Manifesto das Mulheres Negras da Subverta por Reparação e Bem Viver

1. A nossa história é de luta

A luta das mulheres negras por direitos é ancestral, coletiva  e continua até os tempos atuais. Desde os tempos da escravização, fomos líderes das revoltas, organizadoras das irmandades, fundadoras de quilombos e guardiãs da liberdade. Quando a líder abolicionista e negra escravizada Sojourner Truth discursou em 1851 na Convenção dos Direitos Humanos em Akron (Estados Unidos), a mesma, em seu discurso intitulado “E eu não sou uma mulher?”, evidenciou mundialmente todo o contexto de desumanização e ausência de direitos  que vivenciavam a maioria das mulheres negras e racializadas, em geral, não somente estadunidenses como de todo o mundo.

As nossas ancestrais negras foram essenciais para a fundação do atual movimento em defesa da classe trabalhadora; quando organizadas como quitandeiras, tiveram papel crucial na luta abolicionista. Não podemos deixar de lembrar que a resistência negra que fundou os quilombos no Brasil são a primeira expressão da luta de classes e por direitos humanos e trabalhistas em território brasileiro. Os quilombos foram os primeiros rincões, junto às aldeias indígenas, de resistência contra a colonização. Por isso, acreditamos na força das mulheres negras e indígenas como reais sujeitos revolucionários do nosso tempo.

Por isso, enfatizamos neste manifesto que nossos  corpos e nossas vozes abriram caminhos desde muito tempo, rompendo com séculos onde só havia silêncio imposto e dor às nossas irmãs e ancestrais. No Brasil, fomos parte das insurreições, das redes de solidariedade e das construções de mundos possíveis, mundos onde a dignidade, a autonomia e o cuidado são práticas de resistência.

2. Um legado que atravessa gerações

Em 2015, mais de 50 mil mulheres negras marcharam sobre Brasília contra o racismo, a violência e pelo “Bem Viver”. Foi um marco histórico que transformou o cenário político e social do país, afirmando que sem as mulheres negras não há democracia, não há justiça, não há futuro.

Aquela marcha não foi o fim de um ciclo, mas o início de um novo tempo. Um tempo em que a memória se tornou instrumento de luta, e a marcha, um movimento que organizou diversos coletivos de mulheres negras por todo o país, um movimento vivo que se renova a cada passo dado por nós, mulheres negras de todas as idades, territórios e ancestralidades.

O projeto “Bem Viver” passou a ser o alicerce condutor da luta das mulheres negras brasileiras que marcham em defesa de direitos sociais e ambientais cerceados às mesmas e também a seus filhos/filhas, interpretados muitas vezes como ameaça a um Estado capitalista e desigual étnico-racialmente. 

3. O que queremos

Queremos reparação histórica em espaços de escolarização, profissionalização, liderança e decisivos no conjunto da estrutura social brasileira. Queremos reparação material no que tange aspectos relacionados à mobilidade social e mudança radical na estrutura social da pirâmide brasileira,  onde sempre mulheres negras se mantiveram na sua base, sendo esmagadoramente representadas por subempregos e condições de subalternização. Queremos justiça para as nossas e os nossos irmãos que foram e continuam sendo silenciadas pela violência do Estado e pelo racismo estrutural. A atual chacina realizada pela gestão do governo Cláudio Castro na cidade do Rio de Janeiro, precisamente nos Complexos do Alemão e da Penha, resultando na execução de 130 pessoas, vem a ser a prova cabal de que o projeto de “Necropolítica” visa eliminar os corpos dos nossos filhos, amigos e entes próximos sob a completa legitimação de  um projeto de Estado. 

Sendo assim, reforçamos que queremos viver num país onde mães não precisem chorar seus filhos assassinados, onde mulheres negras não sejam empurradas para a margem, onde o luto não seja o único laço que nos une.

Queremos terra, moradia digna, educação pública de qualidade, sistema de saúde eficaz, justiça reprodutiva e liberdade de trânsito em qualquer território. Queremos poder existir com dignidade e alegria, celebrando nossa cultura afro-brasileira e toda a potência da nossa corporeidade nos espaços.

4. Por um futuro de Bem Viver

O Bem Viver que defendemos não é utopia distante. É o direito de viver em harmonia integral com o meio em que vivemos, ressaltando: a importância  das lutas populares pela distribuição de terra e em defesa das pautas socioambientais, dos movimentos em defesa da água como um direito humano irrestrito, combatendo assim a privatização das companhias de distribuição de água, e a defesa dos direitos dos povos indígenas e de comunidades tradicionais e quilombolas, preservando suas memórias e histórias. É o enfrentamento ao modelo de destruição que mata nossos corpos e devasta nossos territórios. É um combate direto ao racismo ambiental, que coloca em risco a dignidade das famílias lideradas por essas mulheres negras, que são maioria em nosso país.

É a afirmação de um outro modo de existir, onde a vida vale mais do que o lucro, onde a solidariedade vale mais do que o poder.

Marchamos por uma vida em que o cuidado coletivo substitua o abandono e em que a política seja o espaço da escuta, da partilha e da reparação.

5. Seguimos em marcha

Dez anos depois, o chamado ecoa novamente.

No dia 25 de novembro de 2025, estaremos junto à Marcha de Mulheres Negras, junto às mulheres negras, quilombolas, marisqueiras, urbanas e rurais, travestis e transexuais, lésbicas e bissexuais, indígenas, periféricas, mulheres de fé e de luta, todas irmanadas na construção de um mundo reparado e possível.

Seguiremos carregando o legado das que vieram antes, afirmando a força das que estão agora e abrindo caminhos para as que virão.

Seguimos em marcha. Seguimos vivas. Seguimos tecendo o futuro com as mãos firmes das nossas ancestrais.

Por Reparação e pelo Bem Viver!


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Sobre subvertacomunica (125 artigos)
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