De onde vem a empatia por estátuas de escravagistas e colonizadores?
Por Talíria Petrone*
É famosa a ideia de que a história é a história dos vencedores. Há dois perigos nesse lugar comum. Primeiro, o apagamento dos “vencidos”, que no mundo real, na história vivida, nunca desaparecem. Não importa o quanto os fuzilem, o quanto as queimem nas fogueiras, o quanto as persigam; a história não tem fim, justamente porque os “vencidos” nunca são derrotados, eles estavam, estão e estarão sempre lá, lutando e resistindo. Segundo, porque faz se passar por História a narrativa da história oficial, ideológica, feita justamente para criar empatia com os vencedores. Os monumentos estão para a história oficial dos vencedores assim como o esquecimento e o apagamento estão para a história dos “vencidos”.

Walter Benjamin dizia que “os que, num dado momento, dominam são herdeiros de todos os que venceram antes”. A defesa apaixonada de alguns historiadores e leigos da intocabilidade de monumentos e estátuas não esconde a empatia com os vencedores. Ao defenderem monumentos que homenageiam colonizadores, escravagistas, traficantes de pessoas escravizadas não estão defendendo a HISTÓRIA ou a MEMÓRIA em abstrato, estão se associando à ação histórica desses personagens, pior, demonstram que no tempo presente estão ao lado da continuidade dessa tradição de dominação e morte. Ou o genocídio indígena e o racismo estrutural atuais teriam outra origem que não essa expressa em tais monumentos?
Impuseram às vidas dos explorados e oprimidos o leito espremido de um rio histórico contido por margens sólidas e violentas. Tratam sempre a reação daqueles que foram obrigados a viver comprimidos nesse rio, as classes dominadas, de forma desigual à ação das classes dominantes. À primeira rotulam como turba, barbárie, violência… à segunda como ordem e progresso. Afinal, o que é um ataque simbólico do movimento negro ou indígena contra uma estátua perto do ataque efetivo real que o personagem representado perpetrou contra negros e indígenas?
A manutenção de monumentos e estátuas em homenagem a escravagistas e colonizadores é a perpetuação da chaga da escravidão e do extermínio indígena, é a tentativa de normalização histórica dessa barbárie. Ali, estáticas, com pombos na cabeça, parecem inofensivas, mas são a eternização da homenagem àqueles que deveriam receber repúdio. Devem ser destinados aos museus da infâmia. Por isso, apresentamos o PL 5296/2020 dando esse destino a tais monumentos e possibilitando que a história seja recontada como realmente ocorreu.
Como disse Audre Lorde, o silêncio para nós não é uma opção. Falamos, ainda que saibamos que não nos esperavam vivas para contar nossas histórias. E você? Sente empatia por colonizadores e escravagistas homenageados em estátuas ou por suas vítimas? E você? Sente empatia por colonizadores e escravagistas homenageados em estátuas ou por suas vítimas?
*Historiadora, deputada federal (PSOL-RJ) e líder da bancada do PSOL na Câmara
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