Socorrista voluntário palestino é morto pelo exército israelense durante atendimento a feridos
O jovem socorrista de 18 anos atendia manifestantes feridos no campo de refugiados em Belém, quanto tomou um tiro de fuzil no abdômen disparado por um soldado israelense e não resistiu
27/03/2019 – por Thiago Ávila*
Há quinze dias atrás estive pela última vez com Sabrina Fernandes e Sandra Guimarães no campo de refugiados de Dereishe, em Belém. É um lugar que traz em suas paredes e em seu chão a memória de sangue e dor de um povo que foi expulso de suas terras em 1948 e que, a partir de 1967, vive sob ocupação militar israelense em seu próprio campo de refugiados na Cisjordânia.
As agressões são constantes: invasões militares na madrugada praticamente todos os dias, prisões arbitrárias de palestinos em suas casas, inclusive crianças (pois Israel determinou que a idade penal para palestinos é de 14 anos, podendo levar para o sistema socioeducativo crianças a partir de 12 anos e prendendo para interrogatório crianças ainda menores). É uma triste constatação nesse campo de refugiados em Belém que praticamente toda a juventude que vive no campo já foi presa alguma vez por Israel. É comum também ver mães apreensivas quando a criança vai crescendo e vai se aproximando da “idade de ser preso” por Israel.
Embora seja condenável sob qualquer ótica do direito internacional (e condenada anualmente na ONU há décadas) a ocupação militar israelense em território palestino persiste. Em seu caminho deixa um rastro de destruição de centenas de vilarejos destruídos, territórios ocupados por colonos que se apoderam das terras férteis, das nascentes, córregos e áreas de recarga de aquíferos e muitos assassinatos de ativistas que tentam resistir a essa lógica.
Na última madrugada o exército israelense entrou em Dereishe às 3 horas da manhã e prendeu uma pessoa que estava em sua cama. Às 6 horas retornaram ao campo de refugiados mas, dessa vez, atirando aleatoriamente com seus fuzis e arremessando bombas de gás. A população local respondeu atirando pedras nos soldados para repelir a invasão. É a forma habitual de resistência nos campos de refugiados contra as incursões do exército (e o campo de Dereishe é famoso por ser um local de resistência muito aguerrida).
Em pouco tempo começaram a aparecer os feridos e, com eles, começam a aparecer os voluntários socorristas. São pessoas que arriscam suas vidas com o objetivo de socorrer o máximo de pessoas possíveis e leva-las para um local seguro onde possam buscar atendimento médico adequado. Caso o exército israelense alcance as pessoas, serão presas ou executadas e, em casos de execução que o exército esteja com a posse do corpo, podem retê-lo por tempo indeterminado alegando que o funeral possa ser utilizado para mobilização do povo palestino.
A manhã de hoje foi habitual para o povo palestino que vive um massacre todos os dias. Mas não foi habitual para o jovem Sajed Muzher, que tinha apenas 18 anos. Ao tentar socorrer uma das três pessoas feridas pelos fuzis do exército acabou sendo atingido por um tiro no abdômen e não resistiu. A tristeza tomou conta do campo de refugiados, pois ele era uma das pessoas que se dedicavam justamente a diminuir a dor do massacre para aquela comunidade.
Sajed era membro da FPLP, a Frente Popular pela Libertação da Palestina, uma entre várias organizações que se mobilizam para acabar com a punição coletiva a esse povo que sofre um verdadeiro genocídio da quarta maior potência militar do mundo há mais de 70 anos. Assassinar um socorrista realizando atendimento a vítimas é reconhecido pela ONU como um crime de guerra. Um entre tantos que Israel comete todos os dias. Nenhum veículo internacional, exceto a Al Jazeera, publicou uma linha sequer sobre o assassinato até o momento dessa publicação, que foi feita a partir de fotos e vídeos de moradores do próprio campo e de apoiadores da causa palestina que vivem no local.
Nos próximos dias acontecerão as eleições em Israel, e o cenário é de um agravamento do massacre ao povo palestino. Um crescimento considerável da extrema-direita, com a Ministra da Justiça enaltecendo o fascismo, o candidato general enaltecendo os bombardeios à Faixa de Gaza e o atual primeiro-ministro Netanyahu intensificando os ataques ao povo palestino demonstram que não virão tempos fáceis à frente. Para agravar ainda mais a situação, Donald Trump alega que elaborou junto com seu genro um “Plano do Século” para acabar com o “conflito” e que o apresentará às autoridades israelenses após as eleições.
A resistência palestina é heroica e inspiradora, mas depende da solidariedade internacional e da mobilização para pressionar Israel a acabar com o massacre. Em todo o mundo são realizadas ações que estimulam o boicote a Israel e pressão nos governos de outros países por desinvestimentos e sanções, inspiradas nas ações que conseguiram derrotar o regime do apartheid na África do Sul no século passado.
* Thiago Ávila é socioambientalista e membro da IV Internacional. Ele esteve durante os meses de fevereiro e março nos território palestinos gravando um documentário junto com Sabrina Fernandes para o canal Tese Onze do Youtube.
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