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Maio das flores verdes e das abobrinhas proibicionistas

06 de maio/2017 | Foto: Marcha da Maconha São Paulo

O Maio Verde começou, movimentos antiproibicionistas começaram a ir para as ruas por todo o mundo e a Marcha da Maconha já colocou milhares de pessoas em movimento por diversas cidades do país no último fim de semana. A marcha existe em mais de 30 cidades pelo Brasil e seguramente juntou mais de 50 mil pessoas na maior cidade do país esse ano. Como a mídia noticia mas não informa, a temporada de abobrinhas proibicionistas na internet está aberta e precisamos conviver com um show de desinformação e preconceito por todos os lados.

Bando de vagabundo! Tanta coisa mais importante para reivindicar! Marchar pela educação ninguém quer! Se legalizar, amanhã tá todo mundo fumando! É a porta de entrada para drogas mais pesadas! O Brasil não está preparado para acabar com a guerra às drogas! Mata neurônio! – afirmam diplomados senhores e respeitosas madames que não abrem mão de sua merecida cervejinha, do Rivotril, do café, nem do Lexotan.

A guerra às drogas que encarcerou Rafael Braga está matando pessoas negras e pobres como Amarildo, Cláudia e DG em ritmo cada vez mais acelerado. A massa carcerária do Brasil já é a 3ª maior do mundo (depois que essa tipificação penal cresceu quase 300% só na última década – dados do Ministério da Justiça) e a desinformação ainda dá um show de horrores nas ruas e nas redes. As pérolas são muitas e temos que entender que o contexto de décadas de proibição são determinantes para essa desinformação generalizada.

Há também as pérolas da esquerda. Quem nunca ouviu os jargões “A Marcha da Maconha é de burguês” ou “A Marcha da Maconha só quer saber de fumar seu próprio baseado em paz”. Como se o “burguês” já não fumasse seu baseado em paz onde bem quer, sem qualquer mínima repressão por parte do Estado. São caros camaradas caretas que, além de provavelmente não terem construído a Marcha da Maconha de perto, demonstram pouco conhecer as pautas e os sujeitos dos coletivos antiproibicionistas que constroem o movimento por todo o país. Segundo levantamento feito pelo site “Antiproibicionista.com”, em 29 marchas que aconteceram no último ano (2016), praticamente todos os temas denunciava o alto índice de violência e mortes decorrente da guerra às drogas. A maioria falava especificamente do “genocídio do povo negro” e da necessidade de “paz na quebrada” e nas “periferias”. Quem conhecer as Marchas de São Gonçalo, Nova Iguaçu, Magé e construir um pouco o movimento na prática, vai descobrir também que o movimento vai muito além das pessoas brancas de Ipanema. E que invisibilizar a periferia e o povo preto é coisa do capital, da direita e das posturas preconceituosas e excludentes.

Marcha da Maconha São Paulo 2017

Marcha da Maconha São Paulo | 06 de maio/2017

Vale lembrar também, em Niterói/RJ a Marcha da Maconha já em 2016 foi em apoio à Campanha Nacional pela Liberdade de Rafael Braga. Em Recife/PE a Marcha do ano passado foi nacional e unificada durante o I Encontro Nacional de Coletivos e Ativistas Antiproibicionistas, espaço de organização e planejamento do movimento que luta pelo fim da guerra às drogas no Brasil. Objetivamente, a Marcha da Maconha é um dos poucos movimentos de massa do país com forte organicidade e capacidade de diálogo, sobretudo com a juventude. Além da própria Marcha, são diversos coletivos, blocos de carnaval, rádios, revistas, portais de internet e profissionais de diversas áreas construindo o movimento cotidianamente hoje. Desqualificar o movimento como despolitizado ou desorganizado provavelmente é fruto de desinformação ou pior: preconceito.

Diante da barbárie que é a política de drogas brasileira, felizmente, como diz o jornalista uruguaio Eduardo Galeano, não há escola que não encontre sua contra-escola. A juventude antiproibicionista que carrega em suas fileiras médicos, advogados, juízes, jornalistas, psicólogos, professores e até mesmo delegados, aos poucos está derrubando essa cortina de fumaça da desinformação e o amanhã antiproibicionista está sendo cada vez maior. Em meio à uma crise generalizada de segurança pública no Brasil, onde o recente caos carcerário dá fortes indícios de um esgotamento estrutural, esse ano a Marcha da Maconha deverá sair em mais de 50 cidades do país pelo fim da guerra às drogas. Sintomático.

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Marcha da Maconha Rio de Janeiro | 06 de maio/2017

Essa mesma juventude que em junho de 2013 apresentou nas ruas a tarifa zero como resposta à crise de mobilidade urbana também apresenta a legalização e regulamentação das drogas como alternativa à crise de segurança pública. Se a sociedade e autoridades vão entender o recado? Talvez. A sociedade cada vez adere mais à marcha e já assistimos o início de massificação da pauta no país através das ruas, como já acontece na Argentina e algumas outras cidades da América Latina e Europa. Quanto ao governo, as expectativas praticamente inexistem. Com um “jardineiro paraguaio” como primeiro nome para o STF, uma das mais baixas popularidades da história (menos de 5% – Vox Populi) e sem qualquer capacidade de diálogo com as ruas e o movimento social organizado, o presidente não eleito Michel Temer (PMDB) não deve durar muito.

Uma coisa, entretanto, é certa. A força das marchas que aconteceram nesse começo de maio verde é prenúncio de que a primavera pode chegar mais cedo esse ano. A Marcha da Maconha prova que a informação é mais forte que qualquer proibicionismo proveniente da desinformação. Que a sociedade pode sim ser transformada quando as ruas são o centro da política.

As flores, enfim, dão provas que podem mesmo vencer o canhão.


Andrew Costa é mestre em comunicação social e jornalista da Fiocruz

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