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5 notas genéricas sobre tática e estratégia

Por Carlos Bittencourt

Estratégia e tática são uma alavanca para mover a história. A emancipação humana não se dá a partir do tempo-espaço vazio. Ao contrário, como a flor no asfalto, emerge no seio da barbárie capitalista. Tática e estratégia são uma corda atada entre as dores da exploração e da opressão, que são aspectos centrais de identidade das classes subalternizadas, e as revoluções, que podem nos conduzir à utopia da emancipação plena. “Passar dos sonhos às coisas”, como diria Mariátegui.

Nota 1 – Tática e estratégia são aspectos diferentes de uma mesma unidade, são um centauro.  Não se separam nem no tempo, nem no espaço. Tampouco podem ser separadas desde um ponto de vista lógico. Toda tática expressa uma estratégia, mesmo que inconsciente. Toda estratégia depende de uma tática. 

É muito comum a afirmação: “isso é um movimento/uma escolha meramente tática”. Ou, “isso é um debate estratégico, não podemos contaminá-lo com aspectos táticos”. São duas faces de um mesmo erro. Tática é a arte de se movimentar na escala do terreno, estratégia a arte de se movimentar na escala do mapa. O movimento, no entanto, é o mesmo e o sujeito do movimento é o mesmo! Estratégia é um sentido, tática é uma direção. Não pode haver antagonismo entre eles.

Se a estratégia mira o Norte, a tática pode se orientar à Oeste ou à Leste para contornar o inimigo, um acidente geográfico, ou mesmo desorientar quem a monitora, mas, dificilmente, terá muita valia marchar para o Sul. Então, mesmo quando se direciona ao Noroeste ou ao Nordeste, não se perde o sentido estratégico de chegar ao Norte. 

Nota 2 – A relação com a guerra não é meramente metafórica. Se consideramos válidas as teses de História de Walter Benjamin, vemos na história da humanidade um cortejo fúnebre dos vencedores sobre os corpos dos vencidos acumulados pelo caminho. Que mesmo a mais luminosa obra da civilização tem a barbárie encravada em seu coração. Uma paz permanente, segura e estável é um sonho distante. A conclusão do general Clausewitz de que  guerra é a realização da política por outros meios, também pode ler a política como a realização da guerra por outros meios.

Seria de uma ingenuidade mineral acreditar que os enormes e crescentes orçamentos militares, públicos e privados, são para garantir a paz, portanto, até na política, a não consideração do aspecto bélico, mesmo que em sua forma estritamente defensiva, é uma rendição prévia aos termos do inimigo. 

O fato dos escritos de Gramsci, que traz uma forte marca desse debate, terem sido escritos nas prisões do fascismo é relevante. Gramsci foi um dos que mais usou desses “centauros maquiavélicos” para formular uma ciência política da revolução. Guerra de Posição e Guerra de Movimento estão entre essas expressões tático-estratégicas que derivam das condições da “guerra” que se trava. A guerra de movimento, mais recomendada para sociedades “Orientais”, com estado e sociedade civil mais apartadas, possibilitando que um assalto ao poder central o usurpe das mãos da classe dominante. A guerra de posição, de trincheiras, relativa às sociedades ocidentais, na qual Estado e sociedade civil se encontram mais amalgamados e é preciso ir avançando de trincheira em trincheira na busca de um cerco, resultando numa hegemonia mais sustentada do que aquelas geradas pelo “assalto ao poder” da guerra de movimento. A Tática/estratégia é sempre, portanto, condicionada ao terreno e contra quem se luta.

Nota 3 – A origem militar desse “centauro” não deixa dúvida de que tática/estratégica é instrumento da razão prática. Trata-se de um plano, com duas dimensões interagindo dialeticamente, para transitar de uma situação A para uma situação B. Estratégia não é o objetivo.  É o plano de movimento através do qual se alcança um objetivo.

Isso não quer dizer que ela ocorra à margem da formulação teórica e das diferentes visões de mundo. Nem toda visão de mundo tem uma tática/estratégia, muitas se resumem à contemplação ou a uma crítica estética das coisas do mundo. Mas toda tática/estratégia expressa uma visão de mundo e é uma luta pela sua afirmação.

Trata-se, assim, usando a inspiração de Bensaïd, de uma arte profana. Se julga pelo quanto se realiza ou não, pelo quanto transforma ou não. Planos brilhantes, do ponto de vista da tática/estratégica são sempre testados pelo real. Pelo quanto compreendem os terrenos, os agentes em jogo e seus objetivos e atua frente a eles para um determinado resultado. Aquilo que não parte da matéria viva do real para transformá-la não pode se enquadrar no interior das questões tático-estratégicas.

Nota 4 – Estratégia ≠ Utopia. O objetivo final, o sonho da emancipação completa, a sociedade sem classes, um mundo de mel e beleza, cumprem um papel na estratégia, são forças mobilizadoras, mas não podem ser confundidas com estratégia. Essa confusão é chamada por Gramsci de maximalismo. A identificação, sem mediações, da utopia com a estratégia pode gerar muita auto satisfação, mas não garante nenhum passo no sentido de sua realização. A “estratégia”, nesse caso, é esperar a auto realização da profecia.

Isso tem a ver com o Marx não ter gastado nem uma linha descrevendo a sociedade futura, mas ter gastado milhões de linhas descrevendo o capitalismo, sua história, desbravando suas contradições internas e colocado suas fichas estratégicas na construção de um movimento internacional unitário em torno dos interesses da classe trabalhadora.

Nota 5 – Tática ≠ pequena política. A tática não é uma parte menor, mais rebaixada, da estratégia. A tática é um aspecto operacional da estratégia. Uma derrota tática pode coincidir com uma derrota estratégica. Uma vitória tática pode ser o umbral da realização da estratégia. A tomada da cidade de Santa Clara, sob comando do Che, foi uma vitória tática que forçou, menos de 12 horas depois, a fuga dos grupos ligados à Fulgêncio Batista, possibilitando a vitória total da revolução cubana.

Muitas vezes, essa confusão é feita tanto pelos que querem lançar sombra sobre ações de politicagem, como se fosse salvo-conduto. Esse é um hábito dos oportunistas, orientam sua tática pelo vento, obnubilando que sua estratégia é a mera sobrevivência. Outra por aqueles que acham que a revolução não é processo, mas acontecimento, então desdenham dos movimentos cotidianos que levam em sua direção em nome da expectativa do “grande dia”.

A compreensão de tática/estratégia como uma só coisa é um aspecto central para que se pense a revolução como uma grande transição. Um aspecto central do ecossocialismo é a sua compreensão da urgência histórica. A locomotiva capitalista joga cada vez mais combustível em suas caldeiras e segue rumo à catástrofe. A revolução é “puxar o freio de emergência”. Uma metáfora prática de uma realização necessária. Como mover as grandes linhas da história do nosso tempo?

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