Carta da Articulação Nacional Indígena do PSOL à Frente Parlamentar Indígena da Câmara dos Deputados

Reunião da Articulação Indígena do PSOL com a Líder da bancada na Câmara dos Deputados, Talíria Petrone

INTRODUÇÃO
Extrema tensão e desamparo para os povos indígenas marcam a atualidade no Brasil, onde avanços institucionais conquistados nos últimos anos coexistem com ameaças graves endossadas e promovidas por parlamentares do Congresso Nacional, setores do agronegócio e frações do próprio governo federal. O cenário exige organização, resistência e, principalmente, um projeto de médio e longo prazo para garantir não apenas a sobrevivência dos povos indígenas, mas a consolidação de suas pautas como parte central do debate político brasileiro.


Uma das primeiras agendas da atual gestão do presidente Lula após tomar posse em 2023 foi visitar os Distritos Sanitários Especiais Indígenas Leste e Yanomami, em Roraima, que lidam diretamente com as questões da Terra Indígena Yanomami, logo, com a principal crise sanitária do Brasil nas últimas décadas. Dentre os relatos de lideranças que participaram desta quase exclusiva reunião com parlamentares bolsonaristas e veículos de imprensa, indicam que houve sinalização de compromisso e empenho para combater o garimpo, tráfico humano, assassinatos de indígenas, exploração dos solos não regularizada de terras, entre outras atividades que reforçam modos de produção que não respeitam os habitantes dos
territórios.

Dentre as dificulades apresentadas pelas lideranças indígenas filiadas ao PSOL, se destacam de diferentes formas: ataques legislativos contra seus direitos territoriais, avanço do agronegócio e do envenenamento do solo através da exploração mineral não regulamentada, genocídio e etnocídio contínuos, falta de acesso a políticas públicas básicas de saúde, educação e cultura, e a necessidade urgente de uma representação política-partidária autônoma, democrática e combativa. Portanto, o partido se coloca em alinhamento político junto às organizações aliadas do movimento indígena para se consolidar como um espaço de acolhimento e fortalecimento da luta para todos os defensores dos territórios indígenas e dos direitos da natureza, objetivando tornar-se de fato um instrumento organizativo fundamental para os povos originários.

REFLEXÕES SOBRE O ESPAÇO POLÍTICO DO ATL
Nesse sentido, o Acampamento Terra Livre (ATL), que é o maior evento de mobilização dos povos indígenas do Brasil, está sendo realizado anualmente desde o ano de 2004 durante o primeiro mandato do Presidente Lula. Ao longo de suas diversas edições, se consolidou como a principal reunião dos indígenas do Brasil, e tem cumprido um importante papel na articulação e na visibilidade das lutas indígenas, além de servir para pressionar o governo federal brasileiro em relação ao cumprimento das legislações que salvaguardam nossos direitos e também em relação às novas demandas que buscamos assegurar. O ATL tradicionalmente acontece na esplanada dos ministérios, em Brasília, durante o mês de abril e em sua primeira edição, foi fundada a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), entidade que tem organizado, desde então, todas as edições posteriores. Em 2025, o ATL ocorrerá entre os dias 07 e 11 de abril, em Brasília, com a expectativa de reunir cerca de 9 mil indígenas, de pelo menos 200 diferentes povos, de todos os biomas do país. Esta 21ª edição do evento vai se dar em um momento especialmente efervescente para as lutas indígenas, apesar do contexto difícil da conjuntura política brasileira. Afinal, estamos em um momento decisivo para o julgamento da inconstitucionalidade do Marco Temporal no STF, ao mesmo tempo em que observamos o movimento indígena demonstrar uma disposição de se destacar como um setor capaz de romper o marasmo geral da esquerda, e liderar grandes enfrentamentos capazes de arrancar vitórias do sistema que nos oprime. Exemplos dessa efervescência são o protagonismo indígena na ocupação da SEDUC, no Pará, e as demonstrações de coragem e persistência dos Guarani-Kaiowá, que se enfrentam diretamente com a brutalidade do agronegócio no Mato Grosso do Sul (MS), apesar dos 146 assassinatos de indígenas na região só entre os anos de 2019 e 2022, registrados no Relatório de Violência contra os Povos Indígenas do Brasil de 2022 do CIMI.

Saudamos o Acampamento Terra Livre em sua 21ª edição, assim como saudamos os 20 anos da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), principal instrumento de organização da luta dos povos originários de Pindorama. Porém, também precisamos lembrar que estamos há mais de cinco séculos lutando pela sobrevivência dos diversos povos indígenas originários deste país, pela preservação de suas culturas, memórias e fazeres, assim como pela sobrevivência dos diversos biomas onde estes se localizam. São mais de 500 anos de invasão do território de Pindorama, onde havia mais de 2.000 povos com línguas, culturas e fazeres diversos e que o violento colonialismo exploratório reduziu para cerca de 300 povos que resistem. O etnocídio de nossos povos originários se configura como um projeto político imperialista e colonial que explorou e matou por meio da escravização e assassínio destes corpos e que prossegue até os dias atuais com a exploração e devastação dos territórios onde estes vivem. Chegamos em 2025 ainda precisando lutar, contra os retrocessos em direitos que conquistamos arduamente na Constituinte de 1988, às custas da vida de milhares de nossos parentes durante a ditadura empresarial-militar de 1964.


AVANÇOS E RETROCESSOS SIMULTÂNEOS
Dados do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia, publicados em 2015, apontam que as Terras Indígenas (TI’s) concentram o menor desmatamento na Região Amazônica, além de apresentarem menos focos de incêndios, enquanto um estudo publicado pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, em 2022, intitulado “Povos tradicionais e biodiversidade no Brasil”, relaciona os territórios indígenas com a maior capacidade de preservação da biodiversidade local. Estes dados demonstram a importância dos povos indígenas na salvaguarda dos nossos biomas, diante do colapso climático que estamos vivendo mundialmente. É urgente pensarmos um modelo de transição epistêmica da nossa relação com o meio-ambiente, com a natureza. Não cabe mais separar a humanidade da natureza e as cosmopercepções indígenas já nos indicam isto por meio de uma relação integral entre o sujeito e o meio, entre a humanidade e a natureza. Nós somos natureza! As águas que correm nos rios são nossas veias e a terra em que vivemos é nosso corpo. Cuidar da natureza é cuidar de nós mesmos. Não é que vivemos em nossos territórios. Nós somos nossos territórios! Defender os territórios indígenas contra a exploração do capital é defender uma política ambiental que irá beneficiar toda a humanidade.

O terceiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva trouxe importantes avanços institucionais para a luta indígena. A criação do Ministério dos Povos Indígenas (MPI) e a nomeação de Sônia Guajajara como ministra representaram marcos históricos, garantindo maior visibilidade e protagonismo para as pautas indígenas no governo federal. Além disso, a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI), sob a liderança de Joenia Wapichana, tem buscado retomar sua função original de proteção dos povos indígenas, após os desmantelamentos promovidos pelo governo Bolsonaro. Mas, mesmo com o surgimento de Secretarias dos Povos Indígenas em diversos Estados e o fato de termos uma indígena à frente da presidência da FUNAI, seguimos ameaçados por ataques brutais que partem do próprio Estado Brasileiro, que segue sob o domínio de uma elite econômica mesquinha, reacionária e inimiga dos povos indígenas.

A correlação de forças no Congresso Nacional e as disputas internas não só no Executivo, mas também no movimento indígena, limitaram as conquistas concretas. Exemplos das consequências dessas limitações podem ser: a paralisia nos processos de demarcação; a aprovação da inconstitucional Lei 14.701/2023 e a tramitação da PEC 48/2023 (do Marco Temporal), que ameaçam inviabilizar novas demarcações e fazer retroceder a situação de territórios já demarcados; a Câmara de Conciliação, instalada pelo Ministro Gilmar Mendes do Supremo Tribunal Federal, onde tentam nos forçar a negociar nossos direitos básicos de existência; e a morosidade na tramitação do Projeto de Emenda Constitucional (PEC) dos direitos da natureza e da criação da Comissão Nacional da Verdade Indígena, ambos projetos importantes, um pela garantia do direito à vida e à existência dos nossos biomas e outro pela garantia do direito à memória à justiça. Nosso direito ao território, à cultura, à saúde e à educação, assim como o direito ao autorreconhecimento e à autorrepresentação de nossos povos nos diversos espaços de poder, não são negociáveis!

A proteção dos territórios indígenas e o respeito aos direitos humanos sob as mais diversas formas, assim como a promoção de participação social nos processos de tomada de decisões e formulação de políticas públicas são ações necessárias para o reconhecimento do papel dos povos indígenas na salvaguarda dos ecossistemas e no combate às mudanças climáticas. Na Amazônia brasileira, boa parte da grande riqueza sociocultural está associada à sua ocupação por mais de 300 etnias, cada uma com cultura, língua e território distintos, que continuam a viver e a se sustentar utilizando produtos florestais e dependendo das florestas para sua sobrevivência. Há também 113 grupos isolados ou em “isolamento voluntário” contabilizados pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI), totalmente dependentes da floresta para sua subsistência e sobrevivência. Segundo dados do censo demográfico do IBGE de 2022, 868 mil indígenas vivem na Amazônia Legal. Apesar do crescimento observado nas últimas décadas, essa população ainda representa apenas 3,3% do número total de habitantes da região. Devido a essa relação próxima com o meio ambiente, e dependência direta dos recursos naturais, os povos indígenas, assim como comunidades locais — ribeirinhos, quilombolas, extrativistas, entre outros —, são os mais suscetíveis aos impactos de desmatamento, degradação e fragmentação de florestas e às mudanças climáticas exacerbadas por essa dinâmica destrutiva de uso da terra. Para além da ameaça a suas terras e recursos, essas comunidades sofrem com a marginalização econômica e política, e ainda com violação de direitos humanos e discriminação. Por outro lado, essa mesma dependência da floresta faz com que os povos indígenas sejam vitais para a conservação ambiental ao redor do mundo. Por exemplo, as terras indígenas (TIs) ocupam 20% da superfície terrestre, mas abrigam 80% da biodiversidade remanescente global. No Brasil, as TIs cobrem 26% da Bacia Amazônica, num total de 114 milhões de hectares, o equivalente a quase a metade do território do estado de São Paulo. Quando excluídas as massas de água (4 milhões de hectares) e considerada apenas a cobertura de vegetação original, observa-se que 98% da vegetação em TIs encontram-se atualmente intactos. Essa proporção de áreas conservadas é similar à das unidades de conservação, mas muito superior àquela das áreas privadas (61%), distribuídas entre grandes, médios e pequenos imóveis rurais localizados fora de assentamentos agrários.

A luta contra o Marco Temporal ainda não acabou! Após a tese ruralista e colonial ter sido declarada inconstitucional no histórico julgamento de setembro de 2023, recursos protelatórios e a morosidade do STF impedem o trânsito em julgado da decisão até hoje, isto é, que exerça efeitos definitivos. Essa brecha está sendo explorada pelo ministro Gilmar Mendes para justificar a Câmara de Conciliação, pois imediatamente após o julgamento, a tese voltou a circular no Congresso via PEC 48/2023 e também na Lei 14.701/23, essa já aprovada. A Câmara de Conciliação é um espaço ilegítimo que busca negociar direitos inalienáveis, verdadeiras cláusulas pétreas que nem mesmo uma Emenda à Constituição pode derrubar. Desde que a Apib se retirou da conciliação, ela não conta mais com representantes dos povos indígenas, sendo dominada sobretudo por representantes dos latifundiários e mineradoras. Em 2 de abril aconteceu uma nova audiência, marcada pela ausência de consensos, o que era de se esperar quando as partes envolvidas possuem interesses irremediavelmente antagônicos, até agora a AGU não pediu prorrogação da Câmara de Conciliação, porém isso só significa que a Lei 14.701, que defende a tese colonial do Marco Temporal, continuará vigente. É importante barrar as negociações dessa câmara, se atentar para o fatiamento da permissão da mineração em Terras Indígenas, que foi remetida para outro espaço, mas continua tramitando, e que os recursos do julgamento original do Marco Temporal sejam julgados, e que a inconstitucionalidade da tese produza os efeitos necessários para rechaçar qualquer projeto de lei e até mesmo PEC.

Dados do IBGE de 2022 e do CIMI de 2023 revelam que a mortalidade entre nossas crianças é quase duas vezes e meia maior do que a registrada entre não indígenas; o índice de analfabetismo entre nós é quase quatro vezes maior do que entre o restante da população; a taxa de suicídios entre nós supera em quase três vezes a média nacional; e, só em 2023, primeiro ano desse terceiro mandato do presidente Lula, foram registrados nada menos que 208 assassinatos de indígenas, o que representou um aumento da ordem de 15,5% em comparação ao número registrado em 2022, último ano do Governo Bolsonaro, na contramão da redução do número geral de homicídios no país, que recuou 3,4% em 2023, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Mas se a situação em geral nos territórios indígenas é alarmante, ela não é menos grave para nossos parentes que vivem fora dos territórios demarcados ou em processo de demarcação, quase sempre invisibilizados nas periferias dos centros urbanos pelo país. Embora, segundo o Censo do IBGE de 2022, indígenas que vivem fora de nossos territórios representem 63,2% do total, as populações indígenas em contextos urbanos ainda não possuem voz e representação na ampla maioria dos Fóruns da APIB e de suas entidades de base, tão pouco têm suas presenças garantidas nos espaços formais de interlocução com os governos municipais, estaduais e federal, não lhes sendo assegurado o acesso às políticas públicas voltadas aos povos indígenas, além de conviverem com o permanente questionamento de seu pertencimento étnico-racial, apenas por não viverem ou terem nascido em territórios indígenas demarcados.

Até o presente momento, a Educação Escolar Indígena (EEI) vinha sendo tratada enquanto pauta e segmento secundário pelas organizações gerais do movimento indigena. Porém, em consequência das movimentações ocorridas no Pará, e outros ataques coordenados de desmonte da política de EEI em outros estados do Brasil, teremos, pela primeira vez, o debate priorizado em uma tenda durante o ATL. Mas, para além da defesa, precisamos também do fortalecimento e do avanço dessa política em território nacional. Outro elemento importante para considerar na construção de nossa participação no ATL é o crescimento da mobilização e da relevância da luta indígena no contexto urbano (ou população indígena urbanizada) que até este momento têm sido amplamente negligenciada pelas políticas públicas governamentais e pelo próprio movimento indígena institucional, já que as pautas do movimento indígena em contexto urbano não encontraram espaço na programação oficial do evento nas 20 edições realizadas até aqui. A divulgação do resultado do Censo do IBGE de 2022, que apontou que quase dois terços da população indígena no Brasil (63%) vivem fora dos territórios indígenas, nos colocando o desafio de pautar, pela primeira vez, o debate sobre indígenas em contexto urbano como parte da programação oficial no ATL. Inclusive, reconhecer os territórios etnoeducacionais dentro das cidades, garantindo que a educação específica e diferenciada esteja também nos grandes centros urbanos.

O Censo Demográfico 2022 apontou que quase 85%, o que representa 1 milhão das 1,2 milhões de pessoas indígenas acima dos 15 anos, sabiam ler e escrever um bilhete simples, no idioma que conhecem – ou seja, eram consideradas alfabetizadas. Apesar de representar um aumento na comparação com 2010, a taxa de alfabetização entre indígenas segue abaixo da média nacional, que foi de 93% para esse grupo de idade. A taxa de analfabetismo dos indígenas, que em 2010 foi de mais de 23%, caiu para 15% em 2022, contudo, corresponde a mais que o dobro da taxa nacional, que era de 9,6% e foi para 7%. A queda é ainda mais significativa dentro das Terras Indígenas (TIs): a taxa de analfabetismo caiu de 32% para 20% para pessoas indígenas dentro das TIs, redução acima da média nacional e da média geral de pessoas indígenas. Porém o cenário não se reflete quando olhamos para a população indígena urbanizada e residente nas grandes cidades, principalmente se cruzarmos este dado com a faixa etária. A diferença na queda de percentual de analfabetismo em terras indígenas passa de 12%, quando olhamos para a população fora das terras indígenas, essa taxa se reduz a cerca de 8%. Esse cenário reflete a falta de uma política de educação indígena fora dos territórios, sendo necessário inclusive se pensar uma política de educação de jovens e adultos indígenas nas grandes cidades.

Há mais de 10 anos que se tenta o licenciamento ambiental para exploração de petróleo do bloco 59 na Foz do rio Amazonas. São muitos estudos e modelagens frágeis sobre este lugar que, segundo dados do Ministério do Meio Ambiente (MMA) por meio das cartas náuticas SAO (Sensibilidade Ao Óleo), programa do governo que indica as áreas mais sensíveis ao petróleo e gás realizado junto à ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis), é totalmente inadequado para a atividade. A exploração de petróleo na Foz do Amazonas, além de representar uma ameaça ambiental, traz consigo riscos de prejuízos sociais imensos para as populações que ali habitam. Na área que será afetada por uma possível exploração do Bloco 59, encontram-se ao todo 16 reservas extrativistas no Pará e Maranhão, 3 Terras Indígenas no alto do Oiapoque no Amapá e inúmeras terras quilombolas, homologadas ou não, ao longo deste litoral. Além de ser um território muito suscetível às mudanças climáticas. Além da incoerência desta iniciativa acontecer em pleno ano de COP30, em que a Amazônia será anfitriã, há ainda a argumentação de que esta iniciativa se justifica por poder ser fonte de financiamento para uma transição energética no Brasil, como um caminho para a saúde climática do país. Porém, o cenário atual demanda radicalizar a luta por um futuro livre do petróleo, pela transição energética justa e inclusiva e pela preservação da biodiversidade, com protagonismo dos povos atingidos e contra o atual projeto político e econômico fóssil que promove a privatização de lucros e a socialização dos prejuízos.

A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) dos Direitos da Natureza busca reconhecer a Natureza como sujeito de direitos, garantindo a proteção jurídica dos seres vivos além dos seres humanos. Inspirada por debates globais, especialmente na América Latina, a proposta visa incluir na legislação brasileira a noção de que os ecossistemas e os processos naturais são fundamentais para a manutenção da vida e devem ser resguardados com as mesmas proteções concedidas às pessoas. Essa perspectiva se baseia nos saberes tradicionais indígenas, que há séculos afirmam a interdependência entre humanos e a Natureza, destacando que não há vida sem terra, água e biodiversidade preservadas. A PEC surge como resposta à crise climática e ambiental gerada por um modelo de desenvolvimento que historicamente tratou a Natureza como mero recurso a ser explorado. A proposta se alinha a um movimento internacional que reconhece que a destruição ambiental ameaça não apenas os ecossistemas, mas também a própria existência humana. Ao garantir direitos legais à Natureza, a medida pretende fortalecer mecanismos de proteção ambiental, responsabilização por danos ecológicos e sustentabilidade a longo prazo, promovendo uma visão mais integrada e respeitosa da relação entre a humanidade e o meio ambiente.

REIVINDICAÇÕES
As eleições de Sônia Guajajara e Célia Xakriabá como deputadas federais pelo PSOL representou um passo decisivo na direção que almejamos. A atuação de ambas tem sido fundamental na denúncia do racismo ambiental, na defesa dos territórios indígenas e na articulação de políticas públicas voltadas para os povos originários. No entanto, a presença das duas no Executivo e no Congresso Nacional não é suficiente para garantir as transformações estruturais que necessitamos. O Brasil tem uma população indígena estimada em 1,7 milhão de pessoas, segundo o Censo do IBGE de 2022, porém, nossa representatividade nos espaços políticos ainda é extremamente limitada. A sub-representação indígena nas assembleias legislativas estaduais, câmaras municipais e no próprio Congresso Nacional reflete um sistema político excludente, que ainda favorece as elites brancas, o agronegócio e os interesses do capital. O mandato de Célia Xacriabá é uma referência para o movimento indígena e para o PSOL, no entanto, é preciso garantir que ela não seja uma exceção, mas o início de um processo maior de fortalecimento da presença indígena na política institucional. Isso passa por criar mecanismos de suporte político e jurídico para Célia e futuros parlamentares indígenas do PSOL, ampliar a articulação entre o mandato de Célia e o movimento indígena, garantindo que as pautas dos povos originários sejam levadas para dentro do Congresso, estimular candidaturas indígenas nas estaduais/federais de 2026 e criar um programa de filiação e formação política voltado para lideranças indígenas.

Assim, nós, filiadas e filiados indígenas organizados na Articulação Nacional dos Indígenas do PSOL e reunidos na 21ª edição do Acampamento Terra Livre, vimos, por meio da presente carta, reivindicar da Bancada Federal do PSOL e da Frente Parlamentar Indígena de nosso partido as seguintes demandas:

  1. Que a Bancada Federal do PSOL e a Frente Parlamentar Indígena tenha prioridade na tramitação da PEC dos Direitos da Natureza, de autoria da Deputada Célia Xakriabá;
  2. Que haja uma postura combativa e denunciante dos riscos da exploração do Bloco 59, com posicionamento contrário à exploração do petróleo, tendo como perspectiva a transição energética justa colocando os povos originários e demais povos e comunidade tradicionais atingidas como protagonistas do debate, com a defesa da pesquisa científica realizada pelos organismos públicos e da sociedade civil organizada;
  3. Que a Frente Parlamentar Indígena possa exigir a criação da Comissão Nacional da Verdade Indígena, para que se torne de amplo conhecimento os crimes que o Estado Brasileiro acometeu aos povos indígenas pelo direito à memória e à justiça;
  4. Que seja incentivada uma política nacional para indígenas em contexto urbano com principal foco nas políticas de educação, saúde e moradia digna;
  5. Que os parlamentares do PSOL investiguem as possibilidades de revisão do estatuto de igualdade racial para incluir as especificidades de cidadãos indígenas em contexto urbano e em terras indígenas;
  6. Apoio político às denúncias de desrespeito dos direitos originários feitas por organizações que representam territórios indígenas de todas as regiões do Brasil;
  7. Que haja uma maior fiscalização das políticas de Educação escolar Indígena (EEI), assim como da política de Saúde Indígena com objetivo de fortalecer e ampliar essas políticas com foco no planejamento orçamentário público que que tais políticas tenham capacidade de serem geridas e executadas com qualidade;
  8. Que a pauta ambiental seja prioritária para atuação da bancada do PSOL, com ampla defesa da transição energética justa com previsão de mitigação dos impactos sociais e ambientais que empreendimentos, sejam públicos ou privados, possam trazer para as comunidades indígenas e demais povos tradicionais;
  9. Defender políticas públicas que reconheçam os povos originários como defensores do meio ambiente.

Brasília, 07 de Abril de 2025
Articulação Nacional Indígena do PSOL


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