Em defesa de uma Política de Saúde Mental antimanicomial

Nos últimos dias foi veiculada a possibilidade do governo Bolsonaro revogar uma série de portarias ministeriais que regulamentam e dão sustentação à Política Nacional de Saúde Mental, tendo como base um documento produzido e assinado pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) e por outras entidades médicas. Essas revogações colocam em risco o funcionamento dos CAPS voltados a usuários de álcool e outras drogas, os Consultórios de Rua e toda a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) no SUS.
É na RAPS que se encontram os serviços que sustentam a política de Saúde Mental do país, como os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), os Centros de Convivência e Cultura, os Serviços Residenciais Terapêuticos (SRT), Unidade de Acolhimento (UAs), e os leitos psiquiátricos em hospitais gerais. Assim, atacar a RAPS, – que nunca foi implementada em sua plenitude, já que o subfinanciamento crônico do SUS, que perdurou mesmo durante os governos progressistas, impediu o avanço na disponibilidade e no acesso aos serviços de saúde mental – bem como ameaçar a sua extinção é um retrocesso imenso na saúde mental brasileira, é levar o país de volta à realidade dos anos 1980, antes da Reforma Psiquiátrica.
O processo da Reforma Psiquiátrica Brasileira está ligado diretamente à luta de trabalhadores da saúde mental, dos pacientes atendidos nos manicômios e dos seus familiares. Esse conjunto de atores sociais denunciaram a violência dos manicômios, a mercantilização da loucura, as péssimas condições de trabalho e o modelo de assistência em saúde centrado na figura do manicômio. Todo esse movimento resultou na promulgação da Lei 10.216/2001, que garantiu os direitos das pessoas em sofrimento psíquico. A partir dessa lei que foi instituída a Política de Saúde Mental já mencionada. É nesse momento que a pessoa em sofrimento psíquico começou a ser entendida como um sujeito de direitos e protagonista do próprio tratamento.
Diferente do que querem fazer pensar as entidades médicas e o Ministério da Saúde, o debate sobre o modelo de Saúde Mental a ser adotado no país não é um debate estritamente técnico, é justamente o contrário. O modo como uma sociedade lida com seus “loucos” e como os trata é uma decisão política baseada na ideologia dominante, que é a da classe dominante. Ou seja, defender a centralidade do cuidado em saúde mental nos manicômios e ser contrário às estratégias de cuidado que buscam a reinserção na vida social é mais uma decisão política do que técnica. As evidências científicas demonstram que o manicômio produz mais doença do que saúde.
Vale ressaltar que entre as pautas trazidas pelo movimento da luta antimanicomial e as que foram realmente implementadas há uma distância enorme. Desta forma, precisamos não só defender a atual política de saúde mental, mas aprofundá-la e avançar no entendimento de que não há como tratar sujeitos em sofrimento psíquico excluindo-os da vivência em sociedade e hipermedicalizando se é justamente a estrutura capitalista da nossa sociedade a produtora dos transtornos psíquicos.
Loucura não se prende, por uma sociedade sem manicômios!
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