Do racismo amarelo ao cancelamento do estrogonofe
Quando as caravelas dos europeus chegaram nesse continente não existiam diferentes raças humanas, foi aí que elas foram criadas. Começa pela declaração da descoberta da América, pois só se descobre um território já habitado quem não enxerga humanidade nos nativos daquele local. Antes dos europeus, os polinésios já haviam estabelecido comércio com a parte sul de Abya Yala [1]. Chineses possuíam mapas de toda a costa, provando que já sabiam da existência do continente, mas optaram por deixá-lo em paz. Os povos conhecidos como vikings também haviam se assentado no norte, mas foram somente os europeus da época das Grandes Navegações, munidos com a doutrina proto-capitalista do mercantilismo, que chamaram Abya Yala de “Novo Mundo” e agiram exatamente como alienígenas que invadem a Terra como sempre o fazem nos filmes de Hollywood: trazendo guerra, destruição e dominação.
O racismo é a técnica usada para viabilizar a violência necessária para o empreendimento colonial da construção da América (note que conjuguei no presente), cujo primeiro passo foi a desumanização dos povos nativos. A palavra indígena é o antônimo de alienígena, e só há necessidade de afirmar uma identidade indígena (aquele que vem de dentro) quando há um invasor: o alienígena (que vem de fora). Ser indígena foi uma identidade imposta pela existência do colonizador, e é nesse sentido que afirmo que ninguém tem raça. Seres humanos não possuem raça tanto no sentido biológico quanto num sentido análogo ao que disse Simone de Beauvoir quando afirmou que “ninguém nasce mulher, torna-se mulher”. Ninguém possui raça, ninguém é negro, branco ou cigano, as pessoas são lidas como negras, brancas ou ciganas e, portanto, racializadas.
Neste texto, falarei do racismo enquanto tecnologia, destacando seus elementos universais, ou seja, comum a todas as pessoas racializadas, mas para isso usarei alguns fatos históricos que formaram o conteúdo do racismo em particular contra amarelos para ressaltar um aspecto importante da racialização: sendo leitura social, e não algo essencial das “raças”, é algo que varia no tempo-espaço.
Racismo enquanto tecnologia social
As classes dominantes criam, incentivam e difundem um discurso sobre o Outro, que é respaldado pela relação de poder e dominação, sobre esse segmento da população. É similar ao que nos demonstra Edward Said em “Orientalismo: O Oriente como invenção do Ocidente”, em que, a partir da invasão do Egito pelo exército francês de Napoleão Bonaparte, foi estabelecida uma divisão (artificial como toda fronteira nacional), entre um mundo dito Ocidental e outro, Oriental. Oras, se o mundo é redondo (e sim, ele é!) para que seja possível traçar uma reta em sua metade e declarar que há “dois lados” é necessário, arbitrariamente, escolher onde exatamente será essa reta, pois teoricamente pode ser em qualquer lugar. E como impedir que cada um trace a sua própria reta e faça a sua própria divisão? Estabelecendo a sua reta como a oficial, a que produz efeitos materiais no mundo – e isso ocorreu através da força, é claro. Said também nos lembra de que se um é diferente do outro, então temos que saber quem é o “um” na frase. E o diferente ‒ é diferente de quem? O Ocidental só existe para se confrontar com o Outro, o Oriental, e assim também o é com raça: presume-se o Branco como padrão, normal, universal, e o Outro é o oposto, o não-branco é criado como aquele que foge da norma, e, portanto, deve ser punido; inferiorizado.
Por isso, falo de racialização tanto para denotar ser um processo quanto para fugir da visão essencialista de raça como inerente, enquanto racializade enfatiza que raça é uma relação de poder, uma imposição social (além de estar adequado a uma neolinguagem de pronome neutro, por conta de outras relações de poder e opressão). A racialização usa marcadores raciais para identificar um segmento da população e podem ser um conjunto de fenótipos, como a cor da pele, o formato do nariz e olhos e características do cabelo. Existem também marcadores que não são visuais, como a língua, roupa, maquiagem e outros traços culturais, étnicos e religiosos; tudo isso depende do contexto e da construção histórica.
Com a delimitação das pessoas racializadas fica estabelecida uma espécie de mecanismo, como uma infraestrutura capaz de entregar o conteúdo que vai formar a imagem sobre esse segmento da população. A racialização reduz toda a riqueza do universo interno de cada indivíduo a meros estereótipos que, como um forte campo gravitacional, deforma a visão que temos dessas pessoas. Nossa visão das pessoas racializadas é inconscientemente capturada pela órbita desses estereótipos.
Um exemplo disso é o estudo que contabilizou os adjetivos usados pelos relatórios de olheiros profissionais ao avaliar potenciais jogadores de futebol americano. Enquanto brancos eram mais avaliados pelo seu intelecto, negros eram avaliados por aspectos físicos e corporais, às vezes com teor animalesco. O branco é ‘inteligente’ ou ‘astuto’, o negro ‘uma fera’ ou tem ‘ombros largos’. Enquanto brancos tinham seus méritos, presentes e futuros, reconhecidos, e são julgados como líderes ou como pessoas que aprenderam ou aprenderão certos aspectos do jogo, aos negros eram citados fatores sobre os quais eles não têm controle, expressando de maneira deterministica como ‘incapazes de aprender’ [2].
Sendo raça leitura social, não há incoerência nenhuma em alguém “ser” branco no Brasil e ao mesmo tempo latino nos EUA e Europa. Se para os brasileiros a pessoa é lida de acordo com os padrões socioculturais historicamente construídos como branco e beneficiada pela estrutura racial feita para lhe privilegiar, então ela “é” branca. Se num diferente contexto, como numa viagem à Europa, ela não é tratada como branca e é inclusive vítima de racismo, isso não faz com que não existam brancos no Brasil, só evidencia que a categoria racial é leitura social e, como tal, apresenta variações no tempo-espaço. Inclusive aquele que é entendido como branco ou negro em Santa Catarina é diferente de Bahia, e esse aparente conflito lógico é resolvido quando se vê a racialização como leitura social e não algo da essência da pessoa.
Mesmo na esquerda muitos têm a visão essencialista de raça e quando surge algum nazista no Brasil sempre aparece alguém para dizer que é incoerente, porque essa pessoa não seria considerada como ariana pelos nazistas originais. Falar em racialização e leitura social ajuda a resolver esse conflito, mas, sinceramente, não acho que é com lógica que devemos combater o nazismo.
A seguir, pincelo alguns eventos históricos relevantes para o racismo contra amarelos, particularmente com japoneses, para exemplificar a historicidade da categoria racial.
Do Perigo Amarelo à Minoria Modelo no Brasil
No dia 28 de maio de 1905 a segunda Esquadra do Pacífico do exército russo havia tentado passar despercebida pela neblina ao cruzar o estreito de Tsushima, que divide o Japão da península coreana, mas foi interceptada pela Marinha Imperial Japonesa, e a batalha só pode ser descrita como uma bela surra: os russos perderam, tendo, entre mortos e capturados, quase 10 mil soldados e 6 de seus 11 couraçados – os maiores e mais importantes navios – enquanto os japoneses perderam 117 soldados e 3 pequenos navios torpedeiros. A batalha não só garantiu a vitória nipônica na Guerra Russo-Japonesa como também foi a primeira vez que uma potência ocidental foi derrotada por um país oriental.
O grande número de trabalhadores chineses e indianos que imigraram para países ocidentais como mão de obra mais barata que a local já era indício, no século XIX, do seu processo de racialização. Eram chamados de coolies [3] de forma pejorativa, e em algum momento os chineses, seus descendentes, e outros asiáticos com fenótipos parecidos, como japoneses, coreanos, mongóis e alguns vietnamitas, passaram a ser chamados de amarelos. As narrativas racistas em torno deles ficaram conhecidas como Perigo Amarelo.
A vitória japonesa sobre a Rússia e o medo de que a China revidaria as humilhações que vivia reacenderam o perigo amarelo, como bem ilustrado nas cartas que o Imperador Alemão Wilhelm II escrevia para seu primo, o então Czar da Rússia, Nicolau II, incentivando-o a entrar em guerra contra o Japão, argumentando que a Rússia fora escolhida por Deus para defender a “raça branca, e com isso, a civilização cristã, contra a raça amarela”. [4]
Em 1907 os EUA fecharam um acordo tácito com o Japão para proibir a imigração entre os países de forma que, à procura de um novo destino, em 1908 chega por aqui o Kasato-maru, primeiro navio de japoneses no Brasil. A sociedade brasileira vivia um impasse: a necessidade da substituição da mão-de-obra escravizada e a necessidade de “embranquecer” a população, desígnios declarados do Estado, que trazia a demanda de atrair imigrantes brancos e europeus. O oposto, porém, estava acontecendo: mais europeus saíam do que entravam no Brasil [5], e, do outro lado, japoneses precisavam trabalhar em outros países e enviar dinheiro para suas famílias, mas o racismo anti-amarelo limitava suas opções. O Brasil precisou decidir se aceitaria japoneses ou não, e pessoas como o jornalista carioca Vivaldo Coaracy escolheram seu lado. Em uma série de artigos publicados entre abril e junho de 1942, Coaracy afirmou coisas como:
“[Os japoneses] São uma raça que os deuses criaram, separaram e mantiveram afastada das outras, para especiais desígnios e altos destinos (…) “Não é possível compreender o temperamento e caráter duma raça sem conhecer alguns dos elementos de sua formação histórica. Aliás, é mais próprio dizer ‘povo’, pois o conceito de raça está um tanto desacreditado. Só os teoristas do nazismo ainda admitem” (…) povo inassimilável, fisicamente inferior, moralmente diferente do nosso, instrumento passivo de uma política imperialista.”[6]
Digamos que a posição que prevaleceu no Brasil até então era que amarelos eram piores que brancos, mas melhores que negros e indígenas; era “o que tinha para hoje” e sua imigração foi aceita sob restrições e perseguições, inclusive jurídicas, principalmente na Ditadura de Getúlio Vargas. Enquanto isso, toda a Ásia caía perante o imperialismo branco, exceto o Japão, que tornou-se a maior potência asiática, derrotou a Rússia, lutou ao lado da vencedora Tríplice Entente na Primeira Guerra Mundial, ganhando assento na Conferência de Paz em Paris, em 1919, onde propôs a inclusão de uma Cláusula de Igualdade Racial para o documento que seria publicado pela Liga das Nações. A cláusula foi barrada pela Inglaterra e pelos Estados Unidos. Episódios como esse só mostram como a Liga das Nações, precursora da ONU, e cuja missão era evitar uma nova guerra mundial, estava fadada a fracassar.
O elemento racial nas guerras mundiais e nas invasões coloniais, neocoloniais e imperialistas que as antecederam, é muitas vezes esquecido ou subestimado. Esquecemos que os judeus eram considerades uma raça e não um grupo religioso ou étnico, ou seja, foram racializades pelos nazistas. Esquecemos declarações como a de Winston Churchill na Comissão Peel de 1937:
“Não admito, por exemplo, que tenha havido um grande erro em relação aos índios vermelhos da América ou ao povo negro da Austrália. Não admito que tenha havido qualquer erro pelo fato de uma raça mais forte, uma raça de grau superior, uma raça global mais sábia, para colocar nestes termos, ingressar no território e ocupar seu lugar”
Humilhado e não considerado como um igual nem pelos seus aliades, o Japão adotou a doutrina Showa, juntou-se aos fascistas[6] italianos e alemães, e tornou-se imperialista ele mesmo. Como não há imperialismo sem capitalismo, nem capitalismo sem racismo e colonização, o Japão racializou os seus vizinhos asiáticos, opondo-se enquanto raça superior, como aqueles que não caíram perante os brancos e que precisava salvar coreanos, chineses, filipinos, vietnamitas e demais nações que o Japão invadiu no leste e sudeste asiático.
Os horrores praticados pelos japoneses durante a Segunda Guerra Mundial foram tão cruéis, violentos e desumanos quanto os praticados pelos nazistas: só para ilustrar esse ponto, oficiais japoneses fizeram competições para ver quem, no mesmo período de tempo, decapitava com uma katana mais prisioneiros de guerra chineses – e esse não foi o ato mais desumano praticado no chamado “estupro de Nanquim”[8]. Os coreanos foram proibidos de falar sua língua e usar seus nomes tradicionais, sendo sistematicamente escravizados para lutar as guerras do Império do Sol Nascente ou para trabalhar no Japão, onde até hoje seus descendentes vivem como uma casta inferior que sobrevive fazendo aquilo que é considerando como os trabalhos mais degradantes [9].
Por sua vez, os horrores praticados pelos nazistas não foram sem precedentes na história mundial; pelo contrário, foram a regra em todos os países colonizados pelos europeus e norte-americanos, sejam os da África, Oceania, Ásia e, claro, América/Abya Yala. O que há em comum entre eles é o racismo enquanto a tecnologia social utilizada para viabilizar a prática dessas atrocidades de maneira tão sistemática, intensa e sob longo espaço de tempo. O irônico é que enquanto os japoneses racializaram os demais asiáticos, para criar uma raça japonesa tão superior quanto a branca, a branquitude sempre enxergou japoneses tão amarelos quanto os chineses, coreanos e outros dominados por elus.
Com o fim da Segunda Guerra Mundial, houve uma grande campanha de desmoralização do nazismo enquanto a exceção entre capitalistas e o inverso aconteceu com o Japão, por causa do anticomunismo.
As bombas lançadas em Hiroshima e Nagasaki foram atalhos para obter a rendição do Japão antes dos soviéticos [9]. A derrota do Império do Sol Nascente deixou o Japão destruído, esgotado e seus políticos desacreditados, exceto pelos dois únicos partidos que não haviam apoiado a guerra: o Partido Socialista Japonês e o Partido Comunista Japonês [10]. Para evitar que eles ganhassem as eleições, os EUA intervieram pesadamente e ocuparam o Japão e ao invés de desmantelar o sistema racista e imperialista, reconduziram os mesmos que estavam no poder, reabilitando sua imagem. Tudo porque a prioridade era impedir que o país se tornasse comunista, seguindo o caminho da China, Vietnã, Laos e Coreia. O imperador continuou no lugar, poucas punições foram aplicadas e não ocorreu um “Nuremberg” do Pacífico. Assim inicia-se a propaganda do “Cool Japan” (em tradução literal, “Japão Legal”), usando o Japão de vitrine do capitalismo para conter a expansão vermelha – houve reconstrução do país em tempo recorde, desenvolvimento tecnológico, exportação cultural com animes, mangás, culinária e outros aspectos para o ocidente, destacando cada vez mais os japoneses dos demais amarelos. Porém, como o capitalismo é incapaz de romper com o racismo, o máximo que se conseguiu foi criar o mito da ‘Minoria modelo’.
Acabar com o racismo indo pela raiz
Enquanto o ‘Perigo Amarelo’ informa um estereótipo ameaçador, violento e traidor, a ‘Minoria modelo’ apresenta um conteúdo diferente aos amarelos, especialmente os japoneses e seus descendentes (nikkei). A minoria modelo é disciplinada, boa em matemática e artes marciais, educada – entre outros adjetivos positivos; e é usada pela branquitude como um exemplo de como as minorias poderiam ser, o que inclui serem dóceis e a favor da ordem vigente, racista. É como quando alguém cita uma pessoa negra que alcançou uma posição de poder, tipo Ministro do Supremo Tribunal Federal, para dizer que racismo não existe, só que com toda uma raça.
O mito da minoria modelo não deixa de ser racista na medida em que continua reduzindo a complexidade de seres humanos a estereótipos. O nikkei que estuda muito para ser bom em matemática tem seu esforço menosprezado. E essa racialização continua servindo para justificar violências (até hoje é comum no Brasil a ‘piada’: garanta sua vaga no vestibular, mate um japonês) e opressões. A representatividade amarela na TV e cinema segue um padrão similar ao de outras minorias raciais, com sub-representação de atores e atrizes, maior facilidade de descartar profissionais e menos chance de serem protagonistas, assim como a forma como são caracterizados as personagens reforçar os estereótipos.
Na história brasileira, amarelos não sofreram violências tão intensas quanto negros e indígenas; meu argumento é que entender melhor o mecanismo do racismo nos ajuda a chegar na raiz da luta antirracista. O racismo é estrutural ao capitalismo, justamente por ter nascido junto da colonização, e ambos, racismo e colonialismo, são estruturantes do capitalismo, que não teria surgido, nem se manteria hoje em dia, sem esses elementos. O motivo do Japão ter criado um império racista é diretamente relacionado ao fato de ter aderido ao capitalismo quando fez sua transição por meio de uma revolução de cima para baixo, conhecida como Restauração Meiji, após a qual abraçou o ethos ocidental. O Japão tornou-se a minoria modelo ao tentar ser igual aos brancos, capitalistas, colonialistas e racistas.
Ainda que no Brasil tenham existido campos de concentração para amarelos, como o de Tomé Açu, há pouca solidariedade antirracista da parte dos amarelos em relação aos demais. Talvez o processo histórico brasileiro, como o mito da democracia racial e miscigenação dos povos, tenha sido eficiente em produzir pouca consciência de sua própria racialização; talvez os privilégios obtidos por ser da minoria modelo – que se reflete em uma passabilidade branca – tenham contribuído para tal.
Não temos muitos elementos de opressão anti-amarelos no contexto histórico brasileiro, que é por sua vez absolutamente baseado no racismo anti-indígenas e negros, porém o orientialismo explica boa parte da história mundial que depois se desdobra no racismo anti-amarelo, que em um período se confundiu com o anticomunismo, sobretudo na guerra do Vietnã e da Coreia. Entender o amarelo enquanto raça é útil para compreender melhor o racismo em si e para despertar a consciência racial de amarelos e fomentar a solidariedade na luta antirracista, partindo de uma perspectiva que a luta deve ser pelo fim do próprio conceito de raça.
Evidenciando o quanto o racismo mantém o mecanismo de racialização ativo e com um conteúdo fluido, quero finalizar o texto destacando três eventos: a ascensão do kpop, o início da pandemia de Covid-19 e a guerra na Ucrânia.
Similar à campanha Cool Japan, o gênero musical do kpop é uma tática de soft power que tem sido bem-sucedida, ao lado dos doramas e filmes sul-coreanos, para combater o comunismo e fomentar o estereótipo da minoria modelo. As mulheres amarelas sempre foram hipersexualizadas, mas o kpop fomentou uma hipersexualização de um tipo específico de homem amarelo, que se pareça com os cantores e dançarinos sul-coreanos, os idols. Isso tem se refletido em todos os amarelos no Brasil, mesmo aqueles sem ascendência coreana, e tem recebido o nome de Febre Amarela.
A facilidade com que pessoas acreditaram que a pandemia havia começado porque chineses comem sopa de morcego é facilitada pelo orientalismo, anticomunismo e racismo anti-amarelo, que desumaniza chineses como pessoas exóticas e sujas. Assim como o súbito aumento de agressões contra pessoas amarelas no mundo inteiro, às vezes por vingança, e às vezes sob uma premissa totalmente irracional de que elas portavam o vírus, como se houvesse sido teletransportado por genes ancestrais direto da China para o corpo de amarelos ao redor do mundo.
Algumas reações à Guerra na Ucrânia demonstram um possível processo de racialização: se, por um lado, eu mencionei anteriormente a Rússia como o baluarte da raça branca, no contexto da guerra contra o Japão, por outro lado, em 2018, a revista Wall Street Journal publicou matéria intitulada, em tradução livre, “Rússia volta-se ao seu passado asiático, no qual usam até do legado do mongol Genghis Khan para justificar o imperialismo russo [12]. Desde a invasão na Ucrânia as reações deram um passo além, como o cancelamento de um curso de Dostoievski [13] e a escolha de um restaurante paulista de não servir mais uma receita russa, o estrogonofe [14]. Essas reações partem de uma visão essencialista, como se agora descobríssemos que russos são seres inerentemente ruins, sendo necessário retroagir no tempo e “cancelar” autores e receitas, enquanto o mundo parece ter se decidido que ucranianos são, sim, brancos, e se choca ao ver crianças de olhos azuis – um dos marcadores raciais mais conhecidos da branquitude – morrendo [15].
Racializades de todo o mundo, uni-vos.
Por Jay Hirota
[1] O nome que o movimento indígena contemporâneo deu a esse continente
[3] Famosos por aparecerem em filmes de Faroeste construindo trilhos de trem em regimes muito parecidos com o de escravidão
[4] https://en.m.wikipedia.org/wiki/Russo-Japanese_War
[5] UENO, Luana Martina Magalhães. O duplo perigo amarelo: o discurso antinipônico no Brasil (1908-1934)
[6] Uma breve análise dos artigos reeditados em livro sob o título O Perigo Japonês pode ser conferida em NUCCI, Priscila. O perigo japonês
[7] Há boas discussões sobre se esse regime no Japão pode ser considerado fascista. A posição do marxista japonês Tosaka Jun é particularmente interessante
[8] https://www.youtube.com/watch?v=lnAC-Y9p_sY
[9] https://open.spotify.com/episode/75IgnDx2VDtH36US5p74wf?si=Wtd3tF3sTkK2xvxODPBScw
[10] Entre outros exemplos, como a unidade 731 e as ‘mulheres de conforto’.
[11] https://lavrapalavra.com/2021/02/12/a-teoria-marxista-no-japao-uma-critica-geral/
[12] https://www.wsj.com/articles/russias-turn-to-its-asian-past-1530889247
[14] https://catracalivre.com.br/mais/bar-retira-strogonoff-protesto-russia-piada/
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