terminada a iniciativa Yasuni ITT e oficializou a exploração petroleira. A razão do fracasso não se radica na falta de apoio internacional. Não há dúvidas que Correa não desdobrou nenhuma estratégia política clara, não esteve a altura desta proposta realmente revolucionária surgida anteriormente desde a sociedade civil.
Na mesma linha está a entrada do Equador em um tratado comercial com a União Europeia que consolida a condição do país como país primário exportador e que contradiz as posições da primeira hora da revolução cidadã.
Subverta: Apesar de representar um certo reforço do modelo primário-exportador, o extrativismo contemporânea está imbricado de tal forma ao setor financeiro, mercado futuro e ao sistema mundo capitalista de uma forma mais intensa e mais complexa do que a que vimos até pelo menos o final dos anos 1980. Como construir no âmbito de um estado nacional mudanças suficientes para reposicionar as sociedades latino americanas frente à dinâmica da dependência e do “desenvolvimento do subdesenvolvimento”, há algumas boas pistas para essa resposta?
Acosta: Uma estratégia pós extrativista deve questionar a totalidade das estruturas produtivas sociais e políticas que respaldam esta modalidade de acumulação primário exportadora.
Não se cristalizará esta estratégia da noite para o dia. Há que transitar de uma situação de extrativismo extremo a outra em que o extrativismo foi minimizado ou inclusive totalmente eliminado. Esta é uma tarefa muito complexa. Não nos esqueçamos de que há amplos segmentos da população que assumem o extrativismo como uma alavanca para potencializar o desenvolvimento e o progresso, ao que se somam as inter-relações transnacionais de dominação extrativista.
O que fica absolutamente claro é que a dependência do extrativismo aumentou em toda a América Latina, tanto em países com governos neoliberais, como “progressistas”, seja no Brasil ou Equador, Argentina ou Colômbia, Peru, Bolívia, Uruguai ou Chile. Todos os governos de mãos dadas com o extrativismo embarcaram em uma nova cruzada desenvolvimentista seja para sair do extrativismo com mais extrativismo, como oferece o governo equatoriano ou para subir na locomotiva mineradora, como propõem o governo colombiano. E não há nenhuma diferença na forma como esses governos impõem o extrativismo sempre com mais concentração de riqueza e violência.
Subverta: Há pouco mais de um ano atrás seu livro “Viver Bem – Uma oportunidade para imaginar outros mundos” foi publicado no Brasil. Diante dos atuais desafios que estão colocados para os países da América Latina (retorno de governos de direitas, ascensão de grupos conservadores e queda dos preços das commodities), qual é a atualidade desse debate? Como é possível a construção de alternativas reais (ou outros mundos), que rompam com a lógica do desenvolvimentismo?
Acosta: Os governos progressistas manifestam que conceitos como o bem-viver ou Sumak Kawsay não são generalizáveis. E que não passam de estrela guia distante de uma sociedade pós-capitalista. E não é só isso: esvaziaram o conteúdo do bem-viver e o transformaram em um dispositivo de poder. Isso ocorre tanto no Equador como na Bolívia.
Tenhamos presente, por outro lado, que a visão do bem-viver constitui uma referência importante que deixa entrever um horizonte civilizatório emancipador, que se guia de maneira concreta pelas mudanças estruturais nas constelações do poder, na conformação do estado e no entendimento da economia. Que se opõem a séculos de opressão e de ideologias eurocentristas, ao mesmo tempo em que propõem a construção de sociedades livres do antropocentrismo e orientadas por visões sócio-biocêntricas.
Subverta: Por fim, em que medida a crise do Correísmo está relacionada à crise mais geral dos governos ditos “progressistas”, impeachment no Brasil, fechamento do regime venezuelano, e como na sua visão estes processos estiveram e estão articulado, apesar de suas particularidades?
Acosta: Há elementos comuns nesses processos sem dúvida alguma. Tratou-se de transitar por caminhos pós-neoliberais, porém não pós-capitalistas. Se inflou o discurso da integração regional porém foi só isso, um discurso com muita pouca prática. Se reduziu a pobreza graças ao alto custo das matérias primas no mercado mundial – incluindo os países com governos neoliberais, porém não se reduziu a concentração da riqueza, por não ter afetado essa situação e menos ainda as estruturas concentradoras que seguiram beneficiando majoritariamente os grandes grupos econômicos. Falou-se de soberania nacional e entregaram os recursos naturais a grandes corporações transnacionais, sobretudo ao capital chinês. Seus governantes encheram a boca de justiça social, porém não foram capaz de impulsionar a reforma agrária, vide o caso de Brasil e Equador.
Essa lista é mais longa. O certo é que, mais além das especificidades de cada país, que devem ser consideradas adequadamente, os governos “progressistas” não podem em nenhum momento serem considerados de esquerda, de uma esquerda simultaneamente socialista, ecologista, feminista, anti-colonialista, radicalmente democrática.
Deixe um comentário