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O privilégio de pagar pela liberdade: os casos Daniel Alves e Robinho e a falência da justiça para mulheres vítimas de estupro

Ontem, mais uma vez, as mulheres receberam um duro golpe: o jogador Daniel Alves, condenado por estupro, recebeu o direito de cumprir sua pena em liberdade provisória mediante o pagamento de um milhão de euros à justiça espanhola.

Essa medida expõe a contradição: cadeia é só pra pobre. O corpo da mulher é comprável, contanto que você tenha dinheiro o suficiente. 

O caso envolvendo o jogador veio a público em 2023, quando uma jovem de 23 anos o acusou de estupro em uma casa noturna de Barcelona, em dezembro de 2022, tendo sua prisão preventiva decretada. A justiça espanhola julgou o jogador como culpado este ano, condenando ele a quatro anos e meio de prisão. Este tempo de prisão já vinha sendo questionado, uma vez que a família de Neymar pagou cerca de R$800 mil no início do processo e conseguiu reduzir a condenação final de Alves. No sistema jurídico espanhol, essa multa se chama “atenuante de reparação de dano causado”. Os homens, como sempre, atuam para se proteger. E a justiça instituída encontra uma forma de tornar isso possível. 

Na época, o caso ganhou repercussão pública também em função do protocolo “No Callem”, iniciado pela casa noturna onde o episódio aconteceu, o que possibilitou a coleta imediata das provas e assistência à jovem agredida. Este protocolo tornou-se referência no mundo todo em como envolver estabelecimentos na assistência e cooperação com os órgãos responsáveis pelo processo de apuração de situações de violência, abuso e assédio sexual. Medidas desde o isolamento da vítima e do agressor, acionamento dos órgãos de saúde, entre outros, estão dentro do protocolo que tem servido como referência para vários países sobre como lidar com estes casos. 

Mas agora, a mesma justiça espanhola, forçada a aprovar a legislação em 2018 que instituiu o No Callem, autoriza a liberdade provisória do jogador. Há uma contradição aqui: ainda que existam mecanismos capazes de garantir cuidados mínimos em casos de violência sexual, instituídos não porque a justiça espanhola é boa ou feminista, ainda temos um sistema de justiça falho em sua totalidade, que negocia os corpos e as vidas das mulheres para aqueles que podem pagar pela sua liberdade, mesmo que condenados. 

Debater o abolicionismo penal é um debate de classe, raça e gênero: uma mulher na periferia tem muito menos condições de acessar mecanismos de acolhimento e tratamento em casos de violência, seja por não poder chamar a polícia quando sofre violência doméstica por medo da repressão à sua comunidade, seja pela indisponibilidade de muitos serviços. Uma mulher que foi estuprada por um homem rico verá seu caráter ser questionado eternamente, enquanto seu agressor segue em liberdade. 

Em uma perspectiva abolicionista, a defesa do fim das prisões se dá por considerá-las racistas, e que não resolve nenhum problema da sociedade (na verdade acentua). O sistema penal se entrelaça com o capitalismo para separar o “cidadão de bem”, majoritariamente brancos, das “pessoas do mal”, criminosas que não merecem viver em sociedade, majoritariamente negras. No entanto, considerando que vivemos em uma sociedade extremamente violenta para as mulheres, defender a prisão de homens que cometeram estupro é uma tática necessária para dar o mínimo de segurança para a vítima, mesmo não perdendo de vista o horizonte político abolicionista. 

Daniel Alves teve direito à sua defesa e à apresentação da sua versão do ocorrido. Versão essa que foi alterada inúmeras vezes durante todo o processo. Não se trata aqui de questionar o direito de defesa ou de cair em uma contradição muito comum ao Brasil onde setores dos movimentos, em sua maioria brancos e ricos, seguem lógicas punitivistas que em muitos momentos reproduzem o racismo e o classismo presentes estruturalmente em nossa sociedade. Trata-se de levantar um questionamento sobre quanto vale o corpo de uma mulher para quem pode pagar para garantir sua liberdade em casos de violência. 

A justiça não protege as mulheres. A polícia não protege as mulheres. Deputados não protegem as mulheres. Nós, mulheres (feministas), protegemos umas às outras. 

CASO ROBINHO

No final de 2020, Robinho, jogador de futebol brasileiro, foi condenado em primeira instância na Itália por participação em um estupro coletivo em 2013. Robinho foi condenado a nove anos de prisão pela Justiça da Itália, por um crime de estupro ocorrido em 2013.

Quando houve a decisão em última instância, em janeiro de 2022, Robinho já estava no Brasil. Como o país não extradita seus cidadãos, a Itália pediu o cumprimento da pena em território brasileiro. A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, por 9 votos a favor e 2 contra,  pelo cumprimento da pena por estupro e que a decisão que deve ser cumprida pela Justiça Federal de Santos, onde Robinho mora. 

Apenas 3 dias antes do julgamento brasileiro, o jogador teve espaço no canal de televisão aberta, TV Record, em que afirmou inocência. A entrevista tem sido amplamente divulgada na mídia brasileira, tanto em jornais, televisão e em todas as redes sociais escancarando a relativização da violência de gênero sofrida pelas vítimas e com clara tendência a minimizar a gravidade das acusações, focando mais na carreira do jogador do que no crime em si. Além disso, vários comentaristas e torcedores se apressaram em defender Robinho, questionando a veracidade das acusações e até mesmo culpando a vítima.

Sabemos que o patriarcado é estruturante na sociedade capitalista e que as instituições da justiça não protegem as mulheres de seus agressores, nem promovem justiça na maioria dos casos. 

No entanto, mesmo quando a justiça condena estupradores, a mídia representa um papel essencial na naturalização da violência contra as mulheres e à comunidade LGBTQIAP+ evidenciando o caráter misógino e classista da grande mídia, sendo o caso de Robinho somente mais um na fila de injustiças promovidas por este sistema opressor.

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