Sucateamento da Educação e Ciência no Brasil
A política obscurantista de Bolsonaro de sucateamento da educação e da ciência aprofundam ainda mais a crise financeira e sanitária que nos encontramos. É preciso romper com os interesses do capital e lutar por uma educação e uma ciência públicas, livres, feitas pelo povo e para o povo.
Não é novidade nem causa nenhuma surpresa afirmar que a ciência brasileira sempre foi subvalorizada. Um breve período de valorização, ainda insuficiente, em governos de esquerda moderada, não foi o bastante para suplantar longos períodos de descaso e muito menos romper com a agenda neoliberal que se impõe nas áreas de educação, ciência e tecnologia há décadas. Agora, o governo Bolsonaro parece estar disposto a implementar sua política obscurantista a qualquer custo, com um projeto de sucateamento de tudo que é público afim de tornar a universidade, a ciência e a pesquisa subservientes aos interesses do capital financeiro.
A Emenda Constitucional 95, conhecida como EC do teto de gastos, sancionada em 2016 ainda no governo Temer, foi o prelúdio dos tempos sombrios que estavam por vir. A EC instituiu um novo regime fiscal e congelou o aumento dos investimentos públicos – especialmente nos serviços de natureza social como saúde e educação – durante um período de 20 anos. O investimento estaria limitado aos valores do ano anterior corrigidos pela inflação. Deste modo, a EC 95 reduz os investimentos sociais
per capita e em relação ao PIB, além de gerar uma disputa orçamentária entre os dois grandes blocos de despesas primárias – despesas de custeio e despesas com investimentos, como foi apontado por Grazielle David em um texto publicado no Outras Palavras em 19 de julho de 2018². Grazielle ressalta a dificuldade no corte com as despesas com serviços públicos, uma vez que são, em sua maioria, obrigatórios, o que resulta necessariamente em cortes nos investimentos em políticas sociais. Isto já é uma realidade, como mostra o governo Bolsonaro. Já no primeiro semestre de seu governo,
Bolsonaro demonstrou que a educação seria a área mais afetada: os cortes de R$ 5,84 bilhões nas pastas da área corresponderam a 18,81% dos cortes realizados em 28 áreas². O orçamento do Ministério da Educação (MEC) para o ano de 2020 sofreu um corte de 54% se comparado à proposta para este ano³.
Os cortes atingem todos os níveis educacionais, desde a educação básica até o ensino superior, incluindo o desenvolvimento de pesquisas científicas. Nestes últimos setores, a desvalorização do salário do pesquisador (as chamadas “bolsas”) ao longo dos anos (figura 1), os sucessivos cortes no número de bolsas concedidas (apenas no primeiro ano do governo Bolsonaro foram quase 12 mil bolsas perdidas!) e no orçamento destinado ao financiamento de projetos, e o ataque a áreas específicas do campo do conhecimento, especialmente àquelas relacionadas às ciências humanas (por serem justamente as áreas que permitem a formação de um cidadão crítico), tem sido tema central nas denúncias das políticas de sucateamento. Mais recentemente,o projeto de lei conhecido como “Future-se”, proposto em julho de 2019 de forma autoritária e sem discussão com a comunidade acadêmica, representou o maior ataque recente à autonomia de gestão financeira e à produção de conhecimento. Sob o pretexto enganoso da governança, empreendedorismo e inovação, o projeto intentou colocar toda a estrutura universitária em uma busca ampla por recursos humanos e financeiros, à mercê das vontades e mandos do setor privado. Diante da baixa adesão das Universidades e da impossibilidade de aprovação de tal projeto de lei (pelos mais diversos motivos, incluindo a debilidade do próprio projeto), o governo passou então a usar a chantagem e o estrangulamento orçamentário como ferramentas de coerção. A recente medida de corte de bolsas adotada pela CAPES através da Portaria nº 34, cuja redação indica a possibilidade de redução significativa (estimada em torno de 15 a 20%) de bolsas de mestrado e doutorado em todos os programas de pós-graduação,e o novo estabelecimento – com critérios colocados de modo insuficientemente claro – de áreas prioritárias para financiamento, representado pela Portaria nº 1122 do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), são passos largos em direção a esse futuro que o governo Bolsonaro quer construir para a pesquisa e a ciência brasileiras. Faz-se necessário, portanto, ressaltar que as universidades públicas são responsáveis por mais de 95% da produção científica nacional4, que desempenha um papel fundamental no desenvolvimento de tecnologias e de políticas sócio-econômicas.

Mas nem só de supressão financeira vive a política de Bolsonaro. A depreciação e a construção de uma imagem negativa da ciência é parte fundamental das políticas dos grupos de direita e extrema-direita. A proliferação de notícias falsas nas mídias sociais (muitas das quais disparadas por grupos diretamente vinculados ao governo), o crescente número de adeptos de teorias conspiratórias e sem qualquer embasamento científico (como as teorias da Terra plana, do negacionismo climático e os movimentos anti-vacina) e o discurso de ódio voltado para estudantes, pesquisadores e professores encontram respaldo nas figuras do governo Bolsonaro. Se engana quem acredita que tais movimentações não afetam o desenvolvimento da ciência. A descrença do povo brasileiro em relação à ciência tem crescido (em 2015, 54% da população reconhecia a importância da ciência e os benefícios que ela traz para o desenvolvimento econômico e social, contra 31% em 2019) e hoje a população considera os cientistas menos confiáveis que líderes religiosos (a proporção de pessoas que vêem malefícios na ciência saltou de 19% em 2015 para 42% em 2019 e apenas 12% classificaram os cientistas como fonte confiável de informação)5. O efeito devastador de tais políticas ainda é incalculável. É preciso recriar os vínculos entre a sociedade e a academia, reconhecer que vem das universidades públicas o desenvolvimento científico e tecnológico que nos permite desenvolver novos medicamentos e vacinas, compreender fenômenos naturais para que se possa combater o risco de desastres a eles relacionados, entender as dinâmicas dos ecossistemas para que possamos garantir o estado de bem estar social em equilíbrio com o meio ambiente, compreender, através das ciências humanas, os rumos da nossa sociedade. É urgente combater, de forma contundente, as políticas e o programa de ensino neoliberais, que visam a sujeição da educação aos interesses do capital, a formação de mão de obra minimamente qualificada e barata, a alienação do trabalhador e a manutenção da exploração na sociedade de classes.
Ressaltamos que a atual pandemia desencadeada pelo Covid-19 torna a situação dos pesquisadores brasileiros ainda mais crítica. Os pós-graduandos, que somam hoje quase 120 mil pesquisadores, sustentam-se – quando remunerados – com um salário significativamente defasado e sem garantias trabalhistas como férias remuneradas e 13º salário, embora estejam vinculados à universidade com um contrato de dedicação exclusiva, ainda que não configure vínculo trabalhista. Dependem da infraestrutura universitária para garantia de direitos básicos como acesso à saúde e alimentação, por meio dos hospitais e restaurantes universitários que hoje se encontram comprometidos ou inacessíveis neste contexto de crise sanitária. Vivem, portanto, um cenário de incertezas e sob constante ameaça, sem a devida seguridade social a que todo cidadão tem direito.
Por todo o exposto, consideramos que os pós-graduandos compõem o grupo de vulnerabilidade social e, frente a esta crise, apresentamos as seguintes demandas:
- Revogação imediata do teto de gastos imposto pela EC 95;
- Recomposição dos orçamentos integrais das agências de fomento CAPES e CNPq;
- Garantia de crescente e equânime distribuição de recursos entre as distintas áreas de conhecimento;
- Recomposição de bolsas de pós-graduação cortadas até o presente momento;
- Reajuste contínuo e gradual das bolsas de estudo de graduação e pós-graduação;
- Garantia do direito ao afastamento das atividades, durante o período de isolamento devido ao Covid-19, com o devido reajuste de prazos;
- Pagamento de vale-alimentação aos estudantes visando garantir acesso à alimentação básica sem comprometimento orçamentário dos mesmos;
- Passe livre estudantil e para pesquisadores da pós-graduação;
- Inclusão de pesquisadores e pós-graduandos que se encontram sem bolsa ou financiamento no grupo beneficiário do auxílio emergencial de 3 meses;
- Valorização do Sistema Único de Saúde (SUS) e garantia de saúde pública, gratuita e de qualidade para toda a população.
Por fim, salientamos que não queremos aqui cair nas armadilhas do tecnicismo. Reconhecemos a importância dos saberes populares e originários, da conciliação entre os diferentes tipos de conhecimento e experiências sociais. Defendemos uma educação e uma ciência públicas, de qualidade, feitas pelo povo e para o povo.
Referências
1 Grazielle David, 2018. “Porque revogar a Emenda Constitucional 95”. Outras Palavras. https://outraspalavras.net/sem-categoria/por-que-revogar-a-emenda-constitucional-95-2/
2 https://www.redebrasilatual.com.br/educacao/2019/07/educacao-e-a-area-mais-afetada-peloscortes-de-orcamento-por-bolsonaro/ https://g1.globo.com/educacao/noticia/2019/05/15/entenda-o-corte-de-verba-das-universidadesfederais-e-saiba-como-sao-os-orcamentos-das-10-maiores.ghtml
3 https://g1.globo.com/educacao/noticia/2019/09/13/orcamento-do-governo-federal-preve-cortespara-educacao-basica-em-2020.ghtml
4 De acordo com pesquisa realizada pela Clarivate Analytics publicada pela CAPES.
5 Estudo do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações elaborado pelo Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE).
https://exame.abril.com.br/brasil/brasileiros-consideram-lideres-religiosos-mais-confiaveis-quecientistas/
https://www.hypeness.com.br/2019/07/brasileiros-confiam-mais-em-lideres-religiosos-do-queem-cientistas/
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