1959 | A Revolta das Barcas em Niterói
Bem antes da existência da Ponte Rio-Niterói, o único serviço de transporte entre Niterói (então capital do estado) e Rio (então capital do Brasil) eram as barcas. Diariamente, aproximadamente cem mil passageiros atravessavam a baía de Guanabara por dia, quase metade da população niteroiense à época.
O Grupo Carreteiro, que controlava o serviço, constantemente pedia mais dinheiro do governo para cobrir seus gastos, alegando prejuízo com a operação das barcas. O governo começou a negar maiores subsídios, sob a acusação de que o Grupo prestava falsas informações sobre seus gastos. Suspeitava-se que a empresa gastava menos da metade do que exigia dos cofres públicos. As suspeitas eram reforçadas pelas compras de diversas fazendas e outros tipos de propriedades pela família Carreteiro, fatos notados pela população.
Além dos indícios nítidos de corrupção, as mobilizações sindicais no Brasil, que incentivavam trabalhadores e trabalhadoras a se organizar, eram crescentes naquele período. Nesse cenário, o Sindicato dos Marítimos e Operários Navais paralisava o trabalho e realizavam greves com frequência em defesa de direitos sociais dos trabalhadores.
A greve dos marítimos
Na noite de 21 de maio de 1959, o sindicato entrou em greve reivindicando melhores condições de trabalho e organização para os cerca de quatro mil funcionários da empresa. Com a paralisação, as Forças Armadas foram chamadas para furar a greve e administrar provisoriamente as viagens entre Niterói e o Rio, desde a condução até a organização das filas. Foram utilizadas duas embarcações especiais para tal, denominadas “avisos”. Os barcos utilizados, porém, tinham capacidade reduzida.
A revolta
Com o serviço reduzido e, logicamente, sem dar vazão à demanda, a população começou a se aglomerar na Praça Martim Afonso (popularmente conhecida como Arariboia). O desconforto e o atraso foram aumentando a tensão local. Para piorar, os fuzileiros navais que tentavam “organizar” a fila — um grande aglomerado de pessoas — começaram a agir com truculência, aumentando o descontentamento e a agitação.
Quando um dos militares resolveu dar coronhadas nos passageiros na tentativa de organizar a fila, uma pedra foi lançada contra uma vidraça da estação de barcas. A resposta dos fuzileiros foi uma rajada de tiros para o alto e pronto: era o início de um estopim da fúria popular.
Iniciou-se um quebra-quebra pela estação das barcas, que foi incendiada e teve a frota destruída. Os móveis da estação e pedaços das embarcações foram arremessados na rua e incendiados. A revolta seguiu, com a população em marcha para a Rua São João, onde ficava o escritório da empresa do Grupo Carreteiro, igualmente invadido e destruído, com papéis e móveis sendo arremessados da janela e ateados em chamas.
Por fim, os revoltosos marcharam em direção à residência dos Carreteiro no bairro Fonseca, a três quilômetros do foco da revolta. A casa foi incendiada, os pertences destruídos e os móveis caros arremessados das janelas. No fim, encontrou-se escrito em uma das paredes da casa: “Aqui jazem as fortunas do Grupo Carreteiro, acumuladas com o sacrifício do povo.”
No dia seguinte a situação já estava sob controle e o governo brasileiro reassumiu o controle das barcas a partir da estatização do serviço.
A repressão dos militares contra a revolta popular foi extremamente violenta e resultou em 6 mortos e 118 feridos. Alguns periódicos compararam o episódio à Revolução Francesa, chamando Niterói de “uma pequena Bastilha”.
Referências
- Jornal A Tribuna (Niterói), edição de 22 de maio de 2009
- [1]
- [2]
- Jornal do Brasil – edição de 23 de maio de 1959 (Google News Archive)
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