Heil, CO₂! Nazinegacionismo e eleições alemãs
por Alexandre Araújo
Eleições alemãs: como esperado, a União Democrata-Cristã/Social-Cristã (CDU/CSU) de Angela Merkel permaneceu como a maior força no Bundestag, o parlamento alemão, elegendo 246 deputados após obter cerca de 1/3 dos votos. Mas isso está longe de ser boa notícia para os partidários da chanceler alemã, visto que este foi o pior resultado eleitoral do partido em nada menos que 68 anos. A bancada perderá 65 deputados, encolhendo dos atuais 311 para 246.
O SPD (Partido Social-Democrata da Alemanha), que também compõe o atual governo, foi outro bastante atingido, perdendo mais de 5% da preferência dos eleitores alemães e ficando com 39 assentos a menos no parlamento. Martin Schulz, líder do SPD, avalia que isso foi um recado contra a “grande coligação” com a CDU/CSU, que veio sustentando Merkel, e já anunciou o fim do acordo com o Governo, o que deve levar Merkel a buscar um arranjo com os liberais eurocéticos do FDP (que obtiveram 10,7% dos votos, o mais do dobro de sua votação anterior) e com os Verdes, que receberam 8,9% dos votos.
Die Linke, o partido de esquerda, obteve um resultado melhor do que há 4 anos, ficou à frente dos Verdes, com 69 eleitos, crescendo sua bancada em 5 parlamentares, mas foi ultrapassado não apenas pelo FDP mas pela trágica “novidade” das eleições, o partido da extrema-direita (AfD), que se tornou na terceira força política e entrou no Bundestag.
A presença da ultradireita no parlamento alemão é tristemente inédita desde o fim da II Guerra Mundial. Capitalizando em cima de incertezas econômicas e principalmente da xenofobia, os 12,6% de votos que obteve irá garantir-lhe nada menos do que 94 cadeiras no parlamento.
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As propostas do AfD para clima, ambiente e energia são uma verdadeira declaração de estupidez e irresponsabilidade. Um festival de declarações anticientíficas. |
Mas se os discursos dessa versão modernizada dos nazis centraram fogo na imigração, especialmente após a decisão de Merkel (tão acertada e justa quanto, infelizmente, impopular) de acolher refugiados, principalmente do Oriente Médio, em 2015, outro traço peculiar do AfD emergiu nos debates de campanha: o “mau e velho” negacionismo climático…
Pois é. Quando instado a falar sobre clima, ambiente e energia, a direção do AfD desfiou um rosário de sandices negacionistas ao melhor estilo dos asseclas de Trump e dos paspalhos nacionais Felício e Molion. Em resumo, os nazinegacionistas: 1. Afirmam que “já houve mudanças climáticas”, para fugir do debate das causas, riscos e implicações da mudança atual; 2. Jogam o sofisma de que “o CO₂ não é tóxico”, como se fosse essa a questão por trás da necessidade de controle e redução radical de suas emissões; 3. Mentem a respeito do IPCC quando afirmam que os estudos compilados pelo painel se baseiam “apenas em modelos”; 4. Mentem ao dizer que as temperaturas atuais são “similares” àquelas verificadas na Idade Média e no período do Império Romano; 5. Repetem a caraminhola, mil vezes desmentida, de que “o aquecimento global parou em…”; 6. Ressuscitam o mito de que mais CO₂ na atmosfera será “bom para o crescimento das plantas”; 7. Concluem que não se deve reduzir o uso de combustíveis fósseis e descarbonizar a matriz energética.
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Como sabemos, parte da extrema-direita brasileira já é negacionista de carteirinha. Na foto, Molion profere palestra junto ao Instituto Plínio Correia de Olveira, fachada da TFP. |
Se você achou tudo isso estranhamente familiar (tendo nós mesmos dissecado vários desses mitos como aqui e aqui), não é à toa. O negacionismo climático em si foi, como sabemos, produto de laboratório gerado pela própria indústria fóssil. Mas nos últimos anos, ele vem sendo abraçado de maneira bastante ostensiva pela direita organizada, à medida em que o discurso desta vem construindo convergências cada vez maiores em escala mundial, homogeneizado por uma combinação de fatores que vão desde incertezas, anseios e afetos comuns, com os quais a direita dialoga seja no Brasil, na Europa ou nos EUA, aos treinamentos de seus quadros em “institutos” e “think tanks” e, claro, à interação nas redes sociais, que tem conformado, no limite, uma nova identidade à direita, em nome da qual determinados grupos são capazes de abrir mão de parte de sua identidade original em favor da simbiose com os demais (caso dos “liberais” que abraçam o conservadorismo de costumes para não chatear os coleguinhas…)
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