Privatização e Reestatização: por que queremos que o capital privado tire a mão dos nossos direitos?
![Capa Foto preto e branco de um muro com lambes do Subverta feitos para protestar contra a privatização da Sabesp.](https://subverta.org/wp-content/uploads/2024/06/46.png?w=620&h=264&crop=1)
Por Fernanda Veraldo*
Os mais arraigados defensores do capitalismo vão concordar comigo sobre uma única coisa: o objetivo das empresas privadas é a maximização dos lucros. Posta essa premissa, voltamos a discordar em tudo o que se desdobra dela. Isso porque eles defendem que esse objetivo é o que garante a maior eficiência das empresas privadas frente às estatais. Mas a realidade nos mostra que não é bem assim.
Em setores econômicos de ampla concorrência, pelo menos na teoria, a empresa privada deve, para ampliar seus lucros, apresentar o melhor custo benefício entre qualidade e preço de venda dos seus produtos e serviços. Essa não é, no entanto, as condições de operação de diversos dos setores estratégicos da economia do país. Alguns setores, tais como saneamento, produção de energia, exploração e refino de petróleo, transporte sobre trilhos, sistema prisional, entre outros, são inerentemente monopolistas ou, quando muito, oligopolistas.
Refinarias abastecem regiões do país, e quem mora no Espírito Santo não vai poder escolher abastecer em Goiás quando os preços estiverem mais atrativos lá. No caso do saneamento, não é possível que cada rua tenha dois coletores-tronco para que cada proprietário possa escolher qual empresa vai tratar o esgoto de seu imóvel.
Em situações de monopólio, o capital privado tende a reduzir despesas – demitindo quadros, reduzindo canais de atendimento ao consumidor, precarizando a manutenção, contendo expansão para locais de baixo retorno financeiro – e a aumentar receitas, geralmente elevando as tarifas e taxando serviços antes gratuitos.
No Brasil, as estatais são de dois tipos: (1) as empresas públicas, pertencentes a algum ente de federação – União, estados ou municípios – ou (2) as empresas de sociedade mista, que têm ações na bolsa de valores, mas o Estado é acionista majoritário, o que lhe confere poder decisório. São exemplos de empresas públicas a Caixa Econômica Federal, Correios, Infraero etc. Já as empresas de sociedade mista são a Petrobrás, o Banco do Brasil e, por enquanto, a Sabesp.
As empresas públicas não têm obrigação de gerar lucro e quando geram, ele é destinado a seu proprietário, o Estado. Toda sua receita pode ser reaplicada em capacitação de servidores, manutenção e expansão do serviço, pesquisa e desenvolvimento tecnológico. Sua responsabilidade primeira é com o atendimento das necessidades da população.
As empresas de capital misto enfrentam mais restrições de reinvestimento, limitadas pela obrigação de gerar dividendos para seus acionistas. Mesmo assim, sua linha política é priorizar a qualidade dos serviços. A exemplo disso, a Sabesp, companhia de saneamento do estado de São Paulo, enviou técnicos e recursos para ajudar a restabelecer o abastecimento de água potável durante a enchente histórica que assolou e ainda assola o Rio Grande do Sul.
Mas então por que os serviços das empresas públicas são ruins? Ao longo das últimas décadas, governos neoliberais fizeram um movimento de desinvestimento e sucateamento de diversos serviços públicos, como bancos públicos, o SUS, os Correios, a Petrobrás etc. Assim, se atinge de uma vez só dois objetivos: enfraquecer a imagem das empresas perante a opinião pública e baixar o preço de venda delas ou de suas ações. A percepção de que o serviço das empresas públicas é ruim ou ineficiente é deliberadamente construída para fomentar a ideologia privatista. Frente aos desmontes e à população insatisfeita, a privatização é uma solução facilmente vendida.
A solução que defendo depende da estatização desses setores estratégicos: investimentos na ampliação em quantidade e qualidade dos serviços e atendimento; em contratação, capacitação e valorização dos funcionários; na pesquisa e desenvolvimento de tecnologias que modernizem os serviços e os tornem compatíveis com as necessidades de universalização, equidade e adaptação à crise climática.
A vitória nas urnas contra o Bolsonaro e a volta da centro-esquerda ao executivo do país não nos livrou dos inúmeros ataques. São privatizações, venda de ações, PPPs, concessões, todo tipo de desestatização possível. Lutar contra esse desmonte é uma tarefa árdua e com alta taxa de derrota. Mas não podemos abandoná-la. Mobilizações populares e ações legislativas para impedir a desestatização; evidenciar as consequências devastadoras para a população; demandar e pressionar pela reestatização e pelos investimentos que garantam a qualidade e universalidade do serviço.
As tarefas são múltiplas e precisam de todes.
Fernanda Veraldo é engenheira ambiental e urbana pela UFABC e militante do Subverta em São Paulo.
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