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A Crise Climática é principalmente política!

A solidariedade com a população atingida é imperativa, mas a compreensão da catástrofe no momento não pode ser despolitizada. O cenário de guerra atual, como está sendo descrito pela população, não ocorre por acaso, é o resultado da negligência do poder público com a emergência climática. A calamidade vivida no Rio Grande do Sul é gerada pelo desmonte das políticas ambientais, pelos diversos avisos e planos de ação de cientistas ignorados, pelo negacionismo climático, pela precarização e privatização de serviços públicos.

05.05.2024 - Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, durante Sobrevoo em Canoas, Canoas - RS.

 Foto: Ricardo Stuckert / PR

Pela quarta vez em menos de um ano o Rio Grande do Sul passa por uma situação de calamidade após um evento climático extremo. No momento em que escrevemos este texto, são mais de 170 pessoas mortas e mais de 580 mil desalojadas em 463 municípios.

A solidariedade com a população atingida é imperativa, mas a compreensão da catástrofe no momento não pode ser despolitizada. O cenário de guerra atual, como está sendo descrito pela população, não ocorre por acaso, é o resultado da negligência do poder público com a emergência climática. A calamidade vivida no Rio Grande do Sul é gerada pelo desmonte das políticas ambientais, pelos diversos avisos e planos de ação de cientistas ignorados, pelo negacionismo climático, pela precarização e privatização de serviços públicos.

A prefeitura de Porto Alegre, atualmente comandada por Sebastião Melo (MDB), não investiu 1 centavo em prevenção de cheias em 2023. O sistema de contenção, criado na década de 1970, existe em apenas uma parte da cidade e sofre com a falta de manutenção, mesmo com avisos à prefeitura sobre a fragilidade dos sistemas e ausência de investimentos para modernização de mecanismo de segurança diante das alterações climáticas que se acentuam a cada ano.

No nível estadual, as emergências de 2023 não foram suficientes para fazer com que o orçamento destinado à Defesa Civil fosse maior que 0,2% do total. O governo estadual seguiu sem um plano de ação para construção de municípios resilientes às mudanças climáticas. O governador Eduardo Leite (PSDB) faz discursos com aparência ambientalista nas COPs, porém a sua essência é o corte ou alteração de quase 500 artigos do Código Ambiental do RS, a privatização das empresas de água e luz, apoio à instalação de uma mina de carvão (barrada após muita mobilização dos movimentos sociais), a instituição do auto-licenciamento, dentre diversos outros exemplos possíveis.

Agora, diante da catástrofe, os dois vestem o colete da Defesa Civil e realizam discursos sobre a necessidade de mais investimentos e citam os avisos dos cientistas, até então totalmente ignorados pelos mesmos. Mesmo assim, a falta de planejamento e o descaso não cessam, o poder público segue comunicando a situação de forma confusa e desencontrada para a população, não há um sistema que articule as ações de resgate, de abrigo e de doações nos municípios. Além disso, o governo estadual divulgou uma campanha de arrecadação de dinheiro por PIX, porém esse dinheiro ficou sob comando de uma associação privada sem fiscalização de órgãos de controle sem previsão ou plano de uso. Ou seja, uma grande demonstração de falta de gestão e planejamento diante da tragédia que atingiu todo o Rio Grande do Sul.

A calamidade é generalizada, iniciou pela região central e na Serra, passou pela região metropolitana, e o volume de água acumulado se dirigiu para a região sul. A tragédia se arrasta e era anunciada!

Como sempre, os primeiros a serem atingidos e últimos a se recuperarem são os corpos pretos, quilombolas, indígenas e empobrecidos. A enchente em Porto Alegre atingiu primeiro os bairros pobres e majoritariamente pretos, que sofrem sistematicamente com a falta de saneamento básico e políticas urbanísticas para garantia de moradia digna e de territórios seguros, mas os que estão sendo socorridos prioritariamente são os de classe média. Esse fato fica explícito na fala de Leite quando, questionado sobre a assistência às populações quilombolas e indígenas do estado, o Governador diz que o Governo do Rio Grande do Sul não tem estrutura para atender a todas as pontas. Esta fala explicita que há prioridades nesses atendimentos e que a população quilombola do bairro do Sarandi, por exemplo, não está entre estas prioridades.

As grandes empresas, para as quais os partidos de direita fazem todas as concessões e alterações legislativas em detrimento da população, fazem doações irrisórias em comparação ao lucro que possuem. O agronegócio latifundiário, as empreiteiras e especuladores imobiliários, as petroleiras e exploradoras de combustíveis fósseis, as mineradoras, o garimpo, os lobistas que tanto trabalham pela destruição da legislação ambiental e todos que possuem papel na privatização da água e do saneamento. Todos devem ser responsabilizados pela destruição do planeta e por condenar toda a população a sofrer as consequências da sua ganância. O lucro não pode estar acima da vida!

Precisamos pensar em como o agronegócio não consegue refletir como os impactos da atual crise climática é gerada por sua forma produtiva. O estado do RS é responsável por grande parcela da produção de arroz e de soja, através da monocultura, um modelo de produção que agride o meio-ambiente com a redução da fauna e da flora e colabora com o desastre climático vigente. É urgente pensar em outras formas de produção agrícola não apenas para o RS, mas para todo território brasileiro. Em contraponto à produção em larga escala do RS, completamente ameaçada pelo atual cenário do estado, o Movimento dos Sem Terra (MST), se apresenta como alternativa, como o maior produtor de arroz orgânico do país, com foco na agricultura familiar que tem dado subsídios às diversas cozinhas populares e comunitárias que dão assistência em alimentação às populações pobres mais atingidas. Precisamos tornar vigente um novo paradigma de produção agrícola que tenha uma relação de respeito aos biomas, na perspectiva agroecológica e sabemos que é possível.

A política urbanista precisa estar focada na criação de estratégias para cidades resilientes às mudanças climáticas, que estão cada vez mais graves. As ondas de calor não serão combatidas com o aumento da construção civil e do concreto em nossas áreas livres. A política habitacional atual precisa ser pensada junto à política ambiental e ecológica. A reconstrução das cidades do Rio Grande do Sul está em disputa, e nós precisamos efetivamente debater: qual cidade queremos construir? Um planejamento urbano que valorize, conviva e priorize a criação de novas áreas verdes e quintais ecológicos urbanos, aliado a uma política de educação social da importância da preservação é essencial para que estas mudanças sejam mitigadas. Se faz urgente também as legislações aprovadas no RS, Resolução Consema 500/2023 e a regulamentação da Lei Nº 15.651/2021, sejam efetivas na implementação da política de reciclagem de resíduos e que os parques habitacionais estejam integrados às ilhas de reciclagem e de coleta seletiva de resíduos.

É flagrante também a contradição posta ao grande empresariado e seus lobbies privatistas, que exigem um Estado mínimo, para fortalecer seus lucros e ao mesmo tempo exigem que o mesmo Estado, destruído por estes, possa ser forte o suficiente para cobrir a perda de lucros devido a estes desastres. Empresas que muitas vezes são beneficiadas por diversas políticas de incentivo fiscal, mas que são irresponsáveis ao dar o retorno necessário à sociedade. Eis a política neoliberal: ao Estado o mínimo e do Estado, tudo! Sugam as formas de manutenção de um Estado forte que pode dar subsídios à população em momentos como este e exigem uma ação prioritária do Estado na coberturas das perdas de seus lucros, ignorando que existem pessoas que perderam não seus lucros, mas sim suas possibilidades de existência digna com moradia e um mínimo de qualidade de vida.

Precisamos também ter especial atenção às novas formas de produção energética, uma vez que a falácia liberal de produção de energia limpa está sendo cada vez mais questionada. Toda produção energética tem seu impacto, seja territorial, social, econômico ou ambiental. A produção de energia eólica, por exemplo, tem deixado um rastro de adoecimento mental e de mudanças ambientais nos territórios onde são instaladas. Como alternativa, está sendo planejada a produção de energia eólica offshore, em alto-mar, e precisamos medir os impactos da vida marítima e como isso afeta a vida de comunidades pesqueiras tradicionais. Estes impactos precisam ser investigados para serem mitigados e as comunidades atingidas precisam ser ouvidas e terem participação direta. De igual forma, a produção de energia solar tem sido ampliada pelo grande empresariado brasileiro que investe em grandes latifúndios para produção de energia em commodities, ou seja, direcionada ao mercado internacional. Ou seja, a atual forma de produção de energia solar no Brasil tem tido um impacto ambiental, num formato de produção intimamente ligado ao monocultivo e à produção de larga escala, se utilizando de estratégia que beneficia os grandes latifundiários e colabora para a desigualdade agrária, uma mácula na política brasileira. Não basta clamarmos pela transição energética, precisamos clamar por uma mudança de paradigma, ecossocialista, que leve em consideração a intersecção entre território, sociedade e economia na produção energética.

Os parlamentares do PSOL têm sido centrais para denunciar a incompetência e omissão do poder público local em enfrentar as consequências da catástrofe, assim como para cobrar as respostas necessárias do governo federal perante a essa situação que atinge não somente um estado, como todo o país. O Governo Lula mobilizou diversas pastas para enfrentar essa crise de forma transversal, agindo tanto no resgate de afetados com a Defesa Civil, como com medidas econômicas, por exemplo o Auxílio Reconstrução, adiantamento da restituição de imposto de renda, FGTS e Bolsa Família. Destacamos também a criação de um ministério extraordinário para reconstrução do estado do RS, com maior qualificação para fiscalizar as políticas públicas federais que estão sendo implementadas e o direcionamento orçamentário que está sendo executado. Mas é preciso ir além. O Brasil precisa urgentemente da criação de um fundo de perdas e danos, para que famílias afetadas por catástrofes climáticas não sejam penalizadas em adquirir uma dívida de 30 anos para ter uma casa novamente. É preciso que o governo federal incentive a criação de protocolos de atuação dos governos estaduais e municipais para regulamentar a atuação da assistência social e da defesa civil, articulada com as políticas de saúde e educação, por exemplo, na perspectiva de garantia de direitos e não apenas como assistencialismo. 

Faz parte da luta cotidiana também o combate à disseminação de notícias falsas e mentirosas. Neste sentido, precisamos combater, inclusive, falsas análises sobre a crise climática, infelizmente, até na própria esquerda. Segundo pesquisa recente da Fundação Getúlio Vargas, apenas 1% da população brasileira nega a emergência climática. Ao lado destes negacionistas convictos, há uma parcela de 15% da população que tem dúvidas sobre a emergência climática. Logo, temos cerca de 16% da população ligada a um negacionismo climático. Esses 16% são alimentados por faixa dos 1% que são realmente negacionistas e estão em espaços de poder. Os reais negacionistas climáticos são tomadores de decisão, e ocupam funções políticas como deputados, senadores e líderes do executivo que, junto aos grandes empresários, alimentam a população por vias escusas de informações falsas e alimentam as pautas da extrema direita que ainda seguimos lutando contra em nosso país, ainda mais em um ano eleitoral. São nestes 16% que precisamos focar e alimentar não apenas com informações verdadeiras e baseadas na ciência, mas também com alternativas de transformação social que podem ser aplicadas. É dever da esquerda no Brasil disputar a sociedade para a consciência climática de classe, além de apresentar alternativas hoje para o direito ao futuro que ansiamos.

Nesse momento, a solidariedade de classe  tem sido essencial na garantia  de sobrevivência do povo gaúcho, alinhado às políticas de assistência financiadas pelo governo federal. Na região metropolitana, a maior parte dos abrigos foram organizados pela sociedade civil, bem como a divulgação de informações sobre resgates. O levantamento de informações sobre as necessidades das pessoas é articulado por grupos de WhatsApp e posts no Instagram. Milhares de pessoas se voluntariam em todas as frentes possíveis, apesar de estarem sem água e luz em casa.

Tão perigoso quanto a inação do poder público local, se alastra o discurso de que as soluções estão vindo de empresas, escamoteando a ação do governo Lula. Precisamos com isso lembrar a mudança de postura diante desse desastre da atual gestão do executivo federal, que mesmo sendo insuficiente, tem agido na direção de subsidiar ações de assistência ao estado. Essa falácia esconde o papel do capital privado nas causas do problema e a responsabilidade destas empresas diante dos diversos incentivos fiscais de responsabilidade social que estas recebem. A crise tem nome: capitalismo! O que a organização da sociedade civil para resgate e ajuda às vítimas nos mostra é que a única saída para o futuro da vida humana na Terra não virá do capital, e sim do poder popular e somente com políticas de Estado efetivas nacionais e internacionais podemos frear o colapso climático que se aprofunda em larga escala. Ainda é possível impedir a nossa extinção e recuperar os territórios destruídos, mas isso exige uma mudança de sistema. Estamos entre o ecossocialismo e a extinção, não há terceira opção!

Prestamos solidariedade a todas as pessoas que foram e estão sendo atingidas pelas chuvas no estado do Rio Grande do Sul e estamos dedicando todas as nossas forças a ajudar com o que for possível. Mas não podemos deixar de cobrar a responsabilidade estatal para lidar com a situação atual e criar, com urgência, um plano real para preparar as cidades, o campo e as florestas para os eventos extremos!

PARA SABER COMO AJUDAR O RS: https://www.instagram.com/p/C6rGZa8OesG/?utm_source=ig_web_copy_link&igsh=MzRlODBiNWFlZA==

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