Territorialização da Agroecologia
O humano* vive da natureza, isto é, a natureza é o seu corpo, e ele precisa
Karl Marx, Manuscritos econômicos e filosóficos
manter um diálogo continuado para não morrer. Dizer que a vida física e mental
do humano está vinculada à natureza significa simplesmente que a natureza
está vinculada a si mesma, pois o humano é parte da natureza
*substituímos “homem” por “humano”
Para o grande pensador da geografia brasileira, Milton Santos, o território é o espaço da convivência, das disputas e contradições. A história do Brasil remete ao colonialismo, ao latifúndio e aos inúmeros episódios de violência no campo, que se repetem todos os dias com a imposição do modelo hegemônico
capitalista, traduzido no agronegócio e demais fontes produtivas extrativistas. Com a concentração de terra veio o êxodo rural, com este surge a urbanização desordenada e exclusão social, bem como a degradação ambiental e seus impactos resultantes, potencializados pelo racismo ambiental, machismo,
LGBTfobia, capacitismo, especismo, xenofobia, entre outros. Pensar alternativas ao agronegócio é travar uma disputa social e política nos territórios, compreendendo as dimensões da cidade, campo e floresta e tendo como horizonte as perspectivas do ecossocialismo e do bem viver.
Neste contexto, a agroecologia surge das tradições dos povos indígenas e se perpetua pelas iniciativas dos movimentos populares, trabalhadorus rurais e universidades, e tem se mostrado um importante movimento de resistência ao agronegócio. Mais do que produção de alimentos orgânicos, esta se configura como instrumento de justiça socioambiental, na luta por reforma agrária popular, proteção dos ecossistemas, promoção da diversidade, da saúde humana e ambiental.
Buscando compreender essa complexidade, a agroecologia não deve ocorrer de forma isolada e fragmentada. É preciso ter olhar sistêmico, territorialidade e conexão com as culturas presentes em cada lugar e assim ganhar escala com o fortalecimento dos movimentos populares e a construção participativa de políticas públicas.
Assim, nós do Subverta reiteramos a importância de um olhar sistêmico para os territórios a partir da agroecologia, do ecossocialismo e do bem viver, tecendo alguns caminhos importantes em sua consolidação enquanto horizonte e estratégia revolucionária.
Soberania e segurança alimentar
O agronegócio produz commodities, o que não coloca alimento na nossa mesa, já que sua produção centra-se na exportação e na baixa diversidade de cultivo. Em 2021 o Brasil voltou ao mapa da fome, e a insegurança alimentar parece não incomodar a presidência, muito menos o mercado financeiro. A agroecologia se coloca na resistência da política da fome, produzindo junto com a terra alimentos saudáveis e diversos, que permitam não somente a segurança alimentar, mas também a soberania. Neste sentido propomos:
• Encontros de trocas de sementes;
• Associações por núcleos regionais para a comercialização de produtos, sejam eles plantados ou processados pelos moradores. Em São Francisco Xavier, na Serra da Mantiqueira, um grupo de moradores criou uma associação que comercializa a produção de diferentes produtores da cidade. A disponibilização é feita pela plataforma FazAFeira e a entrega é semanal;
• Cursos e oficinas sobre manutenção e cuidado com o solo, além de manejo e cuidado com animais que possam ser possíveis predadores, o que acaba desanimando agricultores a produzir de forma agroecológica;
• Impulsionar e construir conjuntamente hortas urbanas comunitárias. Realizar um mapeamento e circuito de visita e mutirões nas hortas mapeadas para conhecer moradores e estreitar laços;
• Vivências agroecológicas e cursos de formação com profissionais da área para quem busca fazer uma transição na produção. Isso também pode ser articulado em apoio e conjuntamente a territórios indígenas;
• Campanhas de conscientização sobre alimentação saudável com base no Guia Alimentar para a População Brasileira;
• Oficinas infantis, ensinando a importância de temas como agroecologia e soberania alimentar por meio de oficinas de compostagem, reutilização de lixo, realização de hortas em modelo de agrofloresta usando pneus etc;
• Incentivo a programas municipais/estaduais de apoio a agricultura familiar/agroecologia, inspirados nas experiências do PAA e do PNAE.
Economia solidária e circuitos curtos de produção
O trabalho é o pai da riqueza material… e a terra é a mãe
Karl Marx. O Capital
A esquerda ecossocialista enfrenta três grandes desafios no terreno da economia: conscientizar a todes sobre a emergência climática e a necessidade de repensar o modelo econômico sem soar catastrófico; apresentar um modelo econômico alternativo que retire da pobreza a população mundial, trazendo abundância para a geração de hoje; evitar o erro de cair no modelo desenvolvimentista-produtivista que, ainda que seja de esquerda e com combate à desigualdade, está fadado a causar a ruptura do metabolismo universal e o colapso planetário, roubando a vida das gerações futuras.
Para isso é necessário comunicar à classe trabalhadora que socialismo não é igualdade na pobreza e apresentar soluções imediatas para geração de trabalho e renda, visando melhoria na qualidade de vida, e criando condições materiais para a organização popular planejar seu futuro, que regule racionalmente o metabolismo social.
É necessário ir além da rejeição à economia capitalista, mas construir hoje as sementes para a grande transição futura e, para isso, é preciso desmistificar o debate sobre dinheiro.
Encontramos inspiração em iniciativas de economia solidária, popular, feminista, ecológica, circular, tudo isso a partir da ótica cossocialista. Devemos apoiar iniciativas como:
• Políticas públicas e movimentos sociais de apoio à agricultura familiar, mutirões agroecológicos e construção de sistemas agroflorestais (SAF);
• Incentivar Empreendimentos de Economia Solidária como solução que rompa com o modelo capitalista, calcados na autogestão e garantia dotrabalho, tais como cooperativas, bancos de tempo, clubes de troca e moedas sociais;
• Mapear famílias e comunidades tradicionais que vivem da agricultura e organizar um circuito de visitas para trocarmos conexões e ajudarmos pontualmente em algumas tarefas. Isso ocorre em São Francisco Xavier, onde o órgão responsável pela APA (Área de Proteção Ambiental) faz diversos projetos com a iniciativa privada e um deles é impulsionar os SAFs por meio desse circuito;
• Incentivar as cooperativas auto-organizadas de produtores rurais, os circuitos curtos de produção agroecológica e as redes de consumo solidárias. Incentivar a aquisição dos alimentos ali produzidos para
distribuir em ações solidárias em vez de comprar de supermercados que lucram com a fome no Brasil, inspirados pelo trabalho do Mutirão pelo Bem Viver e outros projetos que, no início da pandemia, compraram de pequenos agricultores familiares para distribuir para territórios vulneráveis;
• Cursos e oficinas sobre temas da agroecologia e economia solidária;
• Combater a falácia de que é preciso primeiro crescer para depois transicionar para uma matriz energética limpa, promovendo estudos sobre formas de produzir e usar energia a partir de fontes renováveis e fomentar desde já a construção de uma economia humana. Estimular, dar visibilidade e apoio às iniciativas que promovem o uso equilibrado dos bens naturais, como captação da água de chuva, o manejo ecológico dos resíduos sólidos, uso racional dos nutrientes da terra e não extração de
minérios, evitando assim o colapso dos ecossistemas planetários promovidos pela visão mercantilista de “recursos naturais”.
Saúde e saneamento urbano/rural
Por muito tempo a saúde no campo só teve relevância na ótica de manter a mão de obra produtiva. Este ideário se altera com a constituição de 1988, mas, na prática, os problemas de saúde pública em áreas distintas ao centro urbano e ao capital financeiro são enormes. Neste contexto, o saneamento tem relação direta com a promoção da saúde pública, especialmente nesses espaços. Atualmente o saneamento é visto apenas na perspectiva do saneamento básico e como um grande negócio para o setor da construção civil. Como todo produto de mercado capitalista, este serviço não chega a todas as pessoas, deixando de fora comunidades rurais, periferias e áreas de ocupação, causando a piora da
qualidade de vida e ambiental nesses espaços e gerando diversas doenças de veiculação hídrica. Mesmo na capital, com as condições financeiras existentes, as PPPs realizadas têm reforçado esse cenário, no qual muitas vezes são inexistentes até diagnósticos sobre demandas e alternativas. É preciso trabalho de base, mobilização social e desenvolvimento de outras técnicas/tecnologias sociais que atendam as demandas de cada local e construção de políticas públicas neste sentido. Neste contexto propomos:
• Oficinas sobre água e saúde, com diálogos e mutirões para construção de cisternas e captadores de água de chuva;
• Realizar oficinas e possíveis mutirões de construção de fossas sanitárias, como fossas biodigestoras, bacias de evapotranspiração, e vermifiltros;
• Realizar oficinas sobre preservação de margens de rios;
• Articulação e mobilização com agentes de saúde em áreas rurais, periferias, áreas de ocupação e comunidades em situação de vulnerabilidade social.
Rodas de cultura no território
O enraizamento de território e a agroecologia têm como foco a produção de uma alimentação de abundância e recuperação de solo, mas não é apenas isso que a presença de um território coletivo promove.
A alimentação é parte constituinte da sociedade, pois não se é saudável sem comida saudável. Como diria Ana Primavesi: “Solo sadio, Planta sadia, Ser Humano sadio”.
Logo, reforçamos que, no mesmo território que produz comida, podemos promover cultura, pois ali é também o local de encontro da população. Para isso propomos:
• Estimular atividades de integração da população, como exibição de filmes com rodas de debates, saraus de artes etc;
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