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Notas sobre a discussão “Imperialismo e Geopolítica”

Autor: François Sabado
Tradução: André Borba

Estas notas incorporam elementos de contribuições orais da discussão sobre imperialismo, apresentada por Pierre Rousset no encontro do Bureau da Quarta Internacional em 18 de outubro de 2014: “Caos geopolítico e suas implicações – notas introdutórias para a reflexão coletiva”. Contribuições para esta discussão vão ser publicadas na seção especial “Imperialism Today”.

Resumo

As diferenças entre o imperialismo do final do século XIX e início do século XX do imperialismo globalizado do início do século XXI foram apresentadas nas notas de Pierre Rousset (1) e no texto de Michel Husson (2). Eu gostaria de destacar duas principais diferenças desses dois períodos históricos:

– A primeira é uma virada no mundo com o deslocamento dos centros de gravidade econômicos (a ascensão da China e o poder de economias emergentes na Ásia)

– A segunda diferença está relacionada com o movimento organizado de trabalhadores, que se desenvolveu e expandiu – embora tenha sido interrompido pelas guerras mundiais e pelo fascismo – no final do século XIX e início do XX. Por outro lado, esse movimento enfrenta uma crise histórica nesse início de século XXI.

1. Uma virada no mundo

Nós temos que entender o tamanho dessa virada. Não se trata de uma mudança cíclica, com retorno para a normalidade quando a crise acabar… Para traçar essa medida, nós temos que ter como referência os pontos para onde os centros de gravidade da economia global se deslocaram – como em 1760-1780 entre Holanda e Inglaterra, ou durante o período entre guerras, entre Inglaterra e os Estados Unidos…. Com exceção desse último período, não se trata só de uma mudança em escala continental, mas uma transição para um outro mundo no sentido econômico, social, político, cultural… Esta é uma mudança onde o Ocidente (Europa e Estados Unidos), que tem dominado o mundo desde o descobrimento da América, está perdendo sua hegemonia em favor de novas potências emergentes ou de velhos poderes que estão recuperando sua força depois de quatro ou cinco séculos.

1.1 Nessas novas relações globais, a Europa está em declínio e os Estados Unidos estão perdendo sua hegemonia econômica, embora ainda sejam a principal força militar no mundo. Muito desse status vai depender dos desdobramentos da crise norte-americana. No entanto, o Produto Mundial Bruto dos países do G7, que representava 56% do total no início dos anos 1980, não avançou mais de 40% em 2010. Previsões indicam que as curvas de crescimento dos países além do G7, de um lado, e da China e forças emergentes da Ásia, por outro, vão se cruzar na próxima década; e, em termos de resultados per capita, isso pode se repetir de 2030-2040. Os indicadores de crescimento nos últimos 10 ou 15 anos (entre 8% e 12% da China e Índia, contra 1% a 2% da Europa e 2% a 3% dos EUA) ou mesmo os números de estoque global comprovam essas mudanças.

1.2 Nessa crise, o mapa do mundo está sendo redesenhado e a competição é feroz.

Essas novas relações de força estão alimentando tensões entre capitalistas e entre imperialistas, que podem, em alguns casos, conduzir para conflitos de ordem militar. O declínio dos Estados Unidos é expresso pela sua crise hegemônica. Os EUA permanecem como a principal força mundial, mas o seu posicionamento global tem se enfraquecido nos fronts de guerra pelo planeta. Da Nova Ordem Mundial dos anos 1990 à conjuntura atual, as correlações de força já não são mais as mesmas.

Não podemos explicar a crise europeia sem considerar esta virada no mundo. A União Europeia quer alinhar o mercado de trabalho europeu ao mundial. No entanto, é na Europa que a crise pode assumir formas de colapso devido, no fundo, à sua própria posição de fraqueza na competição global. A Alemanha permanece como um dos principais países exportadores: 47% do seu Produto Interno Bruto (PIB), contra 17% do Japão e 15% da China; mas isso também é refletido pela contração do mercado mundial. Então, com o objetivo de responder à competição global, a burguesia europeia quer liquidar o que permanece do “modelo social europeu”. Ainda há muito de social que é necessário ser desmantelado, de acordo com a perspectiva das classes dominantes. Essa é a explicação para o ataque especulativo dos mercados europeus – o “mercado” (que corresponde a uma realidade material: banqueiros, administradores de fundos de pensão, líderes de multinacionais…) demanda um crescimento na taxa de valores excedentes por meio de redução de salários, liquidação da previdência social e crescimento da carga horária de trabalho. Daí a brutalidade das políticas de austeridade – para se adaptar à força de trabalho do mercado de trabalho global impulsionada pelas potências emergentes – que envolve uma queda no poder de compra entre 10 e 15 pontos nos próximos anos.

Além disso, – e é justamente o que dá um caráter agudo e explosivo à crise – o tipo de construção política que a Europa experimentou tem contribuído para o problema: com as divergências ou trajetórias conflitantes entre os vários polos da União Europeia (Alemanha e o círculo alemão – Holanda, Áustria, Norte da Europa, periferia sul – e a França em algum lugar no meio). As relações entre França e Alemanha expressam a realidade econômica, política e institucional da Europa, mas sem um Estado europeu, sem direção, sem um plano de desenvolvimento ou respostas fundamentais à crise.

Portanto, esta mudança no mundo está levando a um declínio da Europa e está minando os fundamentos da democracia e as bases sociais e eleitorais dos principais partidos tradicionais. Essa conjuntura está criando as condições necessárias para o desenvolvimento de tendências autoritárias. Vemos isso nas relações entre a Troika e alguns países do sul da Europa, mas também em crises políticas nacionais, onde a extrema direita pode ser projetada para frente do palco político. Embora os interesses da burguesia globalizada não coincidam com os de uma opção “nacionalista protecionista” da extrema direita, pode se dar um “acidente político”, levando a extrema direita aos portões de poder.

2. Uma crise histórica do movimento de trabalhadores

2.1 O novo arranjo imperialista só pode ser entendido por meio das novas relações de força entre as classes dos centros imperialistas, marcadas por um enfraquecimento histórico do movimento tradicional de trabalhadores. Neste contexto, qual é a situação do movimento de trabalhadores da esquerda? Nós pensamos (e a Quarta Internacional não está sozinha nessa linha de raciocínio) que a profundidade da crise econômica pode conduzir a uma nova dinâmica de recomposição e reorganização dos movimentos sociais e da classe trabalhadora. Existem experiências como o Syriza e os Indignados, todavia, e mesmo assim, há uma lacuna entre a capacidade de erupção e a expressão política e orgânica desses movimentos: zero fortalecimento de sindicatos, de partidos reformistas, da esquerda radical, da esquerda revolucionária, nem mesmo o surgimento de novas organizações, com exceção do Podemos. Evidentemente, existem novas formas de organização, mas elas são muito instáveis para o momento que vivemos. Além disso, em retrospecto, é preciso dizer que, desde o início das crises capitalistas, nunca houve uma crise tão profunda e, simultaneamente, um movimento de trabalhadores tão fraco diante dela (com exceção das circunstâncias em que o movimento operário foi fisicamente liquidado pelo fascismo ou por ditaduras militares).

2.2 Muitos fatores influenciam negativamente a situação do movimento dos trabalhadores:

a) As contrarreformas liberais desde o final dos anos 1970 conduziram, em uma escala mundial, à reestruturação da força de trabalho, no sentido de aprofundar a individualização, a crescente precariedade, o enfraquecimento dos direitos coletivos e da organização sindical. A desindustrialização liquidou dezenas de grupos da classe trabalhadora. Isso sem mencionar o setor do trabalho “informal”. Trabalhadores do mercado formal representam mais de 60% da população ativa, mas a estrutura social não é a mesma de antes. Na China e outros países asiáticos, a industrialização levou a uma expansão sem precedentes do proletariado, mas a organização de movimentos independentes de trabalhadores está no início, e, neste momento, não há sincronização entre sindicatos, associações ou partidos na Europa, nos Estados Unidos e na Ásia… Há um recuo no Ocidente e apenas um frágil início no Oriente.

b) O balanço do século passado pesa fortemente na dificuldade de formação de uma consciência socialista revolucionária: em particular a influência do stalinismo no século XX, – que para milhões de pessoas é sinônimo de comunismo – no mesmo século que culminou na globalização capitalista neoliberal.

c) Os partidos e organizações sociais-democratas passaram por uma mutação liberal, ou melhor, neoliberal. Eles mantêm laços históricos com a social-democracia do passado. Eles estão alternando de forças governamentais e, por isso, devem se distinguir dos partidos da direita, levando em conta, as características nacionais, mas estão totalmente integrados ao gerenciamento da crise. Não há diferença entre a social-democracia e os líderes da direita europeia. Os processos de eleições primárias e as semelhanças com o Partido Democrata norte-americano caminham para esta direção. Esses partidos estão cada vez menos operários e cada vez mais burgueses. Quanto aos partidos pós-stalinistas, eles estão reduzidos ao sectarismo, como o PCP ou KKE; ou mesmo acabam similares aos partidos sociais-democratas: eles novamente podem resistir tentando uma política “anti-liberal” que envolve administrar a economia capitalista e suas instituições. Partidos como o PS na França estão se movendo tão à extrema direita que eles deixam um campo aberto para essas organizações, que podem desempenhar seu papel desde que não sejam obrigadas a ingressar diretamente no governo.

d) A combinação de enfraquecimento do movimento de trabalhadores com o embate de mais de três décadas a ataques neoliberais, mais as políticas das lideranças de esquerda, dão à burguesia margem de manobra para “administrar a crise” por meio do fortalecimento do mercado financeiro e do aprofundamento de ataques à classe trabalhadora, mesmo que, nos BRICS, tenha ocorrido uma melhora na condição material de milhões de pessoas. Para o capital, sempre há uma saída para a crise, mesmo que não seja por soluções da classe trabalhadora. O problema é que é cada vez mais terrível o custo social, ambiental e humano da “solução” do capital.


Notas
[1] Geopolitical chaos and its implications: introductory notes for collective thinking <https://www.internationalviewpoint.org/spip.php?article3669&gt;

[2] http://hussonet.free.fr/ncs14w.pdf.

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