Ciclone Ida escancara racismo ambiental
Nos últimos dias, a internet vem sendo tomada por relatos e imagens desesperadoras da costa sul da África, após a passagem do Ciclone Ida. As notícias falam em números, termos técnicos e idiossincrasias, pois os desastres ambientais ainda são tratados a partir de um ponto de vista estéril, acrítico: a natureza é o que é.
No entanto, os relatórios do Índice Global de Risco Climático apontam para a escalada da formação de ciclones nos últimos anos, relacionados às mudanças climáticas. Os silêncios dizem muito, e para além da supressão de termos como “clima” ou “aquecimento” nos canais de notícias, um silêncio ainda mais profundo paira sobre o assunto: são vidas de pessoas negras. E é aí que os números já não conseguem mais repactuar todo o sofrimento e a perda de vidas, pois fica evidente que não é uma questão tecnicista, é uma escolha. Ou melhor, um conjunto de escolhas dentro do capitalismo, que fazem sentido no sistema-mundo capitalista. Isso é racismo ambiental.
No quadro das contradições sócio-ambientais, existem regiões infinitamente mais vulneráveis, e são essas mesmas as regiões mais pobres, as produtoras de commodities primárias, as que menos apresentam impactos e as que mais são impactadas pelas mudanças climáticas produzidas pelo nosso sistema de produção e de circulação. Essa divisão geo-política tem um forte fator racial, construído historicamente pelos processos de colonização, coerção e controle de recursos naturais mobilizados em torno de alimentar uma máquina produtiva e financeira que beneficia apenas um grupo seleto de países. O racismo ambiental é uma das faces desse modelo decadente e assassino, que no atual momento de crise, manifesta um acirramento das suas contradições.
A crise do modelo é paga com a vida e os recursos ambientais das pessoas negras, pobres, indígenas, e camponesas. A mesma estrutura que empurra para Moçambique, Zimbábue e Malaui a conta das mudanças climáticas, é a mesma que coloca pessoas negras nas periferias das cidades, e acha normal que essas pessoas enfrentem deslizamentos, falta de saneamento e enchentes. No capitalismo, a população não-branca é que encara toda sorte de conflito sócio-ambiental, enquanto a prioridade é manter uma máquina insaciável funcionando de forma a gerar mais e mais lucros para uma minoria muito diminuta.
Prestamos nosso pesar e solidariedade à população das regiões afetadas, e afirmamos nosso compromisso com uma sociedade da valorização da vida, da preservação do meio-ambiente, do fim das desigualdades e do bem viver.
por Fernanda Novaes
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