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Subverta: uma análise de conjuntura feminista 

Recém completados cinco anos do Ele Não, talvez o último grande levante nacional de mulheres no ciclo recente, quais são hoje os grandes desafios para o movimento feminista no Brasil? No segundo semestre de 2023, duas grandes questões pautaram os movimentos sociais que lidam com sujeitos oprimidos: a campanha por uma ministra negra no STF e a descriminalização do aborto. Mas, antes de entrarmos em debates deste ano, pretendemos trazer uma breve caracterização do último ciclo que vivemos no Brasil.

Avanço do fascismo e o Ele Não

Costumamos afirmar corriqueiramente que a extrema-direita e o fascismo “odeia mulheres” e todos os movimentos sociais relacionados à temática de diversidade, uma vez que sua ideologia ancora-se na estrutura de uma sociedade patriarcal, racista e de classes. Assim, o ideário fascista respalda-se na ideia de que o inimigo precisa ser combatido, em especial, o movimento feminista que luta contra a opressão de gênero. Portanto, os argumentos defendidos por este bloco ultraconservador é sempre de aversão e violência.

Desde o início do governo Temer em 2016 e do ascenso da figura de Jair Bolsonaro na arena política (2016-2018), parte dos veículos de comunicação operaram na difusão de um discurso de ódio a mulheres de um modo geral e de figuras públicas femininas da esfera política como: Dilma Rousseff, Manuela D’ávila e Marielle Franco, após sua dura execução. A produção de fake news contra o campo de esquerda se multiplicou ainda mais quando os indivíduos envolvidos se tratavam de mulheres da esquerda. A ala bolsonarista, em especial, retoma a ideia da constituição da família tradicional formada por  pai, mãe (ambos cis) e filhos, e do papel da mulher enquanto subordinada aos interesses dos homens. Por isso, para o fortalecimento do movimento da ultradireita e legitimação do bolsonarismo do país, seria fundamental a legitimação deste tipo de ideologia, difundindo preconceitos generalizados desde a convivência cotidiana até nos espaços de maiores instâncias de poder.

Em contraponto a esta lógica, o “Ele não” se constituiu num movimento nacional de frente ampla de mulheres que tinha como finalidade combater o ascenso avassalador do movimento fascista e de setores da ultradireita no período eleitoral do ano de 2018. Após a vitória de Jair Bolsonaro nas urnas, alguns setores localizados no próprio campo da esquerda produziram certo apagamento deste grandioso movimento, responsabilizando o movimento por produzir um efeito de crescimento de Bolsonaro em sua campanha. Tais posturas demonstram o quanto dentro do próprio campo de esquerda a estrutura patriarcal e masculinizada é legitimada enquanto universal, silenciando movimentos de protagonismo das mulheres.

Governo Bolsonaro contra as mulheres

O governo Bolsonaro externou o ódio às mulheres durante sua gestão de 4 anos, seja nas suas declarações ou na atuação política cotidiana na arena política. No dia 7 de setembro de 2022, em solenidade próxima ao Palácio do Planalto, o mesmo entoou gritos de “imbrochável” para a multidão, referindo-se a sua virilidade e  objetificando sexualmente o papel social de sua esposa Michele Bolsonaro. Na época, a pesquisa Datafolha registrava que Bolsonaro era rejeitado por 56% das mulheres, que representavam 52% do eleitorado brasileiro. O índice das que se negavam a depositar o voto no mesmo era maior do que sua rejeição, chegando a 53%. A pesquisa detectou também que ele seria o candidato que mais atacava mulheres em geral.

Nos anos de 2019 e 2020 do governo Bolsonaro, primeiros anos de governo, apenas metade do valor das políticas de enfrentamento à violência e promoção da autonomia foram executadas, o que significa que os recursos ficaram em torno de 15 milhões em cada um desses anos. Em 2014, por exemplo, o montante seria de 273 milhões, dos quais 184 milhões foram aplicados.

Durante seu governo, a crise econômica também afetou consideravelmente a vida das mulheres, sobretudo as mulheres de baixa renda que chefiavam famílias. Segundo a Relação Anual de Informações Sociais (Rais) em 2020, o Brasil perdeu 480,3 mil empregos de carteira assinada, sendo que, deste total, 462,9 mil (96,4%) eram ocupados por mulheres.

Uma das ações de demonstração de desumanidade e misoginia com relação à dignidade da vida das mulheres se caracterizou no veto do ex-presidente Jair Bolsonaro em setembro de 2021 ao programa de distribuição gratuita de absorvente feminino para estudantes de baixa renda, pessoas em situação de rua e presidiárias. 

Dessa forma, durante o governo vigente de Bolsonaro, mulheres sofreram maiores violências e impactos brutais em função da nossa construção social que abarca marcadores de desigualdade, misoginia e machismo nas sociabilidades do mundo em que vivemos. 

Crise do cuidado

O capitalismo, desde o seu advento, sempre dependeu de duas esferas para a sua acumulação infinita de capital: a esfera produtiva e a esfera reprodutiva. Apesar das duas serem igualmente importantes do ponto de vista do capital, a reprodutiva, que recaiu e ainda recai principalmente sobre os ombros das mulheres, é invisibilizada. Na atual era do neoliberalismo, em que sentimos o acirramento das múltiplas crises do sistema capitalista, como econômica, política e ecológica, as mulheres vêm sendo atravessadas também pela crise do cuidado. Observamos que cada vez mais os serviços ofertados pelo Estado, como educação, cuidados em relação à saúde e de crianças, habitação, etc., vêm sofrendo ataques a partir de políticas de austeridade, fazendo com que o trabalho reprodutivo dentro do lar se sobrecarregue ainda mais. 

Se não há creche ou escola durante a pandemia para seus filhos, isso impacta significativamente na dinâmica organizacional do cotidiano destas mulheres ou na dificuldade de se inserir no mundo do trabalho. Se o SUS  não atende de maneira adequada esta mulher ou sua família, isso acarreta no desdobramento de um cotidiano  ainda mais complexo de se gerir. Se não há sistema de transporte com condições dignas, chegar ao trabalho torna-se penoso diante das duplas ou triplas jornadas que lhe esperam, levando-se em consideração também as situações de assédio que podem vir a sofrer dentro destes transportes superlotados. 

Mulheres são diretamente afetadas pois sua socialização se direciona ao trabalho de “cuidados”, em especial as mulheres negras, já que essas correspondem a 90% do total de mulheres que se tornaram mães solo entre 2012 e 2022. No imaginário social progressista, muitas vezes estas mulheres são interpretadas como “fortes” ou “guerreiras” ao conseguirem gerir diversas frentes sem maiores obstáculos, romantizando-se, assim, o fardo da exploração do mundo do trabalho e do racismo estrutural.

Deve-se levar em conta também que nem todo trabalho de cuidado é não remunerado, e a parte remunerada explicita ainda mais o racismo brasileiro. Segundo reportagem da CNN Brasil, 65% das empregadas domésticas no Brasil são mulheres negras, uma função oriunda de um passado colonialista e escravocrata.  

A crise do cuidado é, portanto, uma das principais crises que devem ser apontadas e combatidas pelo movimento feminista no século XXI, e vem ganhando destaque nas discussões em organizações políticas e até na sociedade civil, como vimos com o tema do ENEM de 2023.

Pensando em táticas de visibilização do trabalho reprodutivo, que também proporciona um respiro para as mulheres que carregam nas costas o peso desse trabalho, aqui no Brasil, seguindo de inspiração a Argentina, a deputada federal Taliria Petrone, nossa companheira de organização e que vem centrando sua atuação na defesa da “política de cuidados”, apresentou o projeto de lei 2757/2021 que reconhece o cuidado materno como trabalho, sendo contabilizado para a aposentadoria. Ademais, acabou de ser aprovado na Câmara, no dia 5 de dezembro o PL das mães cientistas, também de autoria de Petrone, que prevê prorrogação, por 120 dias, dos prazos de defesa de mestrado e tese de doutorado, em virtude de parto, nascimento ou obtenção de guarda judicial para fins de adoção ou licença-adoção.

Outra tática seria a greve geral feminista. Na Argentina, em 3 de junho de 2015, movimentos feministas organizaram uma grande marcha que foi chamada de “Ni Una Menos”, contra o feminicídio no país. Um ano depois, com a consolidação do movimento, foi convocada uma greve nacional feminista, sendo um marco para o feminismo argentino. 

A greve feminista, diferente da greve tradicional laboral, reconhece também outros trabalhos não assalariados, como de cuidado e de subsistência. Como apontou Silvia Federici no 8 de março de 2018: essa greve trata-se de “parar as atividades que contribuem para a nossa opressão e, ao mesmo tempo, de produzir aquelas que ampliam o horizonte do que queremos como sociedade”. É necessário, portanto, que os movimentos feministas no Brasil passem a reivindicar e se articular para uma grande greve geral feminista, como uma ferramenta de luta não apenas dos sindicatos. 

Violência contra as mulheres e a centralidade do feminismo negro. 

De acordo com o Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, houve um aumento de 6,1%, entre 2021 e 2022, no número de casos de violência contra a mulher, crianças e adolescentes. Foram 1.437 casos de feminicídio e, desse total, 61,1% das vítimas são mulheres negras. Um conhecido problema que dificulta o mapeamento diz respeito à subnotificação, seja pelo medo e intimidação do agressor, seja pela ausência de políticas para acolhimento da vítima.

Em 2022, ainda segundo o mesmo Anuário, o país registrou 74.930 estupros, o maior da história, sendo que 61,4% das vítimas tinham no máximo 13 anos de idade.  Deve-se considerar também que esse número tende a ser muito maior, já que de acordo com pesquisadores do IPEA, apenas 8,5% dos estupros no Brasil são reportados às polícias, e 4,2%, pelos sistemas de informação da saúde. 

Os dados mostram, a cada ano, que a violência contra a mulher é parte estrutural de um país rasgado pelo machismo, pelo racismo e pela transfobia. Apesar de todas as mulheres estarem propensas a sofrer das inúmeras violências herdadas do patriarcado, são as negras que acabam sendo as maiores vítimas, tendo maiores taxas de feminicídio e de estupro, por exemplo. 

Quanto à desigualdade social, um exemplo elucidativo quanto à situação das mulheres negras é o resultado da pesquisa do Instituto Ethos que visualiza que só 0,4% dos altos cargos têm mulheres negras nos altos cargos de liderança. Em termos de escolaridade, os números são alarmantes também em termos de disparidade. No último Censo Educacional (2016), detectou-se que a soma das mulheres negras pretas e pardas com doutorado soma-se a 3%. Em outro recorte da pesquisa, considerando mulheres pretas com doutorado e que atuam em cursos de pós-graduação, essas correspondem a 0,4% dos docentes em todo o Brasil.

Diante desse cenário, não à toa temos no Brasil um movimento forte de mulheres negras que se organizam para explicitar as violências sofridas por elas, e apresentar formas de luta e resistência. O feminismo negro, que surgiu nos EUA nos anos 1970 e influenciou o surgimento em outros países, como no Brasil, vem sendo representado por uma infinidade de movimentos e lideranças que mostram que apesar do feminismo ter uma origem branca e pequeno-burguesa, para que possa ser verdadeiramente emancipador é preciso considerar as particularidades entre todas nós, que temos vivências e necessidades distintas, apesar de nos unirmos na luta contra o patriarcado. 

O feminismo negro nos ensina formas de práticas políticas na nossa construção coletiva, explicitando que o lugar das mulheres negras nos movimentos políticos da classe trabalhadora nunca foi de espectadoras e nos bastidores, mas sempre estiveram a frente de movimentos e processos de luta, justamente pelo lugar subordinado que foi imposto contra elas. É preciso haver, dessa forma, uma centralidade dessa luta em qualquer movimento e organização que se diz antirracista.

Encarceramento em massa e abolicionismo penal

O Brasil é o terceiro país com a maior população carcerária no mundo, somente atrás da China e dos Estados Unidos, em termos absolutos. Dados do final do ano passado relatam que há mais de 832 mil encarcerados no Brasil, e desse total 68,2% são negros, explicitando então que o encarceramento tem cor, assim como as mulheres em torno desses homens, como mães, esposas, irmãs, tias, que passam a ter suas vidas em função dos seus cuidados. 

Historicamente as mulheres negras desempenharam um papel fundamental nas lutas abolicionistas, sejam as anti-escravagistas, ou as contra o sistema punitivista burguês. No Brasil, tivemos um claro exemplo com Marielle Franco, que se tornou símbolo mundial de resistência à violência policial e militarização das polícias.

Assim, se o punitivismo penal tem corpos negros como seu principais alvos, em que nunca se tratou de uma real justiça, mas foi e é utilizada como uma forma de controle social, excluindo certos grupos da sociedade, nós enquanto feministas precisamos nos posicionar contra o punitivismo, rumo ao abolicionismo penal, em que não somente as prisões acabem, mas as polícias, que matam nossos jovens negros, deixando um rastro de mães sem filhos pelo caminho. 

Violência contra corpos trans

Segundo relatório da Associação Nacional de Travestis e Transexuais do Brasil (Antra), divulgado em janeiro de 2023, o Brasil se consagrou em 2022 pelo 14º ano consecutivo como o país que mais mata pessoas trans no mundo. Situação que provavelmente não deve ter sido alterada em 2023. 

Considerando dados entre 2017 e 2022, o relatório apontou a questão da raça como um dos principais determinantes dos alvos trans no país, considerando que a média de pessoas trans negras assassinadas é de 79,8%, enquanto para pessoas brancas esse índice caiu para 20%. Gênero também é um determinante, considerando que a imensa maioria dos assassinatos se dá contra mulheres trans e travestis, dado que dentre as 131 mortes em 2022, 130 referem-se a esses corpos. 

Apesar desse cenário desesperador contra pessoas trans, vem crescendo no movimento feminista uma vertente transfóbica que tem colocado pessoas trans como inimigas das mulheres. O feminismo radical, que ganha força na mídia e nos movimentos, vai no sentido contrário do que deveria ser o feminismo, que é um movimento emancipatório não somente de mulheres, mas de todas as pessoas mais afetadas pela opressão de gênero, sejam elas mulheres cis, trans, travestis ou pessoas não-binárias que queiram se inserir no movimento. É por isso que devemos reivindicar cada vez mais um feminismo trans-inclusivo, inserindo o transfeminismo nas nossas lutas. 

Luta por justiça reprodutiva

A luta por justiça reprodutiva segue sendo pauta fundamental para o movimento feminista, que luta para garantir tanto o direito de ter filhos, quanto o de interromper gestações indesejadas. 

É muito importante salientarmos que o termo justiça reprodutiva foi cunhado pela militância de mulheres negras, porque perceberam que as racializadas tinham menos acesso a essas políticas. E se no fim dos anos 80 o Geledés – Instituto da Mulher Negra, lutava contra a esterilização de mulheres negras, isso ainda é uma preocupação, quando por exemplo no governo Bolsonaro o Ministério da Saúde baixou uma portaria para incluir o implanon no SUS, com foco em trabalhadoras sexuais, mulheres em situação de rua, presidiárias, mulheres com HIV e com tuberculose, sem diálogo com essas populações, o que recebeu denúncias de instituições de direitos humanos sobre uma possível política eugenista. 

De acordo com um estudo da pesquisadora da fiocruz Emanuelle Goes, foi apontado que a maioria das mulheres negras, ao realizar um aborto e apresentar complicações, procura outras soluções que não atendimento médico, por medo de serem maltratadas. A luta pela legalização do aborto, portanto, é uma luta antirracista. 

No Brasil, o cenário para a luta pela descriminalização/legalização do aborto é muito difícil, mas ganhou força em setembro, com o início do julgamento da ADPF 442. A ex-ministra Rosa Weber, antes de se aposentar, apresentou seu voto favorável histórico, dando um suspiro de esperança e de avanço em tempos majoritariamente de resistências. A ex-ministra, em 72 páginas de justificativa, trouxe diversos argumentos para descriminalizar a interrupção da gravidez até as 12 semanas. Esse período, no entanto, vem levantando críticas de movimentos feministas que defendem o prazo de até 24 semanas, assim como foi descriminalizado na Colômbia. 

Sabemos que não basta descriminalizar o aborto no país, mas é preciso legalizá-lo para que o Estado garanta a sua realização de forma gratuita e segura. Porém, considerando que ainda estamos em um estágio em que pessoas com útero que abortam são consideradas criminosas por estarem fazendo algo que é ilegal, a descriminalização pode ser um primeiro passo na luta pela legalização. 

Esse ano, no dia 28 de setembro, que é o Dia  Latino-Americano e Caribenho de Luta pela Descriminalização e Legalização do Aborto, foram realizadas ações e atos de rua em vários Estados do Brasil, muito impulsionadas pela votação da ADPF. No entanto, é importante reconhecer que, com a mesma força que o debate voltou a ser pauta nos movimentos e na mídia, ele rapidamente desapareceu, apesar dos esforços que movimentos como o “nem presa, nem morta”  e a “Frente de Luta pela legalização do aborto” têm feito de seguir com a discussão. Passado o 28S, poucas iniciativas foram tomadas a nível nacional para continuar a mobilização por uma pauta tão cara à saúde e à vida de pessoas com útero no Brasil. 

Luta por justiça climática 

É inegável a constatação de que uma das principais crises a serem enfrentadas no século XXI é a ecológica. Estamos diante um cenário devastador para a humanidade, em que vivemos em 2023 o ano mais quente registrado em pelo menos 125 anos (que só tende a piorar), desastres ambientais como em Maceió, esgotamento dos recursos naturais, invernos quentes e verões frios, etc. Tudo isso enquanto líderes políticos insistem em continuar a explorar combustíveis fósseis, enquanto mantêm discursos de transição energética, como vimos nessa COP 28. 

Sabemos que essa crise ecológica afeta as pessoas de forma diferente, e chamamos isso de racismo ambiental, que escancara que a divisão de mundo capitalista faz com que os desastres ecológicos sejam sentidos mais na periferia do sistema do que no centro, em que essa desigualdade também é sentida dentro de cada nação, como no Brasil, que vemos pobres, negros, indígenas e mulheres como es mais afetades. 

Dessa forma, falar em justiça climática tem se tornado uma pauta presente não só nos movimentos ambientais, mas no movimento negro e feminista. O ecossocialismo tem sido apresentado como a alternativa radical mais acertada para evidenciar que crise ecológica e capitalismo andam de mãos dadas, e também nos dando as bases para construirmos outras alternativas de mundo. 

Os limites do governo Lula quanto a pautas caras para nós 

A campanha por uma ministra negra no STF ganhou força junto aos movimentos sociais, em especial a partir da ação da Coalizão Negra Por Direitos, como forma de pressão junto ao presidente Lula para que pela primeira vez uma mulher negra ocupasse uma cadeira no Supremo. Uma campanha, majoritariamente tocada pelo movimento negro no Brasil, tem feito a discussão sobre o retrato do poder no país onde a maioria da população é composta por mulheres pretas e nunca na história tivemos uma ministra neste perfil. Alías, somente sete vezes mulheres ocuparam esta cadeira e somente com Joaquim Barbosa um homem negro presidiu o STF, não há muito tempo.

As expectativas de um marco histórico com uma indicação de mulher negra ao STF foram frustradas no final de novembro, com a indicação de Flavio Dino para a vaga. Dino vem de uma tradição militante em defesa de direitos humanos, foi firme na defesa da democracia neste último ciclo, mas, para um país que nunca viu uma mulher negra no Supremo, pouquíssimo viu mulheres, não era esta a indicação que estava sendo reivindicada. 

Quanto à questão trans, o governo Lula recuou no que havia prometido em maio desse ano quanto ao modelo do novo RG proposto sob o governo Bolsonaro, que inclui o campo “sexo”, além de haver distinção entre nome social e nome do registro civil, sendo considerado um ataque à comunidade trans que ajudou na sua eleição, e segue apoiando o governo. 

Ademais, não é possível falar em feminismo no Brasil sem o apoio às lutas dos povos indígenas, que tiveram suas demandas ignoradas com a derrubada do veto ao marco temporal pela Bancada Ruralista no Congresso Nacional. Vimos também outra situação em que o governo recuou nas nossas pautas para utilizá-la como moeda de troca, que foi com a demissão da ministra do Esporte, Ana Moser, para colocar André Fufuca (PP), do mesmo partido de Artur Lira, deixando a composição ministerial ainda mais masculina e conservadora. 

A vitória do governo Lula foi essencial num primeiro passo contra o fascismo no Brasil, que sofreu um duro ataque com a derrota de Bolsonaro nas urnas. O apoio ao governo desde a campanha foi a única escolha possível diante da conjuntura que estávamos inserides, e segue sendo imprescindível considerando que o fascismo ainda não foi derrotado e o governo Lula não pode se dar ao luxo de viver instabilidades políticas. No entanto, assim como disse o próprio presidente, precisamos criticá-lo quando é necessário para trazer o seu governo mais à esquerda. 

Eleição de 2024: fortalecer as candidaturas de mulheres, nos seus mais diferentes espectros: negras, indígenas, trans. 

No ano que vem teremos um grande desafio à nossa frente, que é o de fortalecer candidaturas de mulheres, sejam elas negras, indígenas ou trans, e/ou pessoas não binárias e travestis. Diferente do feminismo liberal, não consideramos que qualquer mulher na política institucional é um avanço para o movimento, mas precisamos de pessoas comprometidas com os interesses da classe trabalhadora. 

As eleições são parte importante da vida política, apesar de não poder ser o nosso único objetivo enquanto militância comunista organizada. Vivemos no capitalismo e ainda que haja limites dentro das instituições burguesas, em que não sairá uma revolução dali, é inegável que é possível conseguir ganhos na luta da classe trabalhadora na institucionalidade. Vemos isso na prática, nos nossos mandatos, seja ele federal, com Talíria Petrone (RJ), seja ele estadual ou municipal como a Bancada Feminista do Psol, com Natalia Chaves (SP), Flávio Serafini (RJ), Janilce Magalhães (RJ), Professor Túlio (RJ), Ivan Moraes (PE) e Adriana Gerônimo da Mandata Nossa Cara (CE).

Nós, enquanto feministas marxistas, enxergamos as eleições como uma das nossas táticas de luta, que podem nos possibilitar ferramentas para melhorar a vida do nosso povo, e resistir aos ataques da direita, mesmo que sem perder nossa perspectiva revolucionária. Assim, em 2024 precisamos estar nas ruas e dialogando com a população para que consigamos fortalecer candidaturas que tenham a nossa cara.  

Por um feminismo marxista, negro, ecossocialista e transfeminista 

Diante do cenário atual, em que tivemos vitórias mas também precisamos avançar muito mais, o feminismo que defendemos é marxista, negro, ecossocialista e transfeminista. 

O feminismo marxista nos proporciona as bases teóricas necessárias para compreender o mundo em sua totalidade, como uma “síntese de múltiplas determinações”, em que se compreende que o capitalismo depende das opressões para se sustentar, sejam elas de gênero, raça, classe, ou outras. É um feminismo que não começa e termina em si próprio, mas está sempre em diálogo com as

múltiplas lutas da classe trabalhadora, assim, o feminismo negro, por exemplo, é um movimento fundamental para nós, na luta pela emancipação. 

Em um país racista como o Brasil, não é possível que o nosso feminismo não seja antirracista, e o feminismo negro consegue organizar as mulheres negras em torno de um movimento imprescindível na luta contra o patriarcado. 

Também não é possível que o nosso feminismo seja trans-excludente, como já foi falado, por isso a necessidade de sermos transfeministas, e combater movimentos que queiram rivalizar grupos oprimidos. 

Por fim, vivemos uma crise ecológica sem precedentes na história humana, e o ecossocialismo defendido por nós do Subverta – que não existe se não for também feminista, porque as mais afetadas por essa crise são as mulheres (em especial negras, trans e indígenas) – tem se mostrado a única saída contra a barbárie e a extinção.

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