A luta ambientalista só pode ser antirracista, feminista e anticapitalista
Por Nathalia Santana *
Certa vez, ouvi de mulheres negras, as quais tenho profundo respeito e admiração, que a pauta ambiental e a COP estão muito distantes da realidade do nosso povo. Já eram quase 22h e eu não tive a ousadia de me prestar ao papel de tentar conectar esses assuntos com as dificuldades e violações do nosso povo. Esse texto é uma tentativa de responder a essa afirmação, depois de refletir como popularizar e aproximar a luta ambientalista das mulheres negras e das periferias.
O PL da Devastação é um horror por alguns motivos, mas queria destacar dois. O PL 2159 retira a obrigação de qualquer empresa que usa água de solicitar um pedido ao órgão ambiental responsável. Esse pedido passa por análise da disponibilidade de água e usos da bacia hidrográfica e o empresário se compromete com controle de quantidade e qualidade da água. Isso, na prática, quer dizer que o empresário não precisam mais tratar o seu resíduo, ele pode jogar contaminantes nas nossas águas, na nossa terra. Já viu alguma indústria perto de bairro de elite? Ou um aterro sanitário em uma área nobre da cidade? Os nossos territórios estão sob ameaça de contaminação. E pior, a gente só vai saber quando ficarmos doentes.
Outra grave mudança é a isenção de dispensa de licenciamento para atividades de agricultura e pecuária. No Brasil, maior emissor de gases de efeito estufa da América Latina, os principais responsáveis pelas emissões brasileiras são os setores de Agropecuária e Mudança de Uso da Terra, que é a floresta se tornando pasto ou soja. Justo quem? Agricultura e a pecuária! Com maior facilidade para destruir florestas e lucrar com a destruição, esses setores irão contribuir ainda mais com o aquecimento da Terra. Quando a Terra aquece, quem são os mais afetados pelos efeitos desse aquecimento? Somos nós, pessoas negras, mulheres, mães, crianças, idosos, favelados.
Quando a Terra aquece, somos nós quem sofremos com temperaturas delirantes pela ausência de áreas verdes, arborização urbana e climatização das nossas casas e escolas. Quando a Terra aquece, somos nós quem sofremos com o desequilíbrio do regime de chuvas, ou seja, com as chuvas mais fortes e mais intensas ou secas severas. As enchentes e deslizamentos não são uma novidade nas favelas, mas a crise climática está disposta a quebrar recordes se os governantes não agirem imediatamente para a adaptação e mitigação das cidades, das favelas.
Historicamente, as políticas públicas nunca chegaram nos nossos territórios. Só chega a bala da polícia. O saneamento básico é precário ou inexistente, causando diversas doenças que afetam a frequência escolar e de trabalho, reduzindo a renda das famílias. Não temos acesso a comida de verdade, legumes, frutas, grãos, sementes, sem veneno: sobra loja de ultraprocessado e falta sacolão popular, feiras de rua, com comida dos pequenos produtores, da agricultura urbana e familiar. Já sofremos racismo ambiental desde a falsa abolição da escravatura. Com a crise climática, vai ficar pior!
Quando a Terra aquece, como que a gente consegue manter nossos trabalhos de ambulantes, catadores de materiais recicláveis, trabalhadores da limpeza urbana, vendedores de rua, entregadores e motoristas plataformizados e diversos outros trabalhos que sobram para nós e que são desempenhados sob calor excessivo?
Quando a Terra aquece, quem mais sofre somos nós, que já estamos afundadas nas desigualdades e violações. Não podemos aceitar que nós, mulheres negras, as que recebem o menor salário, que temos jornadas extremamente exaustivas de trabalho assalariado, doméstico e de cuidado, as que mais tem dificuldade de acessar serviços de saúde, educação de qualidade e lazer, paguemos a conta de uma destruição que não somos responsáveis, muito pelo contrário.
Nós mulheres negras temos um projeto político de Bem Viver para a sociedade brasileira, um projeto onde a natureza faz parte da comunidade, onde existe a valorização da nossa sabedoria ancestral, diversidade enquanto riqueza, um projeto de sociedade de caráter comunitário e anticapitalista.
Nesse dia do Meio Ambiente, quero convocar aqueles e aquelas que fazem a defesa do Meio Ambiente a apoiar a construção da Segunda Marcha Nacional das Mulheres Negras e a ida de mulheres negras de todo o país que irão marchar até Brasília, no dia 25 de novembro, gritando por Reparação e Bem Viver. Apoie cumprindo outras tarefas para permitir que as mulheres negras se organizem em coletivo dentro dessa grande mobilização. Apoie divulgando e participando das atividades que estão sendo produzidas ao longo do ano. Apoie criando pontes ou financiando a ida de mulheres negras à Brasília. Apoie!
Afinal, meio ambiente e mulher negra, tem tudo a ver!
Nathalia Santana é Mulher negra, bissexual e vegana, formada em engenharia ambiental. Defende os territórios e comunidades tradicionais frente ao racismo ambiental e enfrenta a emergência climática com justiça racial. Militante ecossocialista e da Marcha das Mulheres Negras de São Paulo.
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