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As mulheres e a reforma da previdência

Déficit de arrecadação ou desvio de capital para pagamento de juros da dívida pública (para bancos) ou nos adaptando ao investimento estrangeiro?

“Nunca se esqueça de que basta uma crise política, econômica ou religiosa para que os direitos das mulheres sejam questionados. Esses direitos não são permanentes. Você terá que manter-se vigilante durante toda a sua vida.” – Simone de Beauvoir

Com essa sentença de Simone de Beauvoir mostra o quanto nossos direitos têm garantias frágeis e repentinamente são agredidos e somem como poeira no ar. Parecem que os logros das nossas lutas são feitos de névoa. É só soprar que somem. Somos 51,4% da população. Sustentamos 37,3% das famílias, somos mais de 77 milhões de eleitoras. Ganhamos cerca de 30% menos que os homens na mesma atividade. É óbvio que não estamos suficientemente politizadas, escolarizadas, conscientizadas e tomadas de críticas construtivas para combater o sistema patriarcal e perverso. E para nós a reforma da previdência é ainda mais cruel e ainda mais perversa!

A tripla jornada… Chegamos a ter até 30 horas de trabalho doméstico além das 40 semanais. Algumas de nós trabalhamos mais de 60 horas por semana em alguns estados brasileiros (IBGE). Atualmente a mulher se aposenta com 30 anos de contribuição ou com idade mínima de 60 com pelo menos 15 anos de contribuição. Como ficará após a reforma? Homens e mulheres serão nivelados com idade mínima de 65 anos combinada com 25 anos de contribuição ininterruptos. Além do mais, haverá a desvinculação do salário mínimo do beneficio da aposentadoria com o fim do fator previdenciário.

E mais, a injustiça ainda segue… Quando começar a valer, a nova regra atingirá também os homens a partir de 50 e mulheres a partir de 45 anos, que pagarão uma espécie de “pedágio” na regra de transição. É um direito garantido na Constituição que tenhamos diferenciação de gênero na compilação das leis para garantir a diminuição das desigualdades. Nós mulheres, continuamos sofrendo desigualdades nas condições de trabalho, ganhando menos, ocupando menos centros de poder e decisão, trabalhando triplas jornadas e sofrendo mais violência e opressão. A diferença de idade é necessária porque as mulheres têm tripla jornada (profissional familiar e doméstica). É uma questão de justiça ter diferenças nas regras da aposentadoria para combater a desigualdade na carga horária da mulher no setor público e privado. Onde estamos e os espaços que ocupamos já são marcados por desigualdades múltiplas e serão ainda mais acirradas as dificuldades sociais depois de aprovada essa emenda à Constituição. São vários os cenários. Analisemos alguns para tecer algumas reflexões urgentes.

Empregadas domésticas por exemplo, que recentemente tiveram seus direitos garantidos e regulamentados pela lei complementar nº 150 de 1 de junho de 2015, mal sentiram o gosto de seus direitos e já voltam ou nem chegam a sair da informalidade. A categoria que começa em media a trabalhar com 13 anos de idade. Segundo o IBGE, 23% das que contribuíram ao INSS de 2003 a 2014 estavam sem carteira assinada. Cerca de 68,1% dessas trabalhadoras de outubro a dezembro de 2016 não estavam com registradas legalmente quanto ao trabalho.

A aposentadoria especial ficará praticamente extinta desconsiderando-se totalmente todos os estatutos e leis previdenciárias das de cada categoria de trabalho. Por exemplo, a categoria enfermagem são 1,75 milhões de trabalhadores sendo que 84,6% são mulheres (IBGE). No momento vigora através do artigo 57 da Lei 8.213/1991 que dependendo do agente nocivo a categoria poderia aposentar-se com no mínimo 25 anos de contribuição, não há idade mínima, e o fator previdenciário não é levado em consideração. Com a reforma praticamente adeus aposentadoria especial.

O trabalhador rural também terá aumento da idade mínima que passa a 65 anos e passará a ser obrigado a contribuir com pelo menos 5% do salario mínimo por pelo menos 25 anos. A contribuição é individual e obrigatória ferindo o principio constitucional da contribuição previdenciária de regime solidário. Além disso, os trabalhadores rurais já contribuem com 2% do valor da produção para a previdência quando comercializada. Para receber auxilio maternidade e doença a contribuição precisará estar em dia o que não será fácil, já que hoje se estivesse valendo a contribuição da trabalhadora giraria em torno de R$ 47,00. Atualmente o trabalhador rural recebe em média cerca de 800 reais valor inferior ao salario mínimo atual (Dieese) porque a maioria está na informalidade, contando que se começa a trabalhar mais cedo cerca de 14 anos de idade e possui família mais numerosa com mais dependentes e a mulher também ganha menos no campo. Está se desenhado o apocalipse do trabalhador e pior o da mulher trabalhadora.

“(…) As desonerações de folha de pagamento e a sonegação de impostos. Se todos os recursos que deveriam ser destinados à seguridade social chegassem a seu destino, não haveria a conta deficitária.” (Contag). Segundo o Serviço de Proteção ao Crédito (SPC) em uma pesquisa feita em julho de 2016 mais de 60% dos brasileiros não se preparam para aposentadoria (SPC). A partir desse dado podemos concluir que enquanto o brasileiro está envolvido com atividades do trabalho será pego de surpresa com a Reforma da Previdência.

A maioria dos brasileiros (86%) têm pouca informação sobre como funciona o sistema previdenciário e quatro em cada dez (44%) ignoram as discussões sobre mudanças nas regras de aposentadoria que estão acontecendo. Os dados são de pesquisa divulgada em 23 de agosto de 2016 pela Fenaprevi (Federação Nacional de Previdência Privada e Vida) em parceria com a Ipsos.(Jornal Gazeta do Povo). Provavelmente esse número mudou e um número maior de brasileiros hoje se inteira da discussão, mas com certeza não são a maioria. A ignorância sobre as mudanças ainda impera.

Ao terminar esse texto sem esgotar todas as reflexões possíveis chega a notícia de que o governo Temer acaba de perdoar 25 bilhões de juros de sonegação de impostos do banco Itaú e a Câmara dos deputados vota a emergência da Reforma Trabalhista. Eles são truculentos! Tem força física! Mas, não devemos ter medo. Eles não podem nos parar se lutarmos juntas. Raiva. Só a raiva nos tem mantido vivas. Vão tirar tudo o que temos e tudo que desejávamos ter. Nós não teremos nada! O sentimento é de frustração e solidão. Apesar de sermos muitas nessa situação parece que não estamos juntas. Não somos solidárias, não ateamos fogo às ruas e aos bancos. A revolução só pode vir de nós ou não virá. Somos maioria e mais fortes, só não sabemos! Vamos agora à luta! Agora!

Thalita Chermaut é mulher, feminista, mãe e trabalhadora. Fonoaudióloga graduada pela Universidade Federal Fluminense e animadora do Coletivo Subverta no Interior do estado do Rio de Janeiro.

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