RECONQUISTAR AS RUAS, REELEGER LULA PRESIDENTE E CONSTRUIR PELA PAZ E PELA VIDA UM FUTURO ECOSSOCIALISTA

1. A disputa política segue acirrada e com desfecho em aberto para as eleições de 2026. No entanto, houve uma inversão na correlação de forças no país, impulsionada pela reação do governo Lula em defesa da soberania nacional e da independência do judiciário frente ao tarifaço e às sanções impostas por Trump a autoridades brasileiras e seus familiares, especialmente ao ministro Alexandre de Moraes. Outro fator decisivo para essa virada foi a mobilização social que derrotou a PEC da Blindagem, paralisou as propostas de anistia e de dosimetria em benefício dos condenados pelo golpe de Estado e criou as condições para a aprovação da isenção de Imposto de Renda na Câmara Federal para quem ganha até R$ 5 mil, compensada pela taxação dos mais ricos. O início dessa mudança de rumo pode ser identificado, na verdade, na reação do governo à derrubada do decreto que elevava o IOF, quando decidiu enfrentar o Centrão, recorrendo ao STF e pautando o debate público em torno da justiça tributária e da necessidade de taxar os super-ricos.

2. A chantagem explícita de Trump, em conluio com a família Bolsonaro, para encerrar o julgamento da trama golpista e inibir a regulação e os processos contra as Big Techs, e qualquer perspectiva nacional de soberania digital e controle de infraestrutura digital e proteção dos dados da população, gerou ampla indignação e reduziu a oposição ao julgamento dos golpistas, que tomou a decisão histórica de pela primeira vez condenar um ex-presidente e militares de alta patente por golpe de Estado. Somou-se a isso a revolta popular ao retrocesso representado pela PEC da Blindagem, que buscava impedir que parlamentares fossem investigados e responsabilizados por crimes sem autorização do próprio Congresso. O texto também previa que os congressistas decidissem em votação secreta sobre a manutenção ou a suspensão da prisão de seus colegas. A rejeição à proposta nasceu na sociedade e nos movimentos sociais, com o PSOL tendo papel destacado na oposição, enquanto o governo inicialmente adotou uma postura negociadora, refletida na constrangedora parcela minoritária de votos favoráveis de parlamentares do PT na Câmara Federal. Somente com a pressão popular o governo consolidou uma posição nitidamente contrária, alinhando-se à rejeição integral do PSOL e do PCdoB.

3. A PEC da Blindagem e a proposta de anistia ampla, geral e irrestrita integram o mesmo pacote antidemocrático, articulado por bolsonaristas e pelo Centrão, em reação à condenação de Jair Bolsonaro e de aliados do alto escalão de seu governo e das Forças Armadas por golpe de Estado. A especificidade da PEC da Blindagem foi criar um arranjo institucional que colocaria deputados e senadores a salvo do alcance do Supremo Tribunal Federal, suspendendo, por exemplo, cerca de oitenta inquéritos em andamento sobre o desvio de emendas parlamentares.

4. A rejeição a essa agenda política abriu caminho para a ampliação e o engajamento da base de apoio do governo Lula e para a perda de fôlego da proposta de anistia, desmoralizada também pelo motim de parlamentares que paralisaram o Congresso na tentativa frustrada de forçar sua votação. Os protestos de 21 de setembro contra a PEC da Blindagem e a anistia expressaram essa inflexão política. Há muitos anos não havia mobilizações com perfil de esquerda com tantas pessoas nas ruas. As manifestações tiveram proporção superior às realizadas por bolsonaristas em 7 de setembro, em São Paulo e no Rio de Janeiro, e reuniram um número ainda maior de participantes considerando todas as capitais e outras cidades que aderiram aos atos. O impacto na imprensa e em menções nas mídias sociais foi incomparável. 

5. Em termos simbólicos, bolsonaristas estenderam a bandeira dos EUA na Avenida Paulista no dia da independência, reivindicando a tutela americana às vésperas do julgamento no STF, em contraste com o campo democrático e popular que exibiu bandeira gigante do Brasil contra a anistia e em defesa da soberania. Como resultado, a proposta apelidada pelos artistas de “PEC da Bandidagem” foi arquivada por unanimidade pela CCJ do Senado, após ter sido aprovada com 344 votos na Câmara Federal. Logo depois, a proposta de isenção do Imposto de Renda para quem recebe até R$ 5 mil, que estava inerte havia meses para relatoria de Arthur Lira, foi aprovada por unanimidade na Câmara dos Deputados.

6. A retomada de crescimento na popularidade do governo Lula, que atingiu seu melhor patamar em 2025, com 48% dos brasileiros aprovando sua administração, segundo a última pesquisa Genial/Quaeste, e sua liderança em pesquisas de intenção de voto nos dois turnos contra todos os adversários, demonstram que os ventos da política nacional mudaram, embora ainda haja um longo caminho a percorrer na reconstrução do apoio popular. O governo Lula finalmente conseguiu sair das cordas ao fazer uma inflexão à esquerda, enfrentando o Centrão e a extrema-direita em defesa da justiça tributária, da redução da jornada de trabalho e ao recusar-se a ceder à tentativa de ingerência de Trump sobre o Supremo Tribunal Federal. Contudo, não se pode afirmar que essa seja uma mudança política estrutural do governo. Um sinal em sentido contrário é a conciliação com o Centrão em muitas agendas econômicas e ambientais, inclusive na subordinação aos interesses do agronegócio, setor responsável por mais de 70% das emissões de CO₂ no Brasil e que mantém o país preso a um modelo primário-exportador, dependente de capital e tecnologias estrangeiras, sem garantir soberania nem segurança alimentar.

7. O agronegócio é o setor com maior influência econômica no país hoje e as consequências dessa força perpassam pelo direito à terra e território, o desmatamento, a destruição de habitats e biomas e a manutenção de uma política de commodities. O governo Lula infelizmente não abraçou a pauta da reforma agrária, causando descontentamento da base, em especial do MST, que expôs divergências em carta recente aberta à sociedade brasileira. Uma reforma agrária popular é urgente, com redistribuição de terras. O PSOL e o Subverta precisam se aproximar do MST e demais movimentos que lutam por terra, território, reforma agrária popular e agroecologia, apresentando o partido como alternativa que supera a conciliação, principal motivo de embargo ao avanço da pauta.

8. Contribuiu para a melhora da correlação de forças o aceno de Trump à negociação com o governo brasileiro, na abertura da Assembleia Geral da ONU, em 23 de setembro, sem que Lula capitulasse à pressão americana; ao contrário, a reaproximação diplomática foi acompanhada por discurso do presidente nas Nações Unidas em defesa da soberania, da democracia, da transição energética, contra a fome, pelo fim do genocídio em Gaza e pela criação do Estado palestino. A reunião entre Lula e Trump, realizada em 26 de outubro de 2025, em Kuala Lumpur, Malásia, durante a 47ª Cúpula da ASEAN, confirmou para a população que o governo está na direção correta ao não ceder à tentativa de interferência estrangeira no país. Mesmo assim, não se trata de uma vitória final, pois faltam garantias e prazos para a redução das tarifas, e esse encontro ocorreu num contexto marcado por ameaças de intervenção militar na América do Sul e ambições sobre as terras raras brasileiras para as quais não se pode sucumbir. A exploração de terras raras pelos EUA certamente implicará em incentivo à sua indústria bélica e automotiva. 

9. A campanha “Congresso inimigo do povo”, combinada com o plebiscito popular, marcou uma mudança política e comunicacional, possibilitando um diálogo mais direto com as demandas da população. Após perder apoio social por erros de condução e comunicação, como na tributação de compras internacionais, na repercussão de notícias falsas sobre a fiscalização federal de transações via PIX e no escândalo do INSS, iniciado em 2019 com Bolsonaro, o governo adotou uma comunicação mais próxima e coloquial pelas redes sociais e antenada com as elaborações dos movimentos sociais. Ao mesmo tempo, sustentou vetos ao aumento do número de deputados na Câmara e ao PL da Devastação.

10. Há uma vantagem de Lula no momento, mas ainda resta um longo caminho até as eleições. Grande parte do Centrão está desembarcando da base do governo para apoiar uma candidatura presidencial de oposição. Tarcísio de Freitas, Ratinho Júnior, Michelle Bolsonaro, Romeu Zema e Ronaldo Caiado perfilam como possíveis legatários do espólio eleitoral de Bolsonaro. A Faria Lima está ávida por uma candidatura de extrema-direita com algum cacoete de centro-direita para chamar de sua. Na Câmara Federal, embora as recentes mobilizações e a atuação do Senado tenham contido parte de sua ofensiva, a maioria oposicionista ainda se mostra disposta a impor derrotas ao governo, reduzindo sua margem orçamentária para políticas sociais. Exemplo disso foi a desidratação e posterior derrubada da MP que previa uma alternativa ao aumento do IOF (medida que ampliava a tributação sobre fintechs, apostas e determinadas aplicações financeiras), além da provável derrubada dos vetos presidenciais ao PL do Desmatamento. 

11. No marco das disputas socioambientais, talvez esteja o ponto mais agudo das contradições do período. A ofensiva da direita, com sua agenda negacionista, do agronegócio e destrutiva, se combina às limitações do próprio governo, que aposta numa conciliação impossível entre interesses do capital extrativista e a defesa dos territórios e da natureza. A presença de figuras como Sônia Guajajara no Ministério dos Povos Indígenas e Marina Silva no Ministério do Meio Ambiente expressa essa tensão. São ministérios estratégicos conquistados pela luta dos povos indígenas, quilombolas, movimentos socioambientais e setores da esquerda, mas contam com orçamentos reduzidos e pouca capacidade de enfrentamento institucional. Por isso, é papel do PSOL disputar suas agendas e tensioná-los com mobilização social, para que não sejam tragados pela lógica conciliatória do governo.

12. O avanço do chamado novo licenciamento ambiental, conhecido como PL da Devastação, representa um ataque direto às salvaguardas socioambientais, desmontando proteções históricas, legitimando o agronegócio predatório e aprofundando a espoliação. Apesar dos vetos,  a tramitação do PL da Devastação mostrou que as pautas socioambientais, como outras, seguem sendo moeda de troca com o Congresso. Dos quase 400 dispositivos, 63 foram vetados completa ou parcialmente. Desse total, 26 itens foram simplesmente excluídos. O veto parcial foi estratégia de conciliação com o Congresso, mesmo com ambientalistas e mobilizações apontando para o veto total. Para o restante, o governo encaminhou um PL com urgência constitucional e uma Medida Provisória com efeito imediato com previsão de redação alternativa. 

13. É de se notar que essa tramitação não entrou, do ponto de vista do governo, na campanha Congresso Inimigo do Povo, apesar de estar sendo abarcada pelos ambientalistas e ecossocialistas. A MP editada pelo governo que institui o Licenciamento Ambiental Especial (LAE), agilizando o licenciamento de projetos estratégicos do governo (como pode ser a exploração de petróleo na Foz do Amazonas) foi uma concessão com possíveis grandes impactos socioambientais. As conquistas com os vetos são frágeis e já mostram os efeitos da conciliação: com mais de 800 emendas, o Congresso tenta driblar vetos ao PL da Devastação e utiliza a MP como ferramenta para retomar dispositivos vetados por Lula, redigindo um novo PL da Devastação. O desafio é politizar a pauta com a luta contra o racismo ambiental e a devastação da natureza.

14. A retomada de uma política neoextrativista no Brasil e na América Latina se expressa na exploração de petróleo na foz do Amazonas, na expansão do pré-sal, na mineração de lítio, níquel, cobre e terras raras, na instalação de complexos eólicos e solares para exportação de energia, nos projetos de hidrogênio dito verde, na corrida por créditos de carbono e REDD+, e na privatização e mercantilização da água por megacorporações. Esse processo é impulsionado por uma verdadeira política de saldão dos territórios, com leilões, concessões e propagandas que oferecem áreas inteiras da Amazônia, do Cerrado e da Caatinga para mineração, infraestrutura logística e instalação de data centers e complexos industriais voltados às big techs. Essas empresas têm avançado sobre regiões com abundância hídrica e energética, disputando aquíferos, bacias, terras públicas e redes elétricas para erguer mega projetos digitais intensivos em energia, agravando conflitos com comunidades e ameaçando a soberania sobre bens comuns. 

15. O avanço da mineração tem se intensificado nos últimos anos, impulsionado pela demanda global por minerais ditos críticos e estratégicos  necessários à chamada transição energética, como lítio, cobre, nióbio, terras raras e níquel. Esse processo tem ampliado significativamente a presença de empresas estrangeiras mineradoras em territórios tradicionalmente ocupados por povos indígenas, quilombolas, comunidades tradicionais e agricultores familiares, provocando deslocamentos, contaminação de recursos hídricos e desestruturação de modos de vida locais. Os dados de organizações socioambientais e de movimentos como o Movimento de Atingidos por Barragens indicam crescimento expressivo dos conflitos ambientais relacionados à mineração, tanto em número quanto em gravidade, especialmente nas regiões Norte e Nordeste do país. Sob o argumento de contribuir para um futuro “verde” e sustentável, a mineração se mantém e se reatualiza como uma frente de expansão econômica, reproduzindo, contudo, velhas lógicas de dependência e desigualdade territorial.

16. Apesar da Petrobrás ter abraçado o uso do termo “Transição Energética Justa”, com propaganda estrelada por Camila Pitanga e até uma baleia jubarte dizendo que a transição energética deve ser justa para todos, a atual presidente da Petrobras, Magda Chambriard, indicada por Lula, recentemente deu uma entrevista dizendo que “o negócio da empresa é petróleo” e que “renováveis só a partir de 2035”, e discursou em inglês, em evento no Amapá, sobre a exploração de petróleo na foz do Amazonas repetindo o slogan “Drill Baby Drill” (“perfure, baby, perfure”) de Donald Trump. Em junho de 2025, foram arrematados 34 blocos de exploração de petróleo (19 deles na Foz do Amazonas) em leilão realizado pela ANP. O foco do leilão foi a Foz do Amazonas, concentrando mais de 80% de todo o valor arrematado (844 milhões de reais). Em 20 de outubro, foi emitida licença de perfuração exploratória pelo Ibama à Petrobras. A tal da “transição energética” também tem se expressado em inúmeros conflitos com povos tradicionais, como é o caso dos parques eólicos no nordeste do país, o que tem gerado diversos impactos ambientais e na saúde mental da população local. Nenhuma energia é “zero impacto” e não podemos perder de vista que transição energética pressupõe substituição de fontes fósseis por renováveis e não a mera sobreposição dessas fontes. 

17. O país tem vivenciado enormes catástrofes climáticas, como as queimadas no Pantanal em 2020, os deslizamentos em São Sebastião em 2023 e as enchentes no Rio Grande do Sul em 2024, entre muitos outros eventos. Essas tragédias têm sido utilizadas para acelerar processos de grilagem de terras e a privatização de aparatos públicos. O Subverta deve fortalecer iniciativas que promovam a construção de uma nova infraestrutura energética, com participação ativa das comunidades desde o planejamento. O objetivo é substituir térmicas e fontes fósseis por uma infraestrutura pública, descentralizada, acessível, renovável e de baixa poluição em todas as esferas. Somos contrários à implementação de novas usinas termelétricas, à perfuração de novos poços de petróleo e a outras matrizes energéticas poluentes. Em paralelo, é fundamental manter diálogo com os sindicatos de petroleiros e de outros trabalhadores do setor fóssil.

18. Além disso, ganha força uma nova etapa de financeirização da natureza, em que mecanismos como créditos de carbono, compensações ambientais e pagamentos por serviços ambientais transformam florestas, rios e territórios indígenas em ativos do mercado. Essa dinâmica está articulada à reorganização geopolítica da transição energética global, que reconfigura o papel da América Latina como fornecedora subordinada de minérios, energia e água para grandes potências, fundos de investimento e corporações tecnológicas. Frente a esse cenário, são as lutas dos povos indígenas, quilombolas, comunidades tradicionais, camponeses, atingidos por barragens e juventudes periféricas que sustentam as principais trincheiras de resistência, afirmando projetos próprios de território, vida e natureza. Cabe ao PSOL e à esquerda anticapitalista fortalecer as lutas por justiça socioambiental, articulando a defesa dos territórios, dos povos e dos bens comuns com uma estratégia de enfrentamento ao agronegócio, ao extrativismo e à financeirização da natureza. Esses processos intensificam o saque dos territórios, a violência contra povos tradicionais e a subordinação do continente a uma nova divisão internacional da natureza, exigindo capacidade de enfrentamento estratégico, articulação continental e construção de alternativas enraizadas nas lutas populares.

19. Outra contradição é a desaceleração da economia brasileira provocada pela manutenção de uma taxa básica de juros extremamente elevada, atualmente em 15%, fixada pelo Banco Central. Essa política tende a reduzir a arrecadação tributária, aumentar a dívida pública, desestimular o investimento produtivo e impactar negativamente o mercado de trabalho, com possível aumento do desemprego e retração na criação de postos formais de trabalho, sem apresentar resultados proporcionais no controle da inflação. O governo Lula, ao manter-se preso aos marcos do arcabouço fiscal e insistir em privatizações em saneamento, presídios, serviços públicos e infraestrutura, acaba por beneficiar o rentismo e limitar a possibilidade de um ciclo de desenvolvimento ancorado em justiça social e transição ecológica. A ausência de um horizonte mais ousado de reconstrução econômica e socioambiental impede o país de se desvencilhar do impasse histórico da polarização com a extrema direita.

20. O cenário internacional também se mostra adverso. O ascenso do neofascismo no mundo é uma resposta estrutural da burguesia à crise do capital.  São numerosos os exemplos de avanço da extrema-direita, como a recente vitória de Milei nas eleições legislativas da Argentina. De outro lado, o imigrante, mulçumano e socialista Zohran Mamdani é eleito prefeito de Nova York. Com o retorno de Donald Trump ao poder, as expressões do neofascismo encontram um novo eixo de articulação global, que se alimenta tanto do ressentimento social gerado pelo neoliberalismo quanto da frustração com as esquerdas. A extrema-direita brasileira se insere nesse movimento ultraconservador, podendo beneficiar-se de redes de financiamento ilícito, da manipulação das Big Techs e da legitimação internacional de um discurso disruptivo e antissistêmico. A recente reaproximação diplomática de Lula com Trump não deve ser interpretada como apagamento das diferenças ideológicas, mas como gesto ainda incerto de pragmatismo político e econômico que não elimina o antagonismo estratégico. Com a aproximação da prisão de Bolsonaro, esse apaziguamento inconcluso será testado.

21. A conjuntura apresenta armadilhas que podem reanimar a extrema-direita na disputa política. A chacina ocorrida em 28 de outubro de 2025 nos Complexos do Alemão e da Penha, em sangrenta megaoperação policial, evidencia uma política deliberada e inaceitável de segurança pública que se apoia no extermínio, tortura e na administração do medo. A operação resultou na morte de mais de 120 pessoas e segue o padrão letal que caracteriza a gestão do governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro, tratando moradores de favelas como “inimigos internos”. A lógica belicista configura uma estratégia consciente de mobilização de base, estimulando a adesão da extrema-direita, a partir do exemplo e do discurso de extermínio, à semelhança de experiências em outros países, como El Salvador. Devemos nos contrapor com veemência a essa política de morte, defendendo um modelo de segurança pública baseado em inteligência, planejamento, prevenção e garantia de direitos. A Operação Carbono Oculto prova que o enfrentamento ao crime organizado não exige políticas de extermínio, mas sim ações baseadas em inteligência, articulação entre instituições e foco no desmantelamento das estruturas de poder econômico que sustentam a violência.

22. Essa política interna de violência repercute também em escala internacional, aproximando-se de práticas intervencionistas e da lógica da “guerra às drogas” historicamente exportada pelos Estados Unidos na América Latina e agora reforçada e manipulada por Trump para alcance de seus objetivos geopolíticos A operação militarizada serve como pretexto para justificar medidas coercitivas, ao mesmo tempo que persegue objetivos políticos e eleitorais. A necropolítica aplicada nesta chacina, a mais letal da história recente do Brasil, serve para a construção de uma narrativa internacional de legitimidade da militarização e da doutrina de guerra, enquanto reforça um projeto de poder baseado na violência sistemática contra a população negra e pobre das favelas..

23. Existe em curso um projeto político da extrema direita, tanto à nível nacional quanto internacional, relacionado ao crescimento do neofascismo e também de coletivos feministas radicais, principalmente grupos antitrans disfarçados de movimentos em defesa das mulheres e crianças, que vêm se mobilizando em diversos espaços com fake news e ataques contra a população trans e travesti, fortalecendo a transfobia estrutural da sociedade. Recentemente isso se expressou na declaração de “independência” da LGB International Alliance do movimento LGBTIA+, evidenciando um afastamento de pessoas que eram consideradas “aliadas”. Nacionalmente esse fenômeno se expressa nos inúmeros PLs sobre uso de banheiros e contra a linguagem neutra, que se proliferam pelos interiores e capitais de vários estados do país, e as resoluções transfóbicas recentemente propostas pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) sobre as idades mínimas para o uso de bloqueadores hormonais, terapias hormonais e realização de cirurgias de redesignação sexual. Essas resoluções chegaram a ser suspensas pela Justiça Federal, mas foram restabelecidas pelo STF,  o que nos adverte de que o judiciário, apesar de alguns elementos progressistas e permeabilidade a eventuais vitórias da classe trabalhadora, é instrumento do aparato burguês. Rejeitamos essencialismos de gênero e entendemos a importância de aprofundarmos nossos acúmulos coletivos sobre transfeminismo e fortalecermos as mais variadas lutas da população trans e travesti.

24. É imprescindível fortalecer a luta e o debate pela descriminalização e legalização do aborto para garantir a defesa da vida, da saúde e da dignidade de todas as pessoas que gestam. Essa luta deve se dar nas ruas e nas instituições. Nas ruas, em 2024, tivemos grandes atos com o mote “Criança não é mãe”, e devemos continuar construindo mobilizações nesse sentido. Nas instituições, deve seguir a pressão para a votação da ADPF 442, que trata da descriminalização do aborto em gestações até 12 semanas, após a vitória do voto positivo de Barroso.

25. Apesar das limitações, Lula voltou para o jogo e, mais do que isso, na conjuntura atual é o favorito para as eleições presidenciais, todavia, não se pode subestimar a força da ultradireita. O bolsonarismo está profundamente enraizado na sociedade brasileira e permanece como uma ameaça concreta. A indefinição do nome que a representará pode retardar ou prejudicar o desempenho do candidato em um terreno em que cada palmo será significativo na disputa. Até porque também estão em competição o Senado, a Câmara Federal e os governos estaduais. Dependendo do resultado das eleições para o Congresso Nacional, a crise política pode se agravar no próximo período mesmo em um cenário de vitória de Lula.  

26. A melhora na avaliação do governo Lula tem sido importante para uma mudança na correlação de forças. Entregas como a retirada do Brasil do Mapa da Fome e diminuição da pobreza, a reforma do Imposto de Renda, a ampliação da tarifa social de energia elétrica, o programa “gás para todos” e o programa “pé-de-meia”  são significativas, mas falta apresentar rumo mais promissor para a classe trabalhadora, de luta por substantiva justiça social e ambiental, com políticas robustas e estruturais de combate à desigualdade social e transição energética. O balanço melhorou, mas e o futuro? A burguesia já apresenta sua agenda de Reforma Administrativa, desvinculação da saúde e educação dos mínimos constitucionais, venda dos Correios, privatizações etc. A luta contra a Reforma Administrativa é uma prioridade para o PSOL, pois representa a defesa do serviço público e dos direitos sociais. Em contraponto, as propostas de redução de jornada de trabalho e tarifa zero no transporte público, apontadas por Lula, são pistas relevantes de um programa de transformações profundas da realidade brasileira e que indicam a possibilidade de maior incidência de nossa linha política na construção do programa político para o quarto governo Lula.

27. O governo Lula recolocou o tema da tarifa zero no debate público, mas dentro de um modelo conciliador, que preserva a lógica empresarial do transporte. A gratuidade parcial, dependente de subsídios e concessões, não rompe com a estrutura privatizada e excludente. Nós devemos defender um modelo de tarifa zero universal e pública, financiado com recursos vindos da tributação de grandes fortunas, lucros bancários e empreendimentos imobiliários e gerido com transparência. O transporte gratuito não pode ser visto como serviço, mas como direito e instrumento de redistribuição de renda e democratização do espaço urbano.

28. A mobilidade gratuita transforma a vida das mulheres trabalhadoras, que são as principais usuárias do transporte público. A falta de acesso à cidade restringe a autonomia, aumenta custos domésticos e reforça desigualdades. Por isso, a tarifa zero é também uma política feminista, que garante liberdade de movimento e acesso à cidade, articulada a políticas de segurança, creches, iluminação e infraestrutura urbana. A luta pelo transporte gratuito se conecta à reforma urbana e à regularização fundiária popular, entendidas como parte de um mesmo projeto de democratização da terra e da moradia. O Subverta defende uma reforma urbana radical, construída com os movimentos populares, que reconheça a função social da propriedade, proteja territórios tradicionais e integre moradia, mobilidade e meio ambiente.

29. Para o PSOL apoiar Lula desde o 1º turno e reelegê-lo presidente é uma tarefa indispensável.  O retorno da extrema-direita ao governo nacional seria trágico. Reverteria o difícil processo de reconstrução do país naquilo que ele oferece desigualmente de liberdades democráticas e políticas sociais. Antes de tirarmos todos os esqueletos do armário, responsabilizando Bolsonaro e seus apoiadores também por seus crimes contra a saúde pública e o meio ambiente, estariam novamente à solta nos assombrando com o risco da barbárie, da regressão civilizacional e fechamento de regime. Daí a importância de uma frente ampla contra o bolsonarismo em que o PSOL não se deixe diluir e tensione pelo  fortalecimento da esquerda socialista e dos movimentos sociais combativos. Nossos esforços devem também se dirigir a eleger mais parlamentares do PSOL, especialmente na Câmara Federal, com o objetivo de ultrapassarmos novamente a cláusula de barreira e contribuir para uma composição mais progressista e de esquerda do Congresso Nacional. É preciso impulsionar uma campanha nacional por um Congresso do Povo! As mobilizações de 21 de setembro levaram às ruas um sentimento: o Congresso é inimigo do povo! Vota pelos ricos, por seus interesses próprios e impede que as verdadeiras medidas em favor da classe trabalhadora avancem. Diante disso, devemos articular uma campanha nacional por um Congresso do Povo, comprometida com os direitos sociais e ambientais, com a soberania, a democracia e o enfrentamento à vergonhosa desigualdade social que tolhe o desenvolvimento do Brasil. Fazer da próxima campanha eleitoral um processo de fortalecimento de nossas lutas e militantes nos estados e em cada território, de afirmação do ecossocialismo e da luta antifascista.

30. O apoio do PSOL à reeleição de Lula é fundamental, mas também é necessário construir caminhos para que a esquerda supere a conciliação de classes. Nesse sentido, desejamos êxito a Boulos na tarefa de aprofundar a guinada à esquerda do governo Lula, apoiaremos portanto com firmeza sua gestão, mas avaliamos que seu papel mais estratégico seria seguir no parlamento aliado às lutas sociais e posteriormente disputando as eleições para a Câmara Federal ou Senado. O PSOL apoia Lula para derrotar o bolsonarismo, mantendo autonomia crítica para se preservar como alternativa de esquerda à conciliação de classes.  É essencial mirarmos a formação de um novo bloco histórico anticapitalista, enraizado nos movimentos sociais e na esquerda socialista, capaz de articular a luta por democracia radical, justiça social e uma transição ecossocialista. A justiça social não pode depender apenas da modesta progressividade do imposto de renda que agora se conquista, e sim deve ser financiada por impostos sobre grandes fortunas e pela taxação de lucros e dividendos. É preciso desalinhar a economia brasileira dos padrões neoliberais, que privilegiam o capital especulativo e aprofundam a desigualdade social. As isenções e desonerações devem ser drasticamente reduzidas para garantir recursos ao financiamento de políticas sociais. De nada adiantará para o povo uma economia reprimarizada, excludente e destruidora do meio ambiente.  É crucial que se enfrente a superexploração e a precarização do trabalho, bem como os novos processos de superacumulação promovidos pela plataformização, em que grandes grupos capitalistas obrigam os trabalhadores a fornecer seus próprios meios de produção e a cumprir jornadas intermináveis, sem a garantia de direitos trabalhistas. É necessário construir uma economia voltada para atender às necessidades humanas e à regeneração da vida no planeta, com controle social dos bens comuns e redistribuição radical da riqueza.

31. No mês de novembro, será decisivo fortalecer o Novembro Negro e a Marcha das Mulheres Negras que ocorrerá em Brasília, como expressão de organização e enfrentamento ao racismo e à violência, além da afirmação do protagonismo das mulheres negras e da luta pelo Bem Viver. O tema da reparação assume papel central, especialmente com o avanço do debate sobre a PEC da Reparação por Igualdade Racial e Justiça Histórica e Social. Além disso, em conjunto com o debate sobre a COP 30, o mês será fundamental para denunciar e aprofundar a discussão sobre o racismo ambiental sentido por nosso povo preto e indígena. 

32. A Cúpula dos Povos precisa ser reafirmada como estratégia central e prioritária de articulação dos movimentos sociais. A Cúpula expressa uma política própria dos povos, enraizada nos territórios, internacionalista, autônoma e anticapitalista, que se coloca em continuidade, antes e depois das negociações oficiais, orientando nossa força coletiva para transformar estruturas, e não apenas influenciar declarações diplomáticas. Reconhecemos que a COP, especialmente em Belém, oferece uma oportunidade tática de visibilidade e articulação internacional, distinta pela presença da Amazônia e dos povos originários no centro do debate. No entanto, seguimos conscientes de seus limites históricos, marcados por avanços mínimos e pela captura corporativa dos espaços de decisão. Por isso, nossa estratégia não se fixa na COP: é a mobilização das organizações populares, a construção de alianças entre os povos e a disputa cotidiana nos territórios que seguem sendo o caminho para enfrentar a crise climática e impor uma transição socioecológica justa.

33. A COP 30 pode abrir brechas, especialmente diante dos 10 anos do Acordo de Paris e da necessidade de reafirmar a proteção das florestas com protagonismo dos povos amazônicos. Mas é a luta organizada, enraizada e internacionalista que seguirá sendo o eixo estratégico para enfrentar a crise climática e disputar os rumos da transição socioecológica.

5 de novembro de 2025
Subverta – Coletivo Ecossocialista e Libertário
Tendência Interna do PSOL


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