Fortalecer o SUS e garantir direitos fundamentais: Fora Bolsonaro!
Frente à grave crise sanitária enfrentada pelo país com a pandemia do novo coronavírus e à forte turbulência na situação política, o Subverta – Coletivo Ecossocialista e Libertário apresenta as nossas perspectivas para o momento como forma de contribuir para o debate em curso no PSOL e na sociedade brasileira.
Em nota lançada em agosto passado, já tínhamos mensurado a grave ameaça que o bolsonarismo representa. Afirmávamos:
“não podemos ter dúvida: diante das violências e potências altamente destrutivas para os direitos dos povos, da natureza e dos socialistas, se houver a oportunidade de interromper esse governo, ela deve ser abraçada. Independente das incertezas que se abram, a interrupção do governo é uma derrota gigantesca para o bolsonarismo e um passo importante para o seu esmagamento.”
Sabíamos, no entanto, que para a realização desse objetivo não bastaria o nosso desejo, seriam necessários importantes deslocamentos de força, seja no campo das classes dominantes, seja no campo das classes subalternizadas. Sabíamos que:
“No fundamental, seguimos em um momento defensivo, com uma unidade das classes dominantes em torno de um projeto de desmonte das políticas públicas e dos direitos sociais, combinando privatizações e benesses para o capital. Ao mesmo tempo, a capacidade mobilizatória da oposição de esquerda ainda se encontra muito aquém da necessária para forçar deslocamentos na correlação de forças.”
Expusemos essa situação mostrando que já se iniciavam as fissuras e mesmo divisões no bloco de poder bolsonarista e que “cada vez mais, a guerra de facções no interior do Estado vai assumindo contornos de guerra de instituições”. Esse processo se intensificou e foi possível ver o aumento do isolamento do núcleo bolsonarista frente a um conjunto de setores que o haviam apoiado ou mantido uma neutralidade cúmplice em relação a ele. Contraditoriamente, o deslocamento de parcela da classe dominante, grande sustentáculo do governo, foi combinado a um apoio irrestrito às medidas econômicas em curso. Ou seja, o enfrentamento era mediado e em certa medida atenuado, em vista do avanço na política de retirada de direitos – como a reforma da previdência -, da lógica privatista – concessão dos aeroportos, venda da Embraer e também de ativos das subsidiárias da Petrobras – e também da ampliação da subserviência aos EUA. Dessa forma, a imposição da agenda ultraliberal funcionava como contrapeso na relação com as elites econômicas do país.
A chegada do coronavírus no Brasil é um ponto de virada – é um acontecimento de alcance histórico mundial, de larga duração e tem um impacto social, econômico e político que pode revirar o tabuleiro das lutas de classes no mundo e no Brasil. Um acontecimento dessa magnitude têm efeitos imediatos na orientação política a ser adotada e nas medidas de solidariedade e ajuda mútua entre a nossa classe que precisam ser tomadas.
A forma como Bolsonaro reagiu à pandemia desmoralizou sua capacidade de lidar com o problema. No fundo ele sabia que reconhecer a gravidade da crise e tomar as medidas que ela demanda de forma urgente seria negar a essência e os fundamentos do bolsonarismo e de seu governo. A teoria da conspiração e a mentira, buscando apontar responsabilidade chinesa sobre a epidemia, a negação das evidências científicas, rompendo o isolamento, mesmo podendo estar contaminado, e a apresentação de uma agenda econômica que aprofunda o ajuste ultraliberal colocaram Bolsonaro na contramão dos anseios das maiorias sociais, do pensamento científico e das demandas sanitárias. Na contramão do que é realizado no restante do mundo, Bolsonaro e Paulo Guedes insistem em não recuar um centímetro na política econômica. Seguem com um chamado fundamentalismo de mercado, que consiste em manter as metas fiscais baseadas na austeridade neoliberal acima das garantias mínimas nas condições de vida e trabalho para a população trabalhadora.
Somada a tudo isso, a guerra comercial pelo controle do mercado de petróleo entre Rússia e Arábia Saudita escalou rapidamente no começo de março, levando a uma queda acelerada do preço do barril. No Brasil, os efeitos econômicos foram catastróficos, a cotação da Ibovespa caiu 40% em menos de um mês, o real foi uma das moedas que mais se desvalorizou frente ao dólar, ultrapassando a marca dos cinco reais, as previsões do PIB despencaram. Se os resultados de 2019 já decepcionaram o mercado, os de 2020 indicam um cenário de recessão. A última previsão do Itaú Unibanco já chegou à perda de 0,7% do PIB no ano. Segundo o Centro de Macroeconomia Aplicada da Fundação Getúlio Vargas (FGV), a perda pode ser muito maior, chegando a 4,4% de retração do PIB. A crise sanitária e social colocada tendem a se agravar com o aumento dos preços no mercado e enfraquecimento das empresas estatais, o índice de desemprego que já se estabilizou nos 11% tende a voltar a subir com o fechamento dos pequenos negócios e com a fuga de capitais do país, aqueles que não conseguirem voltar para o mercado serão forçados a aceitar as condições impostas pela “uberização” e pelo mercado informal, que já representa 41,1% do total do trabalho realizado no Brasil, ou serão jogados na extrema miséria.
A resultante do encontro dessas três variáveis, quais sejam a gravidade da pandemia, o cenário econômico desfavorável e a incapacidade do bolsonarismo de lidar com elas, instituiu uma nova situação política e a tendência para uma nova correlação de forças. A crise irá se agravar e a face grotesca do bolsonarismo, sua inépcia completa, vai se tornar cada vez mais evidente para todos, num cenário no qual o resultado desse encontro tenebroso serão centenas ou milhares de mortes e um recuo econômico nunca antes registrado na Nova República, aprofundando nossa desigualdade e lançando milhares de pessoas no completo desespero.
O aspecto principal que pode construir uma audiência política e uma nova coesão social em torno de uma perspectiva democrática, popular, solidária, diversa e anticapitalista diz respeito à capacidade de a esquerda priorizar a defesa dos direitos e das garantias do povo, especialmente dos mais vulneráveis, dos idosos aos povos indígenas, dos encarcerados às trabalhadoras domésticas, dos trabalhadores informais aos usuários do SUS, enfim, todas e todos que serão atingidos de forma brutal pelos efeitos da pandemia. Essa deve ser a nossa agenda prioritária no momento: diminuir o sofrimento do povo na construção de políticas públicas efetivas que giram em torno do fortalecimento do SUS, mas que não se resumem a isso, que envolvam o SUAS, a anulação do corte de gastos do governo e um conjunto de medidas que já expressamos de forma mais detalhada no documento “10 soluções para uma saída popular para a crise”. Acrescentaríamos, com ênfase, a enorme situação de risco imposta aos povos indígenas e tradicionais e a busca de medidas efetivas para impedir o aprofundamento do genocídio contra esses povos.
É necessário que se decrete uma Quarentena Nacional Cidadã, que retribua ao DEVER de todos se isolarem, a GARANTIA de DIREITOS fundamentais, especialmente sanitários, de abrigo digno, salariais e alimentares. Que o Decreto de Calamidade seja usado para viabilizar os recursos necessários para garantir direitos fundamentais a todos. Deve-se criar os mecanismos legais para que os mais ricos paguem as contas, especialmente o setor bancário e financeiro. A quarentena deve ser um chamado cívico contra o coronavíruas, um ação democrática nacional. Nada que se assemelhe ao estado de defesa ou de sítio, nada que se fundamente na repressão e no silenciamento das dores e demandas do povo.
O fortalecimento dessa agenda leva não apenas ao enfraquecimento do bolsonarismo, ela pode também representar uma forte reação ao ultraliberalismo que dominou o Estado brasileiro nos últimos 5 anos, tendo como timoneiros da economia nacional Joaquim Levy, Henrique Meirelles e agora Paulo Guedes. Ele tem, portanto, centralidade estratégica para além de todo o caráter de urgência e imediaticidade que a crise nos impõe.
O desenvolvimento dessa agenda nas próximas semanas é o que pode permitir um deslocamento verdadeiro na correlação de forças conforme a crise se aprofunde. A derrota do bolsonarismo e do ultraliberalismo será fruto disso e não o contrário.
Desde já devemos levantar a consigna “FORA BOLSONARO, por proteção sanitária contra o COVID-19” e colaborar para o mais amplo fortalecimento desse desejo de derrubada do neofascismo. Nesse aspecto, devemos apostar também numa derrota do bolsonarismo a partir da mobilização dos de baixo, lidando criativamente com as restrições de manifestação de rua, catalisando uma perspectiva popular para sair dessa crise. Neste momento, não devemos nos confundir com as classes dominantes, que já iniciam um movimento de derrubada palaciana de Bolsonaro para manter a predominância ultraliberal, sem o estorvo que Bolsonaro vai cada vez mais representar para eles. Tal como já afirmamos em agosto:
“Um elemento essencial nessa estratégia é a defesa intransigente da participação popular na construção de saídas a este governo. Que o povo decida! Seja por meio de diretas, seja através da massificação das manifestações que peçam a deposição do governo. É necessário tirar a lição dos períodos anteriores que nenhum processo democrático pode ser construído apenas com articulações parlamentares e institucionais.”
A construção de um pedido de impeachment que aponta para a derrubada de Bolsonaro em uma perspectiva popular deve partir de uma construção ampla com os movimentos sociais, com as instituições da sociedade civil e com os partidos de esquerda. Não pode ser apenas uma corrida oportunista por protagonismo, como fica evidente no movimento unilateral tomado pelo MES, que não teve sequer a capacidade de construir em conjunto com os 70% restantes da bancada do PSOL. Esse movimento esvazia a possibilidade de prosseguimento da liderança de bancada pela companheira Fernanda Melchionna, que havia sido escolhida por consenso, mostrando justamente a disposição para o trabalho comum e a construção coletiva por parte da bancada.
O Subverta compreende a dinâmica das relações das forças sociais como uma situação ainda em aberto no tabuleiro da luta de classes brasileira, em conjunto com diversas organizações do PSOL e também no interior do amplo espectro da esquerda no país que já aderiu ao “Fora Bolsonaro”. Apostamos na hipótese de que o aprofundamento da crise, confrontado pela mais completa incapacidade de lidar com ela por parte do governo, pode fazer com que emerja um amplo anseio popular, inclusive com força institucional, para retirar Bolsonaro e construir condições para uma saída na qual o povo decida sobre os rumos da democracia no Brasil.
Devemos estar atentos também para o tamanho da crise a que a derrubada do Bolsonaro pode levar, tanto no que diz respeito a um processo de mobilização violenta dos setores fascistas e milicianos, quanto no que se refere ao que as Forças Armadas farão. É necessário que a esquerda e os setores democráticos fiquem atentos e fortes a qualquer tentativa de fechamento de regime sob a justificativa da COVID-19, como vem circulando a ideia de decretar Estado de Sítio, fechando legislativo e judiciário, por parte de Bolsonaro, e que foi prontamente repudiada pela OAB e outras instituições.
Portanto, a busca por acúmulo de forças sociais não é uma tese abstrata, é uma necessidade, inclusive para a nossa sobrevivência, diante dos cenários mais dramáticos que podem se abrir. Só venceremos se construirmos laços de solidariedade e confiança com as classes subalternizadas. Nossas ações políticas devem se orientar para isso, a viabilização da derrubada do Bolsonaro passa por isso.
Nosso objetivo não se encerra somente na derrubada do líder neo-fascista, mas em construir maioria social para eliminar o fascismo que se alastrou pelo país, com enraizamento nas camadas médias e populares, a partir do movimento bolsonarista.
É preciso também começarmos a tirar as lições desse processo. Assim como muitas outras epidemias, diversas evidências científicas demonstram que há uma intrínseca relação entre o modelo de desenvolvimento destrutivo da natureza que o capitalismo empreende, especialmente na destruição de florestas e habitats naturais, com o surgimento deste novo Coronavírus. A sua proliferação própria prolifera provavelmente está ligada à indústria do consumo de carne silvestre. E são várias as demonstrações de como as medidas de suspensão da produção e circulação para contenção da expansão do vírus tem ajudado na recuperação de mares e rios, despoluição de mananciais e circuitos de ar. Tudo isso ajuda na reflexão sobre o principal desafio humanitário que temos hoje: enfrentar a emergência climática e a destruição da natureza causada pelo capitalismo.
É central destacar que a crise atual é aspecto da crise ecológica global, que ressalta que o Sistema Terra é um todo integrado. Isso deve duplicar a aposta no internacionalismo, ao contrário de se deslocar para qualquer perspectiva chauvinista ou xenófoba. Os aprendizados acumulados em cada país devem servir para o bem comum. Só união dos preteridos e subalternizados pode tirar das mãos dos ricos e poderosos a capacidade de fazer de nossas vidas um inferno, a começar pela garantia de acesso a uma saúde pública de qualidade. O Sistema de Saúde estadunidense é o exemplo do sistema de saúde capitalista a não ser seguido, cada um por si e o mercado contra todos que não o remunerem.
Nesse momento de crise humanitária nós, que optamos pela valorização de toda forma de vida em detrimento do lucro, devemos concentrar esforço em criar e fortalecer as diversas redes de solidariedade que estão surgindo, apostando na coletividade e no apoio mútuo, na autogestão, na cooperação comunitária para superarmos toda a doença e a miséria que virão. Portanto nós do Subverta reforçamos o chamado para que as organizações de base, movimentos estudantis, sindicatos, associações de bairro, núcleos do PSOL, montem e participem de redes de solidariedade comunitárias para resistir a COVID-19. É dessa integração e solidariedade gratuita e afetuosa que pode surgir um novo momento histórico para as forças populares. É com união dos debaixo que construiremos uma alternativa à doença e a morte que a extrema-direita ultraliberal nos empurrou.
Precisamos saber chorar e sofrer as dores do nosso povo, girar todos os esforços para mitigá-las e dialogar com os anseios de melhores momentos, de vida melhor. É preciso construir com as classes subalternizadas, a partir de suas gigantescas e diversas demandas, em um país tão desigual, não apenas a derrubada de Bolsonaro, mas a derrota do fascismo em seu conjunto, esmagando-o, e apresentar um horizonte alternativo à ilusão ultraliberal, que revele a inviabilidade do capitalismo na virada do milênio e se inspire na perspectiva do ecossocialismo como a alternativa possível para uma vida digna em um planeta saudável.
COORDENAÇÃO NACIONAL DO SUBVERTA – COLETIVO ECOSSOCIALISTA
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