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Da crise à reconstrução: uma análise ecossocialista das tarefas necessárias

Foto de militantes do Subverta com bandeiras do PSOL e cartazes escritos Da crise à reconstrução: uma análise ecossocialista das tarefas necessárias. Por Coordenação Estadual da Regional de São Paulo.

Por Coordenação Estadual da Regional São Paulo

“Choveu por cinco dias
corridos
o mundo é
uma poça redonda
de água nublada
onde pequenas ilhas
estão apenas começando
a suportar
um menino
no meu jardim
está tirando água
de seu canteiro de flores
quando eu pergunto a ele por que
ele me diz
jovens sementes que não viram o sol
esquecem
e se afogam facilmente”

Suportar, de Audre Lorde

A enchente mais extensa da história do Brasil fez a opinião pública brasileira finalmente descobrir que estamos numa crise climática. E diante de uma crise, contínua e que se intensifica, algumas tarefas se destacam para uma organização política: qualificar o debate político para explicar, responsabilizar e reconstruir.

Dos 497 municípios do Rio Grande do Sul, 469 municípios foram afetados. Até agora foram contabilizadas 169 vidas ceifadas, mais de 2 milhões de pessoas afetadas e 581.638 pessoas desalojadas. Enquanto as águas baixam em alguns locais, lentamente, elas avançam em outros lugares: o Maranhão tem ao menos 31 cidades com situação de emergência decretada, e 3 mil famílias foram desalojadas; no Quênia mais de 165 mil pessoas foram deslocadas por conta de enchentes e no nordeste do Afeganistão são mais de 300 mortos. A emergência climática afeta desproporcionalmente o que é comumente chamado de sul global.

Uma tragédia, por pior que ela seja, nunca afeta a todes de forma igual, porque na sociedade capitalista a ocupação do solo e sua distribuição territorial é sempre desigual. Um estudo do Observatório da Metrópole de Porto Alegre sobrepôs as manchas de alagamento aos dados do censo, e os resultados foram dois: (i) que as áreas alagadas são principalmente as mais pobres, e (ii) que os bairros mais afetados têm uma proporção maior de pretos e pardos segundo o IBGE. Resultados estes que confirmam que o racismo ambiental é latente e ponto fundamental quando olhamos para os impactos da crise climática. 

Se, por um lado, imprensa e formadores de opinião se deram conta da importância de girar as atenções para todos os ataques vindos do Congresso à legislação ambiental que têm impactos diretos na tragédia do Rio Grande do Sul, por outro, a extrema direita girou sua máquina de fake news para a situação com objetivos de minar a atuação do governo federal e negar as verdadeiras causas e responsáveis pelas enchentes. O nível de fake news foi tão alto que o debate sobre notícias falsas superou a discussão sobre impactos do desastre e solidariedade, apontou um levantamento da FGV.

Por isso a importância da responsabilização, para dar nitidez, dar nome aos bois da boiada que passou. Precisamos repetir que Jair Bolsonaro e Ricardo Salles tiveram papel fundamental em abrir as porteiras para o maior aumento de desmatamento na Amazônia durante quatro anos, a maior alta nas emissões de gases estufa em 19 anos no país, uma redução de quase 40% das multas por desmatamento na região amazônica, o desmonte do Ibama e do ICMBio, e de diversas legislações ambientais.

A culpa é também de Eduardo Leite (PSDB), responsável pelo desmonte da legislação ambiental do Estado do RS, tendo alterado mais de 480 pontos do código ambiental, assim como é responsável pelo desmatamento de mais de 6.000 hectares de vegetação nativa, segundo o MapBiomas. A culpa também é de Sebastião Melo (MDB) e de seu vice Ricardo Gomes (PL)  — apresentador da Brasil Paralelo, meio de comunicação porta-voz da extrema direita negacionista —, que não investiram um real sequer em prevenção de enchentes em 2023 em Porto Alegre.

Também passa por todas as gestões de governos federais anteriores, que não deram a centralidade devida ao enfrentamento da emergência climática e que insistem em explorar cada vez mais petróleo, ao invés de compreender que isso é parte do problema. Passa pelas indústrias petroleiras que compraram por anos e anos cientistas para negar o efeito de suas atividades no aquecimento global, assim como pela indústria do agronegócio que, no Brasil, tem papel central: é a maior lobista que atua no Congresso Nacional, assim como representa o setor mais poluente no país.

O “Pacote da Destruição” — conjunto de quase 30 projetos de lei e PECs para arrasar o meio ambiente e os direitos indígenas — agora está na boca do povo e segue tramitando no Congresso a todo vapor. E aqui os protagonistas são os negacionistas climáticos, grande parte do Congresso: há os que negam completamente a existência de mudanças climáticas ou do aquecimento global, a exemplo dos irmãos Bolsonaro, mas há os que até enxergam, mas o bolso fala mais alto.

Enquanto o Congresso é tomado de negacionistas, a população enxerga de outra forma: pesquisa recente da Quaest afirma que 99% das pessoas vê relação entre as mudanças climáticas e o desastre do RS, mas 64% acha que não tinha nada a ser feito. A maioria sabe que vai aumentar a frequência desses eventos e cita poluição industrial e desmatamento como as principais causas. Outra pesquisa do IPEC em 2023 aponta que petróleo, carvão mineral e gás natural fóssil, fontes não renováveis de energia, são nitidamente identificados pela ampla maioria como prejudiciais ao clima, e para a grande maioria dos entrevistados (86%) as prioridades de investimento do governo devem ser centradas na energia solar, hídrica, eólica e de biomassa.

Expor culpados e responsabilizá-los é o mínimo que devemos fazer para que essa pauta ganhe de uma vez por todas a atenção pública, e para que consigamos não só barrar todos os retrocessos, mas de fato pautar uma reconstrução: além de estrutural, urbana, ambiental, também de imaginários.

A reconstrução passa por solidariedade ativa (mutirões de limpeza, de moradia, de assistência social), mas também por adaptação de estruturas, Planos Diretores alinhados com a política de redução de riscos,  recuperação da vegetação e proteção ambiental, assessoria técnica para agricultores, política de gestão das águas, transparência nos recursos financeiros e dados, sistemas de alertas mais eficientes e menos genéricos pela Defesa Civil e garantia de participação popular. Passa por efetivação no âmbito internacional do Fundo de Perdas e Danos, taxação de grandes fortunas, política mundial de alimentos para garantir segurança alimentar, entre outras iniciativas que fortalecerão a classe trabalhadora até a superação do capitalismo, condição necessária para que possamos de fato frear a emergência climática.

E, por último, passa pela reconstrução de um imaginário de um mundo possível, um mundo ecossocialista, para que, lembrando Audre Lorde, as sementes não se afoguem, mas possam brotar.

Fontes:
Planeta em emergência: Afeganistão, Indonésia e Canadá têm centenas de pessoas mortas e milhares de desabrigadas após tragédias climáticas
Chuvas no Maranhão: governo nega, mas ainda há famílias desabrigadas
Defesa Civil atualiza balanço das enchentes no RS
Na newsletter: Modelos previam mais chuvas no RS há 10 anos
Na newsletter: 8 pontos a observar na reconstrução do RS
Governo do Rio Grande do Sul engavetou planos para lidar com mudanças climáticas
Quaest: 99% acreditam que tragédia no RS tem ligação com as mudanças climáticas
Áreas mais pobres foram mais atingidas pelas cheias em Porto Alegre e região; veja mapas
Defesa Civil atualiza balanço das enchentes no RS nesta terça-feira
Quase 10 mil animais são resgatados durante enchentes no RS; voluntários se organizam com abrigos e cuidados
Enchentes no RS causaram impactos na fauna e flora da região

Sobre subvertacomunica (81 artigos)
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