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Fracasso do golpe na Bolívia: quais as lições que tiramos?

Foto da população ocupando as ruas contra o golpe da direita na Bolívia. Tem uma sacada na esquerda com pessoas balançando a bandeira da Wiphala.

Por Tatiane Anju Watanabe *

Infelizmente a história da nossa região está recheada de golpes de Estado, sendo a Bolívia o país campeão, considerando os mais de 100 golpes que sofreu desde a sua independência.

Ontem pudemos assistir uma nova tentativa de golpe no nosso país vizinho. O Comandante do Exército boliviano, General Zúñiga, um dia depois de ter sido destituído da sua posição após falas de ameaça contra uma possível candidatura do ex-presidente Evo Morales nas eleições presidenciais de 2025, resolveu na tarde do dia 26 de junho invadir o Palácio Presidencial com a ajuda de um tanque de exército e outros militares.

Cenas que pareciam ser das ditaduras do século passado logo foram condenadas pela mídia nacional e internacional, e também por organismos internacionais, como a Organização dos Estados Americanos (OEA), que teve um papel fundamental no golpe em 2019 que derrubou Evo Morales. Outros líderes de Estado também emitiram notas de repúdio, em defesa da democracia.

Também, essa tentativa de golpe militar foi condenada até mesmo por políticos da direita como a própria Jeanine Añez, golpista que tomou o poder em 2019.

O cenário, portanto, estava diferente do que foi cinco anos atrás.

Em 2019 o exército atuou a partir do seu comandante indo em rede nacional pedindo a renúncia do presidente, o fazendo em conjunto com o chefe geral da polícia. Não houve por parte do exército uma movimentação violenta como aconteceu ontem, e uma movimentação que fazia com que todos se lembrassem dos golpes militares do século passado.

Por sua vez, foi a polícia com sua força repressora que atuou mais violentamente nas semanas em que o golpe foi se construindo entre 20 de outubro a 10 de novembro de 2019, mas alegou atuar em prol da democracia contra um governo ilegítimo que tentava um auto golpe.

E é esse o primeiro ponto que quero ressaltar: a construção do discurso de ilegitimidade do governo é fundamental para o sucesso de um golpe na América Latina do século XXI.

Em 2019 o golpe só foi bem-sucedido porque havia uma motivação “legítima” (apesar de mentirosa) de fraude eleitoral. Oras, se Morales tivesse fraudado a eleição que apontou sua vitória, nada mais lógico do que as forças do Estado e da sociedade se mobilizarem para derrubá-lo e restaurar a “democracia”.

Essa motivação legítima então não precisa ser verdadeira, só é necessário que muitas pessoas acreditem que é para que se possa criar um apoio popular à tentativa de golpe.

Esse é um segundo ponto que quero ressaltar: apoio popular.

Como vimos, na tentativa de golpe de ontem não havia apoio popular à aventura golpista de Zuñiga. O argumento utilizado por ele era de que precisaria restaurar a democracia e libertar os “presos políticos” (que seriam os golpistas de 2019). Porém, não havia sido construído anteriormente um discurso questionando o governo Arce, colocando-o como um obstáculo à democracia, assim como aconteceu com Morales em 2019. O que todos estavam vendo era um general que havia sido demitido se rebelando contra um governo que foi democraticamente eleito com a maioria dos votos.

Não houve a construção do discurso de ilegitimidade do governo. Portanto, não havia apoio algum às ações do general.

O que houve foi o contrário. Logo após as notícias de que parte dos militares tentavam um golpe, houve uma rápida ação dos apoiadores do governo e das organizações e movimentos sociais contra o golpe.

Suas lideranças prontamente chamaram o que estava acontecendo pelo nome correto: golpe.

A Central Obrera Boliviana (COB), que reúne mais de 2 milhões de trabalhadores, prontamente convocou o povo para ir às ruas defender o governo, além de convocar uma greve geral até que os golpistas fossem derrotados.

Dessa forma, pouco tempo depois a Plaza Murillo que havia sido invadida pelos golpistas por ser a praça dos governos em que se encontra o poder legislativo e o executivo, foi tomada por multidões que se colocaram contra os militares e acabam expulsando-os.

Esse então é o terceiro ponto fundamental que define a vitória ou não do golpe: mobilização popular.

Infelizmente, em 2019 apesar de ter havido mobilização popular a favor do governo, também houve uma forte mobilização contra, por ter sido construído o discurso de ilegitimidade do governo.

A mobilização golpista nas ruas também ajuda a dar legitimidade para a derrubada do governo, por mostrar um desgaste e uma não identificação de parte da população ao líder do país que supostamente seria um representante da maioria que o elegeu. É por isso que quando a direita golpista sai às ruas, a esquerda precisa se mobilizar rapidamente colocando ainda mais gente nas ruas, para demonstrar apoio ao governo.

A Bolívia é um país com fortes mobilizações de rua, por já terem conseguido diversas vitórias dessa forma, como foi o caso do reconhecimento da plurinacionalidade do seu Estado. É então um país que deve servir de exemplo para quando pensarmos o que fazer.

Apesar de ter sofrido um golpe em novembro de 2019, menos de 1 ano depois conseguiu enterrá-lo colocando o atual presidente Luis Arce no poder.

E apesar de ter sofrido uma tentativa de golpe ontem, em poucas horas conseguiu expulsar os golpistas da Plaza Murillo, e o general já se encontra preso.

Nós, países latino-americanos, nos encontramos em uma posição subordinada no sistema internacional e não conseguimos atuar com verdadeira soberania nos nossos processos econômicos e políticos. Portanto, uma tentativa de golpe está sempre à espreita. A nossa direita é uma direita golpista que nunca aceita um governo de esquerda no poder. Precisamos então saber como agir em tentativas de golpe. Ter agilidade para tomar as ruas e defender nossos governos de um golpe, e pensar estrategicamente em como tornar o discurso golpista ilegítimo.

Aqui no Brasil vemos o golpismo muito presente. O governo Lula sofreu uma tentativa de golpe logo nos seus primeiros dias de governo, e a mesma direita que ajudou na derrubada da sua companheira de partido, Dilma, está em altas posições do governo. Há um medo na esquerda de que qualquer tomada das ruas seja novamente um junho de 2013. Um medo de que se sairmos às ruas para cobrar algo do governo Lula, a direita tome o controle e consiga derrubar o presidente. Mas temos que lembrar que a conjuntura não é a mesma, e agora, aprendendo com os erros do passado, vamos saber melhor como agir. Não podemos ter medo de estar sempre nas ruas. Na Bolívia a sua base não sai às ruas somente para defender o governo, mas o faz também quando precisa cobrá-lo. É assim que nosses companheires bolivianes conseguem se mobilizar rapidamente em tentativas golpistas, porque a rua é sempre a primeira resposta de “o que fazer?”.

Infelizmente novas tentativas de golpe virão, seja na Bolívia, no Brasil, ou em outro país latino americano, como agiremos da próxima vez?

Tatiane Anju Watanabe é militante do Subverta regional SP, da juventude Travessia e constrói a Frente Estadual pela Legalização do Aborto de SP. Doutoranda em Economia Política Mundial na UFABC, onde pesquisa Bolívia, dependência e imperialismo.

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