A reforma administrativa, as desigualdades sociais de gênero e de raça e etnia

Numa sociedade atravessada por discriminações raciais, de gênero e contra grupos sociais vulnerabilizados, a precarização do serviço público tende a reproduzir exatamente essas desigualdades. É o mesmo padrão que se observa na iniciativa privada, onde a instabilidade e a competição ampliam as assimetrias existentes. Basta pensar nos contratos de experiência propostos antes da efetivação no serviço público, como prevê a reforma administrativa: estudos demonstram que medidas que enfraquecem a estabilidade e as carreiras públicas acabam ampliando as disparidades salariais entre gênero e raça. Nesse cenário, as mulheres negras, historicamente concentradas nos cargos de menor remuneração, são as que mais sofrem os impactos.

Por mais que o princípio da impessoalidade da Administração Pública diga “não” a esse tipo de situação, sabemos que aspectos culturais secularmente arraigados acabam por emergir, mesmo que “sem a intenção” da prática de racismo, homofobia, machismo, dentre outros. Pois, mesmo sendo o serviço público, com as regras atuais, um espaço mais democrático do que o mercado de trabalho na iniciativa privada, há clara predominância do homens cis hetero e brancos em cargos de comando, chefia ou assessoramento, mesmo numa sociedade composta, em sua maior parte, por negros e negras, como as mulheres em sua grande maioria de periferia e mães solos. Pesquisas indicam que mulheres negras enfrentam maior violência política. 

Uma reforma que precariza o ambiente de trabalho no serviço público pode potencializar o assédio moral e outras formas de violência, sobretudo de gênero e raça, prejudicando a permanência de mulheres em posições de poder. A população negra, principalmente aquela em situação de maior vulnerabilização, depende mais dos serviços públicos, como saúde (SUS), educação e assistência social. Reformas que precarizam ou reduzem o acesso a esses serviços afetam desproporcionalmente essa parcela da sociedade.

A democratização das relações de trabalho exige enfrentar debates como esse. Nossa sociedade está, de fato, preparada para pôr fim à estabilidade no serviço público? Ou para substituir os concursos por outros tipos de seleção? Certamente não. Tanto a estabilidade quanto o concurso público funcionam como verdadeiras políticas afirmativas, capazes de reduzir desigualdades raciais e de gênero no mundo do trabalho, assim como garantem a qualidade, integridade e continuidade dos serviços.

A análise desses impactos mostra como a discussão sobre a reforma administrativa vai além da economia, tocando em questões sociais e históricas enraizadas na desigualdade brasileira.

Outra questão central é a do enfraquecimento da organização sindical diante dessa chamada reforma administrativa. Mais do que nunca, é necessário fortalecer a unidade e a ação coletiva da classe trabalhadora, defendendo seus direitos e resistindo aos retrocessos. A luta deve caminhar lado a lado com a defesa de um serviço público de qualidade, sustentado por concursos públicos, valorização dos servidores e políticas de formação continuada, elementos essenciais para garantir um Estado comprometido com a justiça social e com o bem comum.

A reforma administrativa não é apenas uma pauta de gestão: é um projeto de sociedade. Por trás do discurso de eficiência e modernização, com foco em meritocracia, escondem-se tentativas de fragilizar o papel do Estado como garantidor de direitos e redutor das desigualdades estruturais que marcam o Brasil. As mudanças, na prática, abrem espaço para que discriminações históricas voltem a operar com mais força, aquelas que o concurso e a impessoalidade ajudaram a conter. A precarização do funcionalismo público é, portanto, também a precarização da própria democracia.

Coordenação Nacional do Subverta – Outubro de 2025


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