Saúde Mental para além do Setembro Amarelo

Aviso de gatilho: menção a suicídio
Saúde mental e suicídio, para além do Setembro Amarelo
Segundo a Organização Pan Americana da Saúde (OPAS) e a Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de 800 mil pessoas morrem por suicídio todos os anos. Isso evidencia o quanto o suicídio, e os transtornos mentais de modo geral, são um problema de saúde pública que precisa nos fazer pensar sobre a sociedade em que estamos inseridos. As alternativas atuais de enfrentamento do suicídio envolvem a construção da campanha do Setembro Amarelo, mais especificamente do dia 10 de setembro como dia de prevenção ao suicídio, a fim de reduzir e diminuir os casos. No entanto, a campanha no Brasil desconsidera não apenas o financiamento atual da saúde pública, como também o próprio desmonte planejado do SUS e dos programas de atenção psicossociais. Que Bolsonaro é inimigo da população, não é novidade, mas o desmantelamento do sistema de saúde não surgiu com o atual governo. Em 2016, o governo Temer alterou a Política Nacional de Atenção Básica (PNAB), retirando a obrigatoriedade da presença de Agentes Comunitários de Saúde na equipe multiprofissional das Estratégias de Saúde da Família, dificultando o rastreio e a prevenção do suicídio, e de outras questões de saúde pública. Naquele mesmo ano, foi aprovada a EC do Teto de Gastos, que limita os investimentos públicos e vai retirar cerca de R$ 400 bilhões do orçamento da saúde até 2036. Já em 2017, o Brasil retrocedeu quase 27 anos em discussão sobre saúde mental e aprovou uma nova política de saúde mental, que, na prática, significa o aumento do financiamentos de hospitais psiquiátricos, reduzindo as outras estratégias, como os CAPS (Centros de Atendimento Psicossocial) e os CAPS-AD (Centros de Atendimento Psicossocial focados em Álcool e Drogas). Não à toa, em 2018, o ainda presidente Michel Temer alegou falta de cadastramento para cortar R$ 78 milhões de reais, ameaçando a Reforma Psiquiátrica e a Rede de Atenção Psicossocial. O cúmulo vem em 2019, quando Bolsonaro tornou a hospitalização em manicômios central na política de atenção à saúde mental, incentivando o uso da eletroconvulsoterapia (ECT) em larga escala, uma medida retrógrada e com poucas evidências científicas, já que só é recomendada em casos bem específicos de depressão grave.O fenômeno do suicídio, portanto, não pode ser entendido sem considerar a conjuntura posta, e o sistema econômico em que estamos inseridos: o capitalismo. Não é uma formulação nova relacionar altos índices de suicídio aos cada vez maiores índices de miséria e desemprego. Como Marx explica, em seu livro “Sobre o suicídio”, “Embora a miséria seja a maior causa do suicídio, encontramo-lo em todas as classes, tanto entre os ricos ociosos como entre os artistas e os políticos. A diversidade das suas causas parece escapar à censura uniforme e insensível dos moralistas. (…) está na natureza de nossa sociedade gerar muitos suicídios (…)”. É bem verdade que nem a miséria nem a exploração são atuais, no entanto, com a pandemia do novo coronavírus, estamos vivendo a crise que é a soma de todas as crises: social, econômica, sanitária e ambiental que refletem diretamente na saúde mental e física de cada um e de toda a sociedade.Além disso, é fundamental lembrar que o capitalismo não é apenas um sistema que explora o povo, o que por si só já é o suficiente para que os índices de suicídio sejam maiores, correlacionados à miséria e ao desemprego, mas também é um sistema cujos pilares são a opressão racista, misógina, capacitista e lgbtfóbica. Não à toa, o mesmo relatório aponta a prevalência em grupos já marginalizados. Quando os corpos indesejados pelo capitalismo morrem por suicídio, não é coincidência, muito menos uma individualidade: é resultado de uma ação sistêmica de exclusão e opressão. Quando o suicídio é uma das principais causas de morte entre travestis e pessoas trans, não é uma coincidência. É necessário compreender como todas as políticas de saúde mental da conjuntura atual apenas visam dificultar ainda mais o acesso de pessoas já extremamente vulneráveis.Nesse sentido, a luta para prevenção do suicídio e do adoecimento mental passa, necessariamente, pela luta contra a desigualdade social e todas as formas de exploração e de opressão. E, em um país em que 75% da população depende exclusivamente dos serviços de saúde pública, onde a maioria das populações em vulnerabilidade social busca auxílio em saúde mental, é necessário compreender que uma boa política nacional de saúde mental e prevenção do suicídio não se dá apenas promovendo uma campanha publicitária num único mês do ano. Setembro não consegue abranger, nem ao menos se propõe a isso, as classes e as populações mais vulneráveis. Além disso, se a campanha do Setembro Amarelo não discute o subfinanciamento do SUS e o seu sucateamento, ela se restringe às classes mais abastadas que têm acesso aos bens e serviços de saúde. Temos que defender um acesso universal a rede de atenção psicossocial, portanto, é imprescindível a nossa luta em defesa do SUS. É necessário radicalizar a saúde e suas formas de incidir sobre a realidade!
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